Por Leila Salim e Priscila Pacheco.
Conexão Planeta.– Divulgada na tarde de ontem, 8/8, a declaração final da Cúpula da Amazônia – Declaração ou Carta de Belém – frustrou expectativas quanto à adoção conjunta de medidas contundentes para a defesa do bioma e do clima.
Confirmando o que indicava a versão preliminar vazada à imprensa, o texto não apresentou uma meta comum dos países para o desmatamento zero até 2030 e deixou de fora a discussão sobre a eliminação da exploração de combustíveis fósseis na região, ignorando demandas da sociedade formuladas nos Diálogos Amazônicos (encontro preparatório para a cúpula, realizado de 4 a 7/8, em Belém).
Quanto ao desmatamento, o documento apenas reconhece a necessidade de avançar em metas comuns, sem adotá-las. O texto salienta “a urgência de pactuar metas comuns para 2030 para combater o desmatamento”, mas, em suas resoluções, apenas afirma que os países irão combinar esforços para o desenvolvimento sustentável do bioma, criando a Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento entre os Estados Partes.
O mecanismo terá, segundo o documento, “o objetivo de promover a cooperação regional no combate ao desmatamento e de evitar que a Amazônia atinja o ponto de não retorno, reconhecendo e promovendo o cumprimento das metas nacionais, inclusive as de desmatamento zero”.
O texto final é uma derrota para o governo brasileiro que, durante as negociações, defendeu a adoção de uma meta comum para o desmatamento zero.
Os combustíveis fósseis – alvo de fala contundente do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, na primeira sessão conjunta dos presidentes – foram praticamente ignorados. Petro havia tentado emplacar uma proposta de moratória aos fósseis, mas foi derrotado. Outros países, inclusive o Brasil, recusaram a ideia.
A única referência aos fósseis é um vago trecho que fala em adequar a exploração desses recursos aos objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Os países decidiram “iniciar um diálogo entre os Estados Partes sobre a sustentabilidade de setores tais como mineração e hidrocarbonetos na região amazônica, no marco da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e de suas políticas nacionais soberanas”.
A falta de metas para uma transição energética eficiente reforça o caminho escolhido pelos países na contenção da crise climática. Como mostrou o Observatório do Clima em reportagem recente, muitos países da América Latina seguem investindo na indústria de combustíveis fósseis.
O Brasil, por exemplo, quer saltar de nono produtor de petróleo no mundo para a quarta posição. Já a Guiana tem a ambição de entrar no ranking por causa de grandes reservas petrolíferas descobertas recentemente. A Bolívia, que possui reservas de gás chegando ao fim, lançou novos projetos de exploração que incluem a busca por petróleo na Amazônia. Peru, Equador e Venezuela também têm seus planos ativos.
Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, a declaração tem o mérito de ser um primeiro passo diante de um cenário de desarticulação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Mas peca pela falta de contundência:
“É um acordo bastante inicial. Um primeiro passo, mas que ainda não endereça nenhuma resposta concreta ao mundo em que estamos vivendo. O planeta está derretendo, estamos batendo recordes de temperatura todos os dias. Não é possível que, num cenário como esse, oito países amazônicos não consigam colocar numa declaração, em letras garrafais, que o desmatamento precisa ser zero e que explorar petróleo no meio da floresta não é uma boa ideia. Em resumo, o documento pecou pela falta de contundência. Ele é uma lista de desejos, e os desejos são insuficientes”.
Questionado sobre a ausência de compromissos concretos para os combustíveis fósseis e quanto à flagrante divergência com as posições apresentadas por Gustavo Petro na Cúpula, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, afirmou que “a posição da Colômbia não é divergente. Insisto nisso: não temos posição diferente, é convergente e cada país terá o ritmo que estiver a seu alcance”.
A declaração foi feita na coletiva de imprensa que anunciou a Carta de Belém. Mais cedo, Petro afirmara que postergar a extinção dos combustíveis fósseis é um tipo de negacionismo adotado por governos progressistas.
Inclusive, a Agência Internacional de Energia já ressaltou que o mundo não poderá autorizar mais nenhum projeto fóssil se quiser ter a chance de manter o aquecimento global em 1,5ºC, o que vai de encontro com as posições de Petro a favor da eliminação do uso de combustíveis fósseis e de mudanças na economia mundial para se livrar da dependência desses produtos.
O documento de 113 parágrafos determina ainda a criação do Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazônia, no âmbito da OTCA, que será uma versão do Painel do Clima da ONU para a Amazônia. O objetivo é reunir anualmente representantes dos Estados Partes, contando com técnicos, cientistas e pesquisadores especializados na região e com participação permanente de organizações indígenas, de comunidades locais e tradicionais e da sociedade civil para produzir conhecimento. Espera-se que o Painel, nos mesmos moldes do IPCC, sistematize as pesquisas sobre a região amazônica e produza relatórios que possam embasar a adoção de políticas públicas.
Além disso, a Declaração de Belém aposta no fortalecimento institucional da OTCA e prevê ações conjuntas de comando e controle, através da “cooperação policial, judicial e de inteligência no combate a atividades ilícitas, incluindo crimes ambientais”.
Hoje, 9/8, as lideranças dos países amazônicos encontram representantes de países convidados, como o Congo (República Democrática do Congo) e Indonésia, para apresentar uma declaração conjunta sobre proteção às florestas.
A íntegra da Carta ou Declaração de Belém pode ser lida aqui.
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*Este texto foi publicado originalmente pelo site do Observatório do Clima em 8/8/2023
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