De que lado você está sobre a Caminhada trans?

Por Ingrid Matuoka.

A transição de Amara Moira, 30 anos, ocorreu ainda à época da faculdade. Quando contou pela primeira vez para uma pessoa que a partir daquele momento gostaria de ser tratada por um nome feminino, essa pessoa resistiu e despediu-se ainda usando os termos masculinos. No dia seguinte, quando se reencontraram, essa colega disse: “Oi, Amara”.

“E a notícia foi se espalhando, sem que eu precisasse me apresentar”, relata Amara, “quando alguém me tratava no masculino, os outros corrigiam. Não precisei me desgastar negociando a minha identidade com cada um que eu encontrava”.

A partir destas atitudes, ela começou a perceber que o papel das pessoas e da comunidade tem influência no tipo de vida que vão propiciar às pessoas trans. “A família vai expulsar, não vai ter trabalho, a sociedade vai cuspir na cara. Vocês vão estar de que lado?”.

Amara tem ciência de que sua história é exceção: “Eu pude transicionar dentro da Unicamp, um ambiente bastante protegido e privilegiado, onde o movimento trans já tinha mais força do que na sociedade”. Alguns dados reforçam a percepção de Amara sobre os muitos homens e mulheres trans terem uma trajetória bem diferente da sua, particularmente no Brasil.

Um levantamento feito pelo grupo Transgender Europe mostra que 51% (689) dos homicídios de pessoas trans na América Central e do Sul ocorreram no Brasil. De acordo com pesquisa do IBGE de 2013, a expectativa de vida desse grupo social não passa dos 35 anos, menos da metade da média nacional de 74,9 anos da população em geral. Só nos primeiros 31 dias de 2016, segundo o grupo Quem a homofobia matou hoje?, pelo menos 30 pessoas da comunidade LGBT foram assassinadas, sendo nove delas trans.

Para dar visibilidade a esta situação, o Centro de Apoio e Inclusão de Travestis e Transexuais organizou, em São Paulo, no sábado 30, a “1ª Caminhada Pela Paz: ‘Sou trans e quero dignidade e respeito’”, abraçando as outras siglas da bandeira LGBT, com a adesão de cerca de 500 pessoas.

Com cartazes que diziam “Pessoas não-binárias existem”, “Você contrataria uma pessoa trans?” e “Sou ser humano e exijo respeito”, o grupo espalhou suas mensagens da Avenida Paulista à Câmara Municipal, no centro de São Paulo.

No caminho, pararam em frente ao shopping Center 3, lugar simbólico, no qual mulheres trans foram impedidas de utilizar o banheiro feminino em 2014, mas que hoje têm esse direito garantido. No fim do percurso, entregaram um abaixo assinado ao vereador Toninho Vespoli (PSOL-SP) pedindo uma audiência pública para debater a realidade social de trans. Em seguida, realizaram um ato em homenagem às vítimas da transfobia.

Durante o percurso, Renata Peron, organizadora da ação, usou o microfone para esclarecer as reivindicações da comunidade: “a gente não pede nem mais, nem menos, queremos direitos iguais. Vocês, donos dessas empresas aqui, contratem a gente. Trans também sabe trabalhar”.

De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, 90% das travestis e transexuais estão se prostituindo no Brasil, muito mais por necessidade do que por escolha.

“Esse protesto acontece para mostrar que somos seres humanos, de carne e osso, que temos sentimentos, temos o direito de ir e vir sem apanhar, sem morrer”, declarou Viviany Beleboni. Ela fala por experiência própria. A performance na Parada do Orgulho LGBT de 2015, na qual apareceu crucificada, em uma alusão à crucificação de transexuais por religiosos, rendeu hostilidade e ameaças e agressões.

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A 1ª Caminhada pela paz reuniu homens e mulheres, trans e cis (Foto: Julia Leite)

Para Beleboni, esse tipo de preconceito se deve à má educação e à bancada fundamentalista no Legislativo. “Eles não deixam passar nossos direitos e os que se dizem ‘de deus’ estimulam o ódio e distorcem a identidade de gênero”.

Thammy Gretchen, cuja transição vem sendo acompanhada com intensidade pela imprensa desde 2014, conta que foi por meio de pesquisas que descobriu sobre os homens trans. “Eu sabia o que eu sentia, mas não sabia que tinha esse nome”, disse o filho da cantora Gretchen. “E o respeito é um processo, quanto mais as pessoas vão conhecendo, mais elas vão respeitando”.

Luciano Palhano concorda que a busca pelo respeito à identidade de gênero é constante. “Por mais que a gente tenha um amigo, um parceiro, que aceita a nossa identidade, os sistemas de saúde, de educação, de habitação rejeitam as pessoas trans”.

Mas há quem queira acolher. A professora Luiza Coppieters, por exemplo, recebeu o apoio de um grupo de mulheres lésbicas e bissexuais. “É um espaço em que comecei a me empoderar, a querer fazer com que ninguém mais passe pelo sofrimento que eu passei, a replicar e ampliar essa rede de apoio. Receber as pessoas, incorporar, empoderar, ir para a militância. É assim que a gente vai conquistando esse direito raro e difícil”.

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Ato em frente à Câmara Municipal em lembrança aos que morreram vítimas da transfobia (Foto: Julia Leite)

Fonte: Carta Capital

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