Cripto Milei e seu cargo menor, presidente da república. Entrevista exclusiva com Nora Veiras

Espero que Milei e seu séquito de corruptos paguem pelo que estão fazendo.

Redação. 

Quando o leitor ou leitora informados pensam no Grupo Clarín, imediatamente o associam a Globo no Brasil. No entanto, o Grupo Clarín e, especialmente seu CEO, Héctor Magnetto, são muito mais poderosos frente a qualquer governo de turno. E mais perigoso. Remetendo-nos à frase famosa de Henry Kissinger “Ser inimigo dos EUA pode ser perigoso, mas ser amigo é fatal.” diriamos que ser inimgo de Clarín pode ser de alto risco mas, ser amigo pode ser mortal.

Nesse limbo está Javier Milei não só com relação ao Grupo de Magnetto, ao qual ousou atacar, mas, também com relação ao governo de Donald Trump, a partir dos milhares de estadunidenses prejudicados no que hoje na Argentina se conhece como “cripto gate”, o estelionato que teve como protagonista o presidente argentino com a criptomoeda Libra.

Por outro lado, é ano de eleições legislativas, o que pode complicar, no futuro, o trânsito facilitado que têm os projetos antipopulares de Milei nas câmaras de deputados e senadores da república.

Disso e de muito mais conversou Raul Fitipaldi, com a jornalista Diretora de Página 12, Nora Veiras.

A conversa:

Os efeitos do cripto golpe

R.F. O governo já superou o efeito do golpe das criptomoedas que teve Javier Milei como principal protagonista?

N.V. O objetivo do governo argentino é criar distrações constantemente, e isso se agravou desde que o escândalo do golpe da criptomoeda Libra, promovido pelo presidente Javier Milei que estourou em 14 de fevereiro. Eles tentam situações diferentes. Tem ações legais tanto na justiça argentina como nos Estados Unidos. É uma questão muito complicada para a confiança no governo argentino que, liderado por Milei, supostamente quer se firmar no cenário internacional.

Acredito, realmente, que neste pouco mais de um ano e dois meses em que ele está como presidente, este é o fato que mais prejudicou não só a imagem, mas também a credibilidade que o Governo da Liberdade Avança quer instalar na sociedade argentina e no mundo. É um escândalo muito difícil de encobrir, mas infelizmente os interesses de atores internacionais e sua ganância pelos recursos da Argentina também podem desempenhar um papel decisivo, o que não seria uma surpresa. Ou seja, que isso venha ser silenciado em vista de outras negociações que estão em andamento, por exemplo, com os Estados Unidos.

A briga Milei vs. Clarín está em aberto

R.F. Javier Milei atacou a máfia Clarín (Oligopólio comunicacional da Argentina – N.R.) com dados verdadeiros sobre as ações do grupo no passado. Políticos que atacaram essae conglomerado raramente saíram ilesos. Que destino o CEO do Grupo Clarín, Héctor Magnetto, reservaria para Milei depois disso?

N.V.  Sobre o ataque que o presidente Milei fez ao principal grupo de mídia da Argentina, o Grupo Clarín, é bom esclarecer quem é esse grupo. Clarín, além dos veículos de multimídia e diversos monopólios, tem Happy Telecom, associada a uma multinacional de origem francesa, e agora apresentou a compra, diretamente, da Telefónica Argentina, o que transforma o grupo num oligopólio mais do que desequilibrado no mercado de comunicações na Argentina. Acredito que seja algo inédito em qualquer lugar do mundo.

Sobre a pergunta: o governo de Milei disse que iria avaliar se a posição de Clarín não era monopolista. Dizendo isto ele trava uma luta frontal com o verdadeiro poder da Argentina. Como essa briga será resolvida, levando em conta a discussão entre os jogadores, é muito difícil para mim prever. Acho que é um desafio de altíssimo risco para o governo Milei.

Há uma anedota histórica na Argentina. Durante o governo da transição democrática do presidente Raúl Ricardo Alfonsín, sua gestão foi atingida por uma desestabilização econômica causada pelos grandes grupos de poder. Então, houve uma reunião na qual, assessores de Alfonsín, disseram-lhe ao todo poderoso CEO do Clarin, H. Magnetto, para fazer uma trégua com o presidente, porque estava em risco a continuidade democrática, e era muito ruim se eles continuassem a assediar o governo dessa forma.

“A presidência é um cargo menor.” Héctor Magnetto – CEO do Grupo Clarín

A resposta do CEO do Clarín foi a seguinte: “A presidência é um cargo menor.”  Acho que essa é a abordagem também agora. Essa concepção de poder está sendo revivida no atual  contexto, o que é algo a ser observado. Como esse jogo se equilibra, não sei. Se eles negociam ou alguém perde, porque existem outros atores que também têm aspirações nesse mercado de comunicação. São outros grandes empresários que também são, neste caso, amigos, por assim dizer, do governo. E aí? Eduardo Eurnekian, proprietário da Aeropuertos Argentina 2000, entre muitas outras empresas, e também de multimídias poderosas é um deles. E está o grupo Warten (Warten Group México Global Services), um grupo financeiro muito poderoso e com todos os tipos de diversificação na agricultura e assim por diante. É uma disputa de alto risco para o governo. E ainda está com o final em aberto.

O cripto estelionatário e o futuro Congresso

R.F. Milei e seu entorno terão as mesmas facilidades que tinham no Congresso em 2024, já que 2025 é um ano de eleições legislativas?

N.V. O poder na Câmara dos Deputados e de Senadores do Congresso argentino vai ter a oportunidade de repensar sua relação com o Executivo, porque este ano metade da Câmara dos Deputados e 1/3 do Senado serão renovados.

Milei teve a capacidade, ao contrário do que muitos acreditavam, de negociar, de comprar, de quebrar, seja lá como você quiser chamar a ‘oposição’. Muito do que é chamado na Argentina de oxímoro político, uma oposição amigável. Com a força política diretamente dada pelo PRO, de Mauricio Macri, ele a cooptou totalmente o poder legislativo.

Incluso, com alguns setores do peronismo histórico que já estavam alistados nas forças aliadas aos libertários, como o caso patético do senador peronista de Entre Ríos, Edgardo Darío Kueider, preso no Paraguai com 250 mil dólares (1,3 milhão de reais aproximadamente – N.R.).  Ele atravessou a fronteira com aquele dinheiro, acompanhado de uma secretária, depois de ter mudado seu voto em favor da proposta de Milei. Kueider foi expulso do Partido Justicialista (peronismo). Fatos como esse permitiram que a chamada Lei de Bases, que é o arcabouço pseudolegal que permite ao Governo de Milei avançar na destruição do Estado, fosse aprovada no Senado da nação. Se a oposição fosse realmente sensata deveria retomar o papel de oposição e recuperar o poder de equilíbrio que o poder legislativo supostamente tem.

A coalizão União Pela Pátria e os partidos da esquerda fazem oposição, mas  não é o suficiente para poder bloquear os impulsos absolutamente retrógrados das propostas oficiais. A verdade é que é uma escolha fundamental e há que ver como funciona. Se algum tipo de equilíbrio democrático pode ser restaurado na Argentina. Porque o judiciário também é totalmente cooptado de antes mesmo da Libertad Avança (sigla de J. Milei). O judiciário responde às conveniências momentâneas ou ao poder permanente que o governo Macri acabou consolidando dentro dele.

Mercosul e BRICS

R.F. O governo de Milei pode desestabilizar a unidade do Mercado Comum do Sul (Mercosul) ? lembrando que o libertário acusou o Brasil de se beneficiar da organização em detrimento dos empresários argentinos?

N.V. Em relação ao Mercosul, na abertura das sessões da Assembleia Legislativa, há apenas uma semana, Javier Milei, mais uma vez fortaleceu sua aliança com Donald Trump. Ele disse que queria promover um acordo de livre comércio com os Estados Unidos e, se o Mercosul era um impedimento para isso, ele pensava em abandoná-lo.

A verdade é que há muita pirotecnia verbal no que Milei diz nessa área, mas eu não ficaria surpresa. Acho que seria outro grande erro histórico da Argentina em termos de política externa desde que Milei assumiu o poder. O primeiro grande, e não sei se isso é reversível no curto prazo, é ter rejeitado a possibilidade de ingressar no BRICS. Perguntaram diretamente a Donald Trump se ele via um acordo de livre comércio entre Argentina e  os Estados Unidos como possível, e Trump disse que sim. Trump bajula Milei e, cada vez que o bajula, como argentino, você sente que a humilhação será maior e que eles querem ficar com toda a Argentina. Ele disse que era bom que ele apoiasse o governo de Milei, que ele apoiava Milei e que ele via isso como uma possibilidade.

A verdade é que se há algo que está em jogo atualmente em toda a América Latina é, particularmente, a política absolutamente agressiva de Donald Trump. Basta olhar o que está acontecendo com o México, com o Canadá e, sem mencionar, a resolução sobre a guerra na Ucrânia.

As negociações mafiosas de Trump

A verdade é que fazer previsões é complicado, é preciso ver o método: aperta e depois negocia. É isso que está acontecendo agora com as tarifas com o México, que as tinha fixado em 25%, e agora diz que vai baixá-las, que vai dar outra trégua, digamos assim, estamos em um processo de negociação mafiosa entre o mais forte e seus súditos, e infelizmente a posição do governo argentino é de submissão.

Não sei o que pode acontecer com o Mercosul independentemente dessa agressividade e dessa lógica. Não sei se o governo argentino é míope ao pensar que no século XXI as negociações podem ser feitas de país para país, em lugar de em bloco. O Mercosul tem muitos problemas preexistentes e é hora de ver como fazê-lo funcionar como um bloco mais harmonioso e benéfico para todas as partes.

Mais um álibi para EUA subjugar Argentina

R.F. Voltando à primeira pergunta: Que relações o governo argentino pode ter com o governo Trump após as declarações de Mauricio Claver-Carone ( de origem cubana, Mauricio Claver-Carone é o novo enviado especial do Departamento de Estado norte-americano para a América Latina, nomeado pelo presidente Donald Trump – N.R.) sobre a necessidade de investigar a Milei pelo golpe das criptomoedas?

N.V. Claver-,Carone tem uma antiga rixa com o chefe de gabinete da Argentina, Guillermo Francos, que foi chefe do BID durante o governo de Alberto Fernández há pouco tempo, mais de um ano. Naquela época, o Governo de Fernández queria desalojar Carone do lugar que ele ocupava. Isso não é perdoável para os Estados Unidos, mas obviamente não são lances pessoais. Parece-me que o que Carone está dizendo: que o cripto gate, como o chamamos, que os cidadãos dos Estados Unidos foram afetados. E eles foram realmente afetados neste caso. Milhares de cidadãos americanos foram vítimas do golpe envolvendo a criptomoeda Libra. Então, acho que infelizmente isso será usado pelos Estados Unidos para negociar, ou melhor, para subjugar ainda mais o Governo Milei.

Como será resolvida essa disputa sobre a possível impunidade do presidente argentino? Acredito que em um caso inédito no no mundo. O New York Times, a Forbes, o The Wall Street Journal, para citar a imprensa hegemônica do verdadeiro poder do Ocidente, já colocaram na primeira página o que significou e o que significa que um presidente de um país democraticamente eleito promova uma criptomoeda. Esta é a verdade, inédita no Mundo.

Vivemos uma nova lógica operacional destes “engenheiros do caos”, como Giuliano Da Empoli, os chamou há 6 anos, que estão construindo um mundo inabitável. Bom, eu acho que essas pessoas emergem dessa lógica e elas vão pagar por isso, elas vão pagar por isso e infelizmente todos nós, argentinos, vamos pagar por isso. Espero que Milei e seu séquito de corruptos paguem por isso.

A jornalista Nora Marcela Veiras nasceu na Província de Buenos Aires, na cidade de General Rodriguez. Desde 2018 é a diretora geral do jornal Página 12. Recebeu o prêmio de melhor trabalho jornalístico pelo seu programa “Mañana más” e tambémo o “Prêmio Éter de Melhor trabalho feminino em AM e FM”.

Transcrição e arte de capa: Tali Feld Gleiser.

Tradução e revisão: Redação do Portal Desacato. 

Raul Fitipaldi, é jornalista e apresentador, cofundador do Portal Desacato e da Cooperativa Comunicacional Sul.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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