O Brasil está fechando 2023, que não trouxe grandes novidades no campo econômico, com uma boa notícia: segundo estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), o país subirá duas posições no ranking de maiores economias do mundo, fechando 2023 em 9º lugar. Conforme o estudo, o Brasil cresceu 3,1% neste ano, o que possibilitará superar o PIB (Produto Interno Bruto) do Canadá, por muito pequena margem. O PIB nominal do país deve fechar o ano em US$ 2,13 trilhões e o Canadá chegará a US$ 2,12 trilhões. Em 2022, último ano do governo Bolsonaro, o Brasil estava em 11º lugar no ranking. Os dados foram publicados no relatório World Economic Outlook (Perspectiva Econômica Mundial), divulgado em outubro último. A colocação é a seguinte:
1.Estados Unidos – US$ 26,95 trilhões
2.China – US$ 17,7 trilhões
3.Alemanha – US$ 4,43 trilhões
4.Japão – US$ 4,23 trilhões
5.Índia – US$ 3,73 trilhões
6.Reino Unido – US$ 3,33 trilhões
7.França – US$ 3,05 trilhões
8.Itália – US$ 2,19 trilhões
9.Brasil – US$ 2,13 trilhões
10.Canadá – US$ 2,12 trilhões
11.Rússia – US$1,86 trilhão
12.México – US$1,81 trilhão
13.Coreia do Sul – US$1,71 trilhão
14.Austrália – US$1,69 trilhão
15.Espanha – US$1,58 trilhão
16.Indonésia – US$1,42 trilhão
17.Turquia – US$1,15 trilhão
18.Holanda – US$1,09 trilhão
19.Arábia Saudita – US$1,07 trilhão
20.Suíça – US$ 905 bilhões
Fonte: FMI
A subida do Brasil no ranking é especialmente relevante. Ainda mais se considerarmos que o país sofreu um golpe de Estado em 2016, perpetrado, dentre outros motivos, contra o desenvolvimento econômico nacional. Não há dúvidas que os dois governos decorrentes do golpe (Michel Temer e Jair Bolsonaro) foram contra o desenvolvimento, e instalados para fazer o Brasil recuar em todos os aspectos, mas especialmente em termos de crescimento econômico.
É significativa a diferença do tamanho do PIB do Brasil, em relação aos primeiros colocados no ranking, especialmente os dois primeiros. Se o Brasil quiser melhorar a vida de seu povo, terá que produzir cada vez mais riqueza. Que, evidentemente, tem que ser distribuída, o país terá que mudar o perfil de distribuição de renda. O problema do crescimento nos países subdesenvolvidos não é de uma mera dificuldade no ciclo de crescimento, de redução normal da atividade econômica, como ocorre em algumas economias. Na realidade, o problema do crescimento nos países atrasados é uma questão de disputa política, crescer não é um simples desafio de caráter técnico, mas está relacionado à correlação de forças.
Temos um exemplo desse processo, que é absolutamente impactante, na vizinha Argentina: o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) anunciado pelo governo Javier Milei no dia 290.12, se constitui, inicialmente, em um verdadeiro projeto de demolição da economia e da democracia do país. A Argentina, com a experiência desse governo “anarco capitalista”, está servindo de laboratório para um novo paradigma de ajuste ultra neoliberal, na América Latina, caso o processo consiga ser implantado. Seria uma nova etapa de implantação das reformas neoliberais na região, razão pela qual o caso argentino deve ser acompanhado com muito interesse por todos os latino-americanos.
Uma das pistas para expandir a produção de riqueza no país são os investimentos na indústria, ou na “reindustrialização”, conforme expressão muito utilizada atualmente (que é controversa, já que o Brasil ainda tem indústria forte). No quadro abaixo, vemos a participação da receita líquida de vendas por região, a partir dos três principais produtos. Os dados são da Pesquisa Industrial Anual – Produto, PIA-Produto, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, relativa a 2021. O quadro fornece uma noção da especialização da produção regional em todo o país. Chama a atenção no quadro, o baixo valor agregado da produção, nos principais produtos, praticamente em todo o país. Destaque também para o peso do óleo diesel no valor da produção industrial, em praticamente todo o território.
A comparação da produção industrial brasileira, com o que se produz nos países ricos, é importante, porque essas informações possibilitam a compreensão sobre o perfil da indústria no Brasil e a forma de inserção do país na economia internacional. Ajudam a compreender também, por suposto, a própria dinâmica política e social do país, já que essas esferas interagem e se influenciam mutuamente. Vale a comparação com os Estados Unidos, já que essa é a maior potência econômica e tem uma estratégia de desenvolvimento nacional. Os EUA são um dos países mais industrializados do mundo, o que pode parecer estranho para alguns, já que há uma ideia corrente de que, nas últimas décadas, a opção do país foi importar o máximo de industrializados da China, se concentrando apenas no mais estratégico (incluída a indústria da guerra, que é crucial para os EUA). Essa é uma verdade, mas em parte. Em torno de 24% do PIB norte-americano advém do setor industrial, que também emprega aproximadamente, 20% da força de trabalho.
Ademais, o país dispõe de grande diversificação industrial, o que garante que praticamente todos os produtos existentes possam ser confeccionados pelas indústrias nacionais, desde os mais simples, até aviões de caça, de última geração. Como o país investe bastante em tecnologia, a indústria tem grande produtividade, com a utilização de muitos robôs no processo produtivo e com uma força de trabalho relativamente qualificada. Segundo um relatório da União Europeia (UE), a maior parte dos investimentos por empresas em P&D ainda é realizado nos Estados Unidos: 37% dos investimentos em 2018 (equivalente a R$ 3,15 trilhões ao câmbio da época).
De acordo com o relatório, os países da UE responderam por 27% do total, e Japão (14%). A China só tinha 10%. Detalhe importante, que ilustra o que é o subdesenvolvimento: no top 100 da pesquisa da UE não há nenhuma companhia latino-americana. A companhia mais bem posicionada no subcontinente, na referida pesquisa, foi a Embraer, em 323º lugar. O Brasil foi o país da região mais bem colocado no ranking, com outras seis empresas: Vale (387º), Petrobras (449º), Totvs (1010º), Weg (1283º), CPFL Energia (1699º) e Brasken (1768º).
Cerca de metade da produção industrial dos EUA se localiza na área metalúrgica. A indústria química tem grande importância também, com destaque para a extração e refino de petróleo. A indústria têxtil tem também grande destaque, com ampla mecanização do processo e uma força de trabalho qualificada. São importantes também os setores de Eletrônica, Biotecnologia e Aeroespacial. No Vale do Silício (costa do Pacífico) estão as indústrias ligadas à microeletrônica e componentes para computadores. Também na Costa do Pacífico, há muitas indústrias de automóveis, embarcações e autopeças.
Enquanto o Brasil se concentra em baixo valor agregado, como vimos, nos EUA os principais produtos fabricados são: veículos, eletroeletrônicos, aviões, aço, produtos químicos, alimentos processados, tecidos, computadores, smartphones, equipamentos elétricos, máquinas, navios e autopeças. A diferença se encontra também nos principais produtos industriais exportados. Nas exportações brasileiras, os 10 principais produtos são:
1 – Soja
2 – Óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos
3 – Minério de ferro e seus concentrados
4 – Óleos combustíveis de petróleo ou de minerais betuminosos
5 – Carne bovina fresca, refrigerada ou congelada
6 – Celulose
7 – Carnes de aves e suas miudezas comestíveis, frescas, refrigeradas ou congeladas
8 – Farelos de soja e outros alimentos para animais (excluídos cereais não moídos), farinhas de carnes e outros animais
9 – Produtos para a Indústria da Transformação
10 – Açúcares e melaços
No caso dos EUA os principais produtos são: insumos industriais, aeronaves, autopeças, produtos de informática, automóveis, equipamentos de telecomunicação, equipamentos hospitalares, equipamentos para aeronaves, máquinas (principalmente para agricultura, mineração e construção), instrumentos científicos e semicondutores. É uma pauta de produção com muito maior valor agregado.
Uma das características dos governos neoliberais, especialmente nos países atrasados, é a implantação de políticas que conduzem à especialização em produção de commodities, renunciando à possibilidade de agregar valor aos produtos. O plano de liquidação da economia argentina, a propósito, traz um tópico que denuncia as verdadeiras intenções no campo do desenvolvimento: foi elevado o imposto sobre as exportações, até 15%; porém apenas para as exportações não agrárias. Ou seja, se a exportação for industrial o imposto sobe, o que é um evidente incentivo para as exportações de commodities. É um gatilho adicional, de muitos, para a desindustrialização da economia.
José Álvaro Cardoso é ecomista e coordenador do DIEESE/SC.
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