(E agora, caluniadores?)
Por Katia Guimarães.
Quem esperava encontrar os artistas de esquerda que denunciavam o golpe contra a presidenta Dilma na lista de pedidos de indiciamento da CPI da Lei Rouanet quebrou a cara. Chico Buarque não está lá. Nem Letícia Sabatella nem José de Abreu nem Tico Santa Cruz nem Gregório Duvivier nem Zélia Duncan. Zero. Nenhum.
Ao contrário do que desejavam os haters raivosos nas redes sociais e sites da mídia tradicional, a Comissão Parlamentar de Inquérito não encontrou nem um centavo sequer desviado por esses artistas. E a conclusão da CPI também vai na contramão da direita irracional: a Lei Rouanet é fundamental para a cultura. Sem ela, não haveria financiamento público para a arte no país. Poucos foram os desvios encontrados e nenhum deles envolve técnicos do Ministério da Cultura dos governos Lula e Dilma ou personalidades consideradas de esquerda.
Em 2016, durante o processo de impeachment, vários artistas, como Wagner Moura e Chico, foram atacados nas redes sociais de estarem sendo “comprados” com recursos da Lei Rouanet para defender o governo. “A CPI foi criada num momento em que intenção dela era criminalizar os artistas, perseguir o governo anterior, mas aí teve o golpe e a CPI mudou o seu objetivo inicial”, diz o deputado Chico DÁngelo (PT-RJ), ex-presidente da Comissão de Cultura da Casa, ao enfatizar que, desde o começo, o governo interino na verdade queria mesmo era extinguir o ministério da Cultura. Existia uma pretensão de culpabilizar as gestões Lula e Dilma. O que foi tentado, mas inúmeros protestos e ocupações em unidades da Funarte pelo país fizeram o governo ainda interino recuar.
Falsas notícias e memes ocuparam a internet acusando Chico Buarque de apoiar o PT porque, em troca, ele e sua então namorada haviam recebido recursos por meio da Lei Rouanet. O compositor chegou a pedir indenização a um fazendeiro que o acusou no Facebook de ser “comprado”, e ganhou. O blogueiro neomacarthista Rodrigo Constantino elencou 766 nomes de artistas e intelectuais a serem banidos porque “defendem o indefensável PT”. A perseguição aos artistas foi logo abraçada por parlamentares da base aliada do governo Temer, como o presidente da CPI, deputado Alberto Fraga (PMDB-DF), e o senador Magno Malta (PR-ES), que afirmou, na época, que os artistas são acostumados com o “Mamatório da Cultura”. “O que se dizia é que os artistas se locupletavam com a Lei Rouanet”, recorda Chico D’Angelo.
Mas basta dar uma googlada para descobrir que os maiores captadores da Lei Rouanet no ano passado não eram “esquerdopatas”. Aqui está um relatório completo dos recursos liberados em 2016 e você pode ver que entre os maiores captadores estão o Instituto Tomie Ohtake, Instituto Itaú Cultural e Aventura Entretenimento Ltda e a Fundação Roberto Marinho.
O blogueiro Renato Rovai, da Revista Fórum, também fez naqueles dias um levantamento mostrando que até o Instituto e a Fundação Fernando Henrique Cardoso (iFHC) e a Fundação Roberto Marinho estavam entre os maiores captadores da Lei Rouanet. Na lista de Rovai, estão ainda a empresa Moeller & Botelho Produções Artísticas Ltda, do diretor Claudio Botelho, que brigou com a plateia por atacar Dilma Rousseff num espetáculo em homenagem a Chico Buarque, a banda Jota Quest, os atores Marcelo Serrado, Malvino Salvador e Marcio Garcia e as atrizes Juliana Paes e Susana Vieira, todos militantes pró-impeachment. E até mesmo o cantor Lobão, que atacou Chico, Gil e Caetano, teve seu projeto aprovado, mas desistiu no meio do caminho.
Chico D’Angelo elogia o relatório do governista Domingos Sávio (PSDB-MG), que chegou a afirmar que, sem Lei Rouanet, não haveria recursos do poder público apoiando a cultura. “A Lei Rouanet é um instrumento importante que não pode ser demonizado como algo ruim”, afirmou o deputado tucano na comissão. Segundo o parlamentar do PT, a ficha foi caindo e se comprovou que os parlamentares desconheciam a Lei Rouanet. “Houve um verdadeiro cavalo-de-pau depois do golpe sobre a interpretação da Lei”, ressalta, ao contar que, logo no início dos trabalhos, choveram requerimentos convocando vários artistas, apareceram denúncias contra músicos e artistas do teatro. Ao longo dos trabalhos, os posicionamentos foram mudando. A ignorância sobre a Lei Rouanet -similar a leis de países democráticos no mundo inteiro- era tanta que alguns achavam que o incentivo à cultura foi criado nos governos Lula e Dilma, e não foi: é de 1991, ainda no governo Collor.
D’Angelo diz que o relatório da CPI propõe melhorias na legislação e traz avanços para a democratização cultural com a descentralização regional –hoje focada excessivamente no Sudeste, sobretudo no eixo Rio de Janeiro-São Paulo– e a valorização do Fundo Nacional de Cultura (FNC), garantindo a destinação dos 3% da arrecadação da Loteria Federal para o setor. Outra inovação é a assegurar que recursos de 20% dos projetos de valor maior que 500 mil reais sejam destinados ao Fundo. Essas propostas ampliam as melhorias previstas no Procultura, projeto de lei enviado durante o governo Lula pelo ex-ministro Juca Ferreira. O texto já passou pela Câmara e aguarda votação no Senado. A ideia é dar urgência às sugestões da CPI para tramitarem ao lado do Procultura.
No fim, sobre a corrupção e os indiciamentos, os deputados apenas colaboraram com investigações já avançadas no Ministério Público e na Polícia Federal, que deflagrou a Operação Boca Livre. “Essas roubalheiras que aconteceram aqui e ali, não querem dizer que a lei seja criminalizada. A CPI cumpriu seu papel, seja por causa de parlamentares que desconheciam mesmo, ou daqueles que queriam fazer da CPI uma ferramenta política, e acabou ajudando ao mundo da cultura com propostas bastante interessantes”, afirmou o deputado do PT. “Diferentemente da base do governo que trabalhou com o ‘quanto pior, melhor’ para derrubar a Dilma, a gente não trabalhou com essa lógica na CPI.”
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Fonte: Socialista Morena.