Cortes nos recursos da Previdência, Saúde e Educação vão parar no sistema financeiro

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Evolução do Orçamento Geral da União (2013-2015)

Por Luís Fernando Silva.*

A proposta de reforma da Previdência Social guarda íntima relação com a política governamental de administração do Orçamento Geral da União, da qual emerge como prioridade a preocupação com a consolidação de um forte superávit primário, capaz de assegurar o pagamento dos juros e amortização da dívida pública brasileira, dívida esta que tende a crescer expressivamente em razão das políticas macroeconômicas adotadas pelo Governo Temer e das medidas legislativas em curso no Congresso Nacional.

À vista disso, e sem a pretensão de querer esgotar o tema do pagamento dos juros e amortização da dívida pública brasileira, mostra-se imperioso chamar a atenção de todos aqueles preocupados com a garantia da eficácia e ampliação dos direitos humanos previstos na Constituição de 1988 (sobretudo quando tratamos de direitos voltados à proteção dos setores menos favorecidos da sociedade), para que observem as imbrincadas  questões que envolvem o orçamento público e as razões pelas quais algumas das despesas neles contidas detêm a “simpatia” invariável de praticamente todos os governos e da grande mídia nacional, enquanto outras (como as despesas previdenciárias, com a saúde ou com a educação, por exemplo), jazem sempre tratadas como causadoras de desequilíbrios orçamentários capazes de conduzir às repetidas crises financeiras experimentadas pelo Estado brasileiro.

Neste ponto cabe fazer um parêntesis para ressaltar a importância do trabalho desenvolvido pela “Auditoria Cidadã da Dívida” (www.auditoriacidada.org.br), organização não-governamental e sem fins lucrativos que tem acumulado expressivo conhecimento técnico sobre o assunto, e de onde podemos extrair sólidas e consistentes informações sobre o orçamento público brasileiro.

O gráfico que ilustra esse texto demonstra que (ao contrário do que tentam fazer crer o Governo e os meios de comunicação nacionais), no período entre os anos de 2013 e 2015 as despesas com a Previdência Social brasileira caíram proporcionalmente, o mesmo ocorreu em relação às despesas com a saúde e a educação públicas.

Outra específica despesa, entretanto, logo surpreende não só pela sua grandeza, mas sobretudo pelo incremento que experimentou no mesmo período, quando cresceu 17,61%, qual seja aquela resultante do pagamento dos “Serviços da Dívida”, que inclui as despesa com o adimplemento de juros e amortização da dívida pública brasileira.

Em outras palavras, o gráfico elaborado pela Auditoria Cidadã da Dívida comprova que, só no ano de 2015 a União Federal repassou para o sistema financeiro mais de 47% do seu orçamento, o que representou um dispêndio de cerca de 1,3 trilhões de reais, equivalendo a algo em torno de 13 vezes mais do que o montante gasto com saúde no mesmo período; ou 13 vezes que aquilo que foi dispendido com educação; ou, ainda, 2,6 vezes mais do que a despesa realizada com o pagamento de todos os benefícios previdenciários.

É impossível olhar para estes números estrondosos e não se espantar!

Destarte, trazendo estes números para um exemplo trivial, como o orçamento doméstico, parece lógico que qualquer um que se depare com o consumo de cerca de metade da sua renda mensal – mês após mês, ano após ano -, para o pagamento de juros e amortização de uma pretensa dívida contraída, e perceba que todo este esforço pessoal de adimplemento destas obrigações não faz a dívida original ser reduzida, certamente procurará saber como esta pretensa divida foi composta; a que bens ou serviços ela se refere; quem a contraiu; que juros sobre ela incidem; se estes juros variam (aumentam) conforme condições externas à própria dívida (como a Taxa SELIC, por exemplo); e as razões pelas quais o régio adimplemento mensal dos respectivos juros e amortização não são capazes de reduzir o seu tamanho.

Entre os governantes brasileiros, entretanto, esta preocupação parece simplesmente inexistir!

Com efeito, a julgar pelo comportamento verificado nos Governos Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique e Lula, no que diz com o disposto no art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e mais especialmente frente ao “Veto” oposto pela ex-Presidenta Dilma Rousseff (em janeiro de 2016), à emenda inserida pelo Congresso Nacional no Plano Plurianual 2016/2019,  e que previa a realização de uma auditoria na dívida pública brasileira, todos, em uníssono, foram no mínimo omissos quanto a esta questão, resignando-se em administrar um orçamento correspondente a cerca da metade de toda a arrecadação da União, já que admitiram, sem questionar, que a outra metade fosse automaticamente “sangrada” para abastecer o sistema financeiro nacional e internacional, através do esquema da dívida.

Logo, devemos entender que quando os governantes brasileiros alegam “sérias dificuldades orçamentárias” para assegurar a prestação de serviços púbicos de qualidade em áreas como saúde e educação; ou quando afirmam que “as despesas previdenciárias projetam um portentoso déficit nas contas públicas”; eles em verdade estão nos falando das dificuldades encontradas para manter os serviços públicos com pouco mais da metade do Orçamento da União, já que em relação à outra metade estes governantes – sejam eles de que partido político forem -, adotam como dogma o compromisso do pagamento dos juros e amortização da dívida pública, sem que sobre ela se lance nenhuma dúvida ou questionamento.

Ora, vimos antes que entre 2013 e 2015 as despesas públicas com saúde, educação e previdência caíram repetida e consistentemente, a ponto de haverem representado (somadas) cerca de 32,1% das despesas da União, em 2013, caindo para apenas 25,6% em 2015, numa redução percentual de cerca de 20% no curto espaço de 2 anos.

No mesmo período, ao contrário, as despesas com o pagamento de juros e amortização da dívida pública cresceram continuadamente, passando de 40,3% (em 2013), para 47,4% (em 2015), num incremento de quase 20%.

Coincidência? Não, apenas o resultado de um portentoso esforço fiscal que logrou transferir recursos de importantes áreas sociais da União para o sistema financeiro, a demonstrar de forma inequívoca quais foram as verdadeiras “prioridades” governamentais no período!

A situação piora quando lembramos que enquanto as despesas com saúde, previdência e educação caíram proporcionalmente entre 2013 e 2015, a população brasileira aumentou (demandando mais serviços públicos de maneira geral); o número de crianças em idade escolar cresceu (exigindo mais despesas com educação); o número de idosos se avolumou (demandando maiores despesas com saúde e assistência social); e o número de trabalhadores em condições de se aposentar cresceu (resultando em despesas previdenciárias mais expressivas), o que nos conduz à inarredável conclusão de que o Estado brasileiro minguou, mercê do repasse, ao sistema financeiro, de parte substancial dos recursos que lhe davam suporte.

Diante de um quadro como este, não devem restar dúvidas de que qualquer pessoa interessada numa discussão minimamente séria sobre a destinação dada aos tributos arrecadados pelo Estado brasileiro (bem assim sobre o próprio tamanho deste Estado e a que interesses deve ele prioritariamente servir), haverá, necessariamente, de abordar e questionar a “sangria” que vem se operando todos os anos, por décadas seguidas, sobre as receitas públicas, sempre em favor dos grandes grupos financeiros nacionais e transnacionais e sempre em detrimento da qualidade e da amplitude dos serviços públicos de que o nosso povo tanto necessita.

Luís Fernando Silva é advogado e assessor jurídico do Sindprevs/SC.

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