Participantes do Seminário Um Ano do Fórum de Comunicação Pública apontam sucateamento de emissoras, ingerência política e aparelhamento de conselhos curadores
Um dos principais problemas enfrentados pela comunicação pública no Brasil é justamente a falta de entendimento do que seja, de fato, comunicação pública. Embora não seja novidade, a questão, mais uma vez, adquiriu relevância durante o Seminário Um Ano do Fórum Brasil de Comunicação Pública, realizado pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (FrenteCom) nesta terça (15/12), na Câmara dos Deputados.
Ingerência política na pauta dos programas jornalísticos, sucateamento da infraestrutura das emissoras e aparelhamento dos conselhos curadores foram temas comuns apontados por representantes de algumas entidades participantes do evento, como as associações brasileiras de TVs e Rádios Legislativas (Astral) e das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), Fundação Piratini (TVE RS) e do Movimento Cultura Viva, além da representação dos trabalhadores e trabalhadoras da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Enquanto a EBC prossegue vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR) e enfrentando cortes no orçamento, por exemplo, emissoras estaduais padecem dos mesmos problemas e ainda precisam lidar com conselhos deliberativos totalmente alinhados com governos estaduais, como denunciaram Nico Prado Jr., do Movimento Cultura Viva, e Lucas Guarnieri, da Fundação Piratini, que participaram da Mesa 2: Autonomia e Participação nas Emissoras do Campo Público.
Pessimista, Prado Jr. afirmou não ver solução de curto prazo para a TV Cultura. Segundo ele, 90% da grade da programação infantil da emissora são importados e somente três horas diárias de programação são exibidas atualmente, sendo que mais de metade desse tempo é dedicado a programas jornalísticos. Além disso, pautas que não interessam ao governo estadual não são incluídas na programação ou são discutidas sob um viés totalmente partidário, onde prevalece a visão do governo Alckmin. “Exemplo disso foi a edição do Roda Viva que falou sobre o movimento de ocupação das escolas estaduais pelos alunos secundaristas com o ex-secretário estadual de educação Herman Voorwald. A bancada de entrevistadores foi escolhida a dedo. Não houve sequer uma palavra contrária à “reorganização” proposta pelo governo”.
Ainda segundo Prado Jr., o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta “simplesmente assina embaixo os desejos do governo e nunca questionou situações como as demissões em massa que ocasionaram queda na qualidade da programação”.
Guarnieri, por sua vez, afirmou que a TVE RS “tem sofrido com a bipolaridade política e a falta de autonomia de investimentos”. Segundo ele, entre 2006 e 2010 a Fundação Piratini quase fechou, o que não aconteceu devido à grande mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras. “Este ano, nosso orçamento foi de R$ 30 milhões, dos quais mais de 50% são destinados à folha de pagamento. Dos R$ 500 mil previstos inicialmente para investimentos, metade foram contingenciados. Para 2016, a previsão orçamentária é de R$ 30 milhões e mais contingenciamento”, resumiu.
De acordo com Guarnieri, o Conselho Curador da Fundação voltou a ser respeitado pela direção da casa e tem participação social expressiva, mas muitas vezes cumpre um papel “apenas avaliativo”. Outra situação relatada pelo representante dos trabalhadores e trabalhadoras é o assédio moral.
Evelin Maciel, vice-presidente da Astral, vice-presidente da Astral, fez um breve resgate das reivindicações expressas na Carta de Brasília 2014, documento aprovado pelo Fórum Brasil de 2014 e entregue ao governo federal junto com a Plataforma pelo Fortalecimento da Comunicação Pública no Brasil. Segundo ela, houve alguns avanços, mas ainda é preciso que o governo se disponha a entender a urgência de implementar as medidas reivindicadas pelo setor.
EBC
Soane Guerreiro, representante dos trabalhadores e trabalhadoras da EBC, usou o termo “porta giratória” para definir a vinculação da empresa à Secom/PR e afirmou que ela é ruim para a autonomia interna e para a sociedade e se reflete no conteúdo das emissoras. “Essa vinculação dificulta muito a diferenciação entre o que é público e o que é estatal”. Segundo ela, apesar dos avanços obtidos com a recente greve, cerca de 90% dos apresentadores da casa não são concursados.
Para Israel do Vale, presidente da Abepec, o financiamento é um dos grandes dilemas do campo público. Segundo ele, é preciso repensar a distribuição dos recursos públicos destinados ao setor para construir um caminho que possa levar ao fortalecimento dessas emissoras. A jornalista Bia Barbosa, coordenadora de Comunicação do FNDC e mediadora das discussões sobre autonomia, avaliou que a dificuldade de compreensão do caráter da comunicação pública “não tem coloração partidária é consequência da falta de cultura sobre comunicação pública no país”.
Renata Mielli, secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, chamou atenção para a necessidade de políticas públicas capazes de garantir as conquistas obtidas no campo da comunicação pública até o momento. “Precisamos enfrentar a criminalização das rádios comunitárias, a desburocratização no processo de outorgas dessas emissoras, e garantir espaço para as emissoras públicas nos canais abertos”. Para Renata, também é preciso garantir condições de existência para as emissoras já outorgadas.
Renata chamou atenção para o retrocesso recente do campo da comunicação na Argentina, com a vitória do campo conservador para a presidência do país. “É verdade que tivemos avanços, como o Plano Nacional de Outorgas, a descentralização dos recursos federais destinados à publicidade, a regulamentação dos canais da Cultura e da Educação, mas isso tudo pode ser objeto de retrocesso dependendo do resultado das disputas que acontecem agora no país”.
TV Câmara
Outro participante do Seminário, o jornalista Lincoln Macário falou sobre a situação dos trabalhadores e trabalhadoras da TV Câmara após a intervenção promovida pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha, desde que assumiu o mandato. A emissora, aliás, completou 18 anos de fundação nesta terça e, diferente de outras emissoras do campo público, conseguiu se pautar pelo interesse público, sem sofrer intervenções indevidas, até Cunha assumir a presidência da Câmara. Para Macário, é preciso garantir a institucionalização do caráter público da emissora por meio de resoluções da Mesa Diretora da Casa.
Lincoln afirmou que os trabalhadores e trabalhadoras dos veículos de comunicação da Câmara têm resistido às investidas da presidência da Casa e até conseguido algumas vitórias, como a retirada de um funcionário lotado no gabinete da presidência da ilha de edição, mas ainda precisam enfrentar a cultura de que as emissoras do Legislativo Federal existem somente para fazer divulgação institucional.
Governo
Octávio Penna Pieranti, assessor da Secretaria Executiva do Ministério das Comunicações, que participou da mesa de debates sobre autonomia e participação, destacou algumas ações tomadas pelo órgão para desburocratizar o processo de outorgas de rádios comunitárias. Sobre financiamento, Pieranti afirmou que é possível financiar as emissoras do campo público com recursos provenientes dos setores privado e público. “É necessário trabalhar com esses dois grupos para garantir a sobrevivência dessas emissoras”.
Ainda na mesa sobre autonomia e participação, o diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Américo Martins, lembrou que a lei 11.652/08 determina a criação da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública e prevê que 75% do Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel) deverão ser destinados à empresa. O pagamento dessa contribuição, porém, é questionado na Justiça por operadoras de telefonia, mas segundo Martins a empresa tem buscado o diálogo com o setor.
Para o executivo, é necessário trabalhar para usar esse recurso na criação de um fundo para financiar a comunicação pública em âmbito federal e estadual. Cooperações comerciais também foram defendidas por ele, que destacou, ainda, a necessidade dos veículos públicos produzirem conteúdo cada vez mais relevante. “Só vamos conseguir de fato ter uma autonomia se formos relevantes do ponto de vista do conteúdo que fazemos, se tivermos realmente impacto na sociedade”.
Articulação nacional
Ao final das discussões, a deputada Luiza Erundina, coordenadora da Frentecom, sugeriu a criação de uma instância nacional de articulação de todos os órgãos e entidades de comunicação pública como uma estratégia de fortalecimento do setor e a formação de uma agenda voltada para as eleições municipais de 2016. “Precisamos debater a importância da comunicação pública com os candidatos a prefeito, pelo menos nas grandes capitais”, justificou a deputada. Com relação à situação há muito denunciada na Fundação Padre Anchieta, a parlamentar sugeriu a realização de uma audiência pública com a participação de deputados estaduais e federais.
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Fotos: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados e Antônio Cruz/Agência Brasil.
Fonte: FNDC.