O juiz Sergio Moro é acusado por uma entidade de Direitos Humanos que representa agricultores familiares do Paraná de ter ajudado a desmontar nacionalmente o Programa de Aquisição Alimentar (PAA), lançado pelo governo Lula, em 2003. A avaliação, feita pela assessora jurídica do Terra de Direitos, ocorre no momento em que os agricultores celebram publicamente a absolvição de inúmeros trabalhadores presos por Moro na operação Agro-Fantasma, em meados de 2013.
A Terra de Direitos é uma organização que surgiu em Curitiba, em 2002, para atuar em situações de conflitos coletivos relacionados ao acesso à terra e aos territórios rural e urbano.
Em nota ao GGN, a instituição informou que agricultores familiares presos por Moro na Agro-Fantasma foram considerados inocentes pela Justiça neste ano, e devem promover uma cerimônia simbólica de absolvição na próxima sexta-feira (6), na Câmara de Vereadores de Irati, a partir das 15h.
O evento deve relembrar as investigações da Polícia Federal, que duraram mais de 3 anos com o objetivo de apurar supostos desvios no PAA, vinculado ao Programa Zero.
Em nota, a Terra de Direitos afirmou que as prisões impostas no Moro no caso foram “infundadas” e sustentou que o juiz teve papel importante no esvaziamento do programa em nível nacional.
“(…) não é acaso que as prisões preventivas de lideranças de associações e cooperativas de agricultores agroecológicos foram decretadas pelo juiz Sérgio Moro, representando interesses claros na desestruturação de políticas e programas sociais implementados no período político anterior”, destaca Naiara Bittencourt, assessora jurídica da Terra de Direitos.
“Além da criminalização e na prisão indevida dos agricultores, a Operação Agro-fantasma também contribuiu para o enfraquecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), ação criada pelo governo federal em 2003 para aquisição e comercialização de produtos da agricultura familiar”, diz, em nota.
“O corte orçamentário para o PAA em 2018 anunciado pelo atual governo federal é de 99%, com a destinação de apenas R$ 750 mil reais para todo o território nacional, o que significa praticamente a extinção do programa”, destaca.
“Após a deflagração da operação, os requisitos para quem acessa ao PAA se tornaram ainda mais inflexíveis e mais distantes da realidade dos produtores rurais, que passaram a ter mais dificuldade em ingressarem no programa”, alerta.
Os produtores rurais foram acusados de crimes de falsificação de documento público, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa. Além das associações e cooperativas de agricultores individuais, a Agro-Fantasma indiciou funcionários da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) por peculato e prevaricação.
A alegação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal era de que estariam ocorrendo ilegalidades no momento da entrega dos alimentos às entidades da rede socioassistencial conveniadas ao PAA, como hospitais, restaurantes populares, bancos de alimentos, creches e cozinhas comunitárias.
Segundo as regras, para entrar no Programa toda associação ou cooperativa deveria desenvolver um plano detalhado sobre tipos de alimentos, quantidades e recebimentos dos produtos, formato que desconsidera a sistema de diversidade alimentar da agroecologia.
“Esse modelo duro e burocrático foi um obstáculo para diversas famílias agricultoras e as diferenças apontadas entre o plano apresentado e a real entrega dos produtos deve-se a questões ligadas à terra, como safra e mudanças climáticas”, afirma a Terra de Direitos.
Para Naiara, a Agro-Fastasma representa um retrocesso. “O PAA é uma das políticas públicas de maior fomento à produção agroecológica e da agricultura familiar, possibilitando um escoamento certo do alimento saudável, o que beneficia tanto pequenos agricultores quanto a população urbana pobre que consome com qualidade e segurança nutricional os produtos levados nas entidades sociais”, aponta.
Segundo argumenta, a operação não ocorreu em um contexto isolado, mas serviu com o objetivo de desmontar o Programa para acabar com as ainda singelas políticas de desenvolvimento da agricultura familiar. “Se os agricultores familiares deixaram de escoar seus produtos para as entidades sociais antes beneficiárias, esse vácuo foi preenchido pela produção de grandes empresas alimentícias e por conglomerados do grande agronegócio brasileiro.”
Ainda, a advogada ressalta os efeitos que a criminalização gerou na vida e comunidades dos trabalhadores acusados. “A absolvição de todos os investigados no Paraná após a desarticulação das organizações de agricultores e da produção, a humilhação e degradação moral que a prisão injusta, representou o esfacelamento em termos orçamentários e a rigidez dos requisitos para o acesso ao PAA corrobora para visualizarmos o objetivo inicial das investigações”, explica.
Uma das pessoas criminalizadas em Irati, o agricultor agroecológico Gelson Luiz de Paula, acredita que a ação foi pensada para prejudicar os produtores rurais. “O objetivo dessa operação foi criminalizar cooperativas e associações de agricultores familiares e os próprios agricultores, executores do Programa de Aquisição de Alimentos, o PPA”, afirma.
“Leva tempo e dá muito trabalho para os movimentos sociais desfazerem os danos que uma ação de criminalização como essa causa na luta política, no direito de quem planta e colhe o que a cidade janta”, defende o assessor jurídico da Terra de Direitos, Fernando Prioste. Segundo ele, “criminalizar é a tentativa de fazer quem luta contra injustiças ser visto como criminoso, e que suas pautas políticas, como a luta por um modelo agroecológico de agricultura, sejam vistas como luta de bandidos”, completa.
Fonte: Jornal GGN