Por Miguel do Rosário.
Segundo teria dito o general De Gaulle, a política é importante demais para ser deixada aos políticos. O mesmo raciocínio pode ser estendido, com mais razão ainda, aos economistas. Os melhores economistas, aliás, são aqueles que, humildemente, aprendem com a experiência alheia.
É o caso de Friedrich List, que teria aprendido sobre a importâncias de políticas industriais com os textos de Alexander Hamilton, o primeiro secretário do tesouro dos Estados Unidos. Hamilton publicou Relatório sobre Manufaturas em 1791.
A força da doutrina econômica de Jonh Maynard Keynes, igualmente, deve ser atribuída ao fato de que ela nasce da observação empírica de uma situação objetiva, concreta, que foi o New Deal de Roosevelt. Foi Keynes que aprendeu com o Roosevelt. Além disso, consta que após o único encontro que tiveram, em junho de 1944, Roosevelt confessou aos assessores que não conseguira compreender muito bem o que Keynes dizia.
Aprendendo na prática
Não são os economistas que ensinam economia aos governantes. São os governantes que ensinam economia aos economistas. Não é tão complicado entender porque é assim. A economia não é propriamente uma ciência. Sobretudo não é uma ciência exata. Quando a olhamos, como sempre deveria ser feito, como uma “ciência aplicada”, ou seja, como uma vertente da política, entende-se que ela flerta com as mais diferentes ramos do conhecimento humano.
Nada disso é novidade. Entretanto, o grau de contaminação ideológica que se observa nas análises econômicas liberais é sempre surpreendente. Vejamos o preço da gasolina, e dos derivados de petróleo em geral (diesel, gás de cozinha, fertilizantes), que dispararam nas últimas semanas, em função de problemas geopolíticos relacionados à guerra na Ucrânia.
Os economistas liberais, após observarem que boa parte das críticas à política ultraliberal praticada pela Petrobras vinha da esquerda, resolveram contra-atacar com um argumento curioso: de que a esquerda brasileira seria anti-ecológica e elitista, porque defendia “subsídios” para um combustível fóssil consumido principalmente pela classe média.
É um argumento desonesto por qualquer ângulo que você o encare. Em primeiro lugar, a solução proposta pela esquerda nunca foi “subsídio” ao preço da gasolina, e sim o estabelecimento de uma política energética inteligente e soberana.
Qual o sentido em termos uma estatal de petróleo, na qual investimos bilhões e bilhões de reais nas últimas décadas, e graças a qual nos tornamos um dos maiores produtores do mundo, se isso não traz nenhum benefício ao consumidor brasileiro?
A política ultraliberal que o Brasil passou a adotar após o golpe de 2016, e especialmente após a eleição de Jair Bolsonaro, fez com que a gasolina brasileira se tornasse uma das mais caras do mundo, quando medida em poder de compra.
Segundo dados obtidos com exclusividade, o custo para encher um tanque de 35 litros de gasolina, no Brasil, atingiu 20% do salário mínimo no país. Para efeito de comparação, na Coréia do Sul, que praticamente não tem produção de petróleo (mas teve a boa ideia de construir refinarias), o mesmo gasto corresponde a pouco mais de 3% do salário mínimo. Nos EUA, o tanque de 35 litros de gasolina corresponde a 3,7% do salário mínimo no país.
Na China, país que, diferentemente do Brasil, tem um grave problema de déficit de petróleo, o tanque de gasolina corresponde a 12,9% do salário mínimo praticado no país. Turquia, Rússia, Colômbia, Alemanha, Israel, Reino Unido, França, Austrália, em todos esses países, a despesa para encher o tanque do carro corresponde a 10%, 5% ou até 2% do salário.
Aqui, a tabela que usei para elaborar o gráfico acima:
É claro que essa situação não é normal, ainda mais considerando que o Brasil está batendo recordes históricos de produção e exportação de petróleo. E a Petrobras, por sua vez, vem batendo recorde de lucro.
Outro gráfico importante é o histórico da quantidade de litros de gasolina e diesel que se pode comprar, no Brasil, com um salário mínimo. Com dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP) para os preços, e do Dieese para o salário mínimo, pode-se ver que a renda do brasileiro está sendo cada vez mais absorvida com gastos de combustível.
Um salário mínimo, que comprava quase 17 botijões de gás em 2014, é insuficiente hoje para adquirir 12 unidades. Em 2013, um salário mínimo comprava 237 litros de gasolina. Hoje mal dá para 180 litros, uma queda de 23% no poder de compra.
É preciso acrescentar algumas ponderações que agravam o problema. O desemprego em 2013 e 2014 era bem menor que o atual, então o estrago provocado por essa queda brutal no poder de compra dos brasileiros, medido em gás de cozinha e gasolina, tem consequências muito mais dramáticas.
No comparativo internacional, por sua vez, um agravante é a profunda desigualdade na distribuição de renda no Brasil. Ou seja, tem muito mais gente pobre, ganhando salário mínimo, ou até menos, no Brasil, do que nos Estados Unidos ou na Coréia do Sul, especialmente em proporção a população. Um combustível mais caro no Brasil, portanto, afeta muito mais o brasileiro do que o americano ou o coreano.
Tudo isso tem solução, naturalmente, e não passa por nenhuma aventura. A solução é voltar a construir refinarias no Brasil, modernizar e ampliar aquelas que possuímos, acabar com a política de Paridade de Preços de Importação (PPI) e adotar uma fórmula de calcular os preços ajustada aos custos de produção e refino no país. A Petrobras continuará tendo lucros, mas sem espoliar e prejudicar a economia brasileira.
Agradecemos encarecidamente o petroleiro e engenheiro Tadeu Porto, dirigente sindical na Federação Única de Petroleiros (FUP), pelos números de preços e salários mostrados nesse artigo.