Nosso país vive uma crise extremamente grave. Paira sobre os governadores brasileiros uma responsabilidade dramática. Sua autoridade constitucional permitiu livrar a nação de índices ainda mais catastróficos na soma das vidas humanas que terminaram ceifadas, como resultado do criminoso negacionismo que orienta o Executivo federal. A democracia corre riscos graves. Não passa um único dia sem que o presidente da República — já desprovido de legitimidade — insulte a sociedade civil com novos disparates a respeito da pandemia ou ameaçando as regras mais sagradas e pétreas da Constituição Cidadã. Neste contexto preocupante, os reiterados episódios de violência policial nos estados despontam como desafio que leva a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns — Comissão Arns — a dirigir-se respeitosamente aos líderes dos Executivos estaduais, cobrando mudanças urgentes na orientação das forças de segurança.
Esta carta clama pela apuração rigorosa das chacinas, das execuções extrajudiciais, do emprego desproporcional da força em ações de despejo ou reprimindo protestos sociais. Sempre muito graves, esses delitos praticados por agentes públicos ultrapassam todos os limites na agressividade seletiva contra a população negra.
De uma vez por todas, cabe firmar como definitivo que os defensores de direitos humanos respeitam e valorizam o papel crucial das forças policiais na garantia da ordem pública e no enfrentamento do crime organizado, que chega ao absurdo de controlar territórios nas grandes cidades, utilizando armas que são privativas das Forças Armadas.
É preciso que cada policial seja visto pela sociedade como um defensor de direitos humanos e das leis vigentes. E que se reconheça nessa dignidade. Todos serão recompensados pelo respeito crescente da comunidade e pelo orgulho sentido por seus próprios filhos.
Senhores governadores, as denúncias que chegam diariamente à Comissão Arns e os fatos amplamente relatados pela imprensa proíbem outra conclusão: todos esses avanços estão paralisados.
O Brasil mergulha em profundo retrocesso. Repetem-se episódios em que a barbárie se instala. Muitas vezes estimulada por aquela pessoa que ainda ocupa o Palácio do Planalto. Pessoa que nunca desiste de incentivar o ódio, desrespeitar jornalistas e opositores, convocar os cidadãos a se armarem, proteger crimes de garimpeiros e desmatadores em terras indígenas. Enfim, não se cansa de abominar todos os avanços democráticos e civilizatórios que o Brasil e a humanidade trilharam a duríssimas penas.
A Comissão Arns apela aos governadores, sem nenhuma distinção partidária.
Esta carta deve ser recebida como apoio e encorajamento a que atuem como sólidas barreiras contra a violência e a generalização do ódio. Com especial ênfase na reorientação profunda dos organismos policiais e de seus responsáveis ou comandantes.
Nunca ignorando a leitura de que essa espiral agressiva no seio da própria força policial rompe algumas vezes as normas disciplinares e parece estar contaminada por alinhamentos ideológicos que prometem implantar uma ditadura no Brasil.
Ditadura que nos cabe repelir com firmeza e altivez.
Repelir com a mais absoluta coragem.
No mesmo tom tantas vezes utilizado pelo inspirador da Comissão Arns e pelas vítimas do Holocausto: nunca mais!