Com salário de R$ 47 mil, Pazuello fez duas reuniões em 84 dias em cargo no Palácio do Planalto

Ex-ministro assumiu chefia da Secretaria de Estudos Estratégicos em junho; 99,2% da agenda é preenchida com "despachos"

Foto: Erasmo Salomão/MS em Fotos Públicas

O general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), fez apenas duas reuniões externas desde que assumiu, em 1º de junho, o cargo de secretário de Estudos Estratégicos, órgão ligado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Os únicos dois compromissos da agenda oficial de Pazuello nos 84 dias em que esteve no cargo foram dentro do Palácio do Planalto, em reuniões da Secretaria-Geral da Presidência. A primeira reunião teve duração de duas horas. A segunda, de apenas uma hora e meia. De acordo com os registros oficiais, ele não realizou nenhuma reunião fora das dependências do Planalto.

O restante da agenda de Pazuello é toda preenchida apenas com “despachos internos”. A reportagem calculou a proporção dos despachos internos em relação às horas trabalhadas pelo general e concluiu que 99,2% das horas trabalhadas foram preenchidas com esse tipo de atividade. Apenas 0,8% correspondem a reuniões fora da secretaria.

Durante o período ocupando o cargo atual, Pazuello também já foi duas vezes “a serviço” para Manaus, onde sua família reside. Os motivos das viagens à capital do Amazonas não foram divulgados pela Presidência da República.

O Portal da Transparência, onde constam as justificativas oficiais para emissão de passagens aéreas pelo Executivo, ainda não foi atualizado com as informações. O Brasil de Fato solicitou esclarecimentos sobre as viagens à Secretaria-Geral da Presidência.

Na segunda (16) e terça-feira (18) da última semana, a agenda oficial de Pazuello ficou vazia, nem mesmo os “despachos internos” constam na data. No domingo anterior (15), aparece o compromisso “viagem a serviço à Manaus”. Pazuello fez seu primeiro expediente da semana na quarta-feira. Na sexta, também não teve nenhum compromisso.

O ex-ministro também esteve na capital amazonense de 13 a 16 de julho (terça a sexta-feira). Na ocasião, também não fez nenhum registro na agenda oficial durante a viagem.

A prevalência de despachos internos na agenda de Pazuello contrasta com o caráter transversal do órgão que ocupa. Dentre as atribuições da secretaria, estão a “articulação e o diálogo com órgãos da administração pública federal de diferentes áreas e Poderes, como os ministérios, além de entes privados”.

O cargo é enquadrado na Direção e Assessoramento Superior (DAS) no nível 6, a mais alta das disponíveis. A remuneração bruta é de R$ 16.944,90. Pazuello soma os vencimentos com sua remuneração militar, de R$ 31.083,96, totalizando aproximadamente R$ 47 mil mensais brutos.

Relembre as principais polêmicas envolvendo Eduardo Pazuello

Crise em Manaus

O militar é tido como um dos supostos responsáveis pela crise que deixou Manaus (AM) sem oxigênio suficiente para o tratamento de seus pacientes durante um dos auges da pandemia de coronavírus no país. Nos primeiros 54 dias de 2021, 5.288 pessoas morreram de covid-19 no Amazonas, mais do que no ano passado inteiro.

O MPF (Ministério Público Federal) abriu investigação contra o ex-ministro, o secretário estadual de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo e outros funcionários do governo amazonense e do governo federal, por improbidade administrativa.

O objetivo é levantar “aspectos relacionados aos fatos que já são objeto de outros procedimentos em tramitação”, que tratam sobre a covid-19.

Entre os temas investigados estão os processos de aquisição de vacinas e de organização do plano de imunização, os valores direcionados à compra de medicamentos sem efeito contra o coronavírus e a baixa execução orçamentária para ações de controle da pandemia.

Grupo de extermínio

Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, do dia 30 de maio de 1996, trouxe detalhes sobre a prisão do empresário Alberto Pazuello, irmão e sócio do ex-ministro, em sua casa, em Manaus. Ele foi acusado de participar, nos anos 90 de “A Firma”, um grupo de extermínio que atuava na região.

Com a participação de policiais e o apoio ou conivência de autoridades da segurança pública estadual, os primeiros esquadrões da morte surgiram durante a ditadura e foram precursores das milícias.

Alberto Pazuello foi para o presídio sob a acusação de porte de drogas e de armas, estupro, atentado violento ao pudor e cárcere privado. De acordo com a reportagem da época, era a segunda vez em que ele era preso.

Enriquecimento em Manaus

A família de Pazuello sempre foi parte ativa dos ciclos de exploração dos recursos naturais da região Norte do país, do ciclo da borracha à ocupação promovida pela ditadura iniciada em 1964. O ex-ministro virou sócio da J.A. Leite Navegação, um dos expoentes da logística nos rios da região.

A empresa era do pai dele, Nissim Pazuello, que morreu em 2018. Em 1968, quando foi comprada, a companhia já era uma das mais fortes de atuação no setor, criada no século XIX durante o ciclo da borracha.

O ex-ministro tinha apenas 5 anos quando virou sócio da empresa, em 1968, e era representado, assim como os irmãos, por Artur Soares Amorim, que tinha sido chefe de gabinete de Roberto Campos no Ministério do Planejamento, logo no início do governo Castelo Branco, em 1964.

Em 1952, o pai do ex-ministro participou da criação da Companhia de Petróleo da Amazônia (Copam) e, três anos depois, da Companhia de Navegação da Amazônia (Conave).

Soldado feito de cavalo

Em janeiro de 2005, o então tentente-coronel Pazuello obrigou um soldado sob seu comando a puxar uma carroça como um castigo por indisciplina. No episódio, o soldado foi atrelado ao equipamento no local destinado ao cavalo e um colega foi transportado em um banco. Na ocasião, todos os demais militares que serviam na unidade assistiram ao ato.

O episódio aconteceu no Rio de Janeiro, no Depósito Central de Munição do Exército, à época dirigido pelo então tenente-coronel. O caso gerou um Inquérito Policial Militar (105/05) para se apurar maus tratos e perseguição ao soldado castigado. A procuradoria-geral do Ministério Público Militar, porém, inocentou o ex-ministro, considerando um “ato disciplinador regular” colocar o soldado para conduzir uma carroça.

Contratações suspeitas

No dia 17 de maio, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) também pediu à CPI a quebra de sigilo telefônico, fiscal, bancário e telemático de Pazuello, Carlos Bolsonaro, Ernesto Araújo, “Markinho Show”, Fabio Wajngarten e Carlos Wizard. Para o congressista, eles estão envolvidos em suposto “Ministério Paralelo da Saúde”.

O Ministério da Saúde teria assinado 2 contratos sem licitação no valor total de R$ 28,9 milhões para reformas no Rio de Janeiro. Os acordos teriam sido anulados porque a AGU (Advocacia Geral da União) negou as duas dispensas de licitação e pediu investigação para apurar “indícios de conluio entre o os servidores e a empresa contratada”.

Também o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pediu a quebra de sigilo telemático, telefônico, bancário e fiscal do ex-ministro para investigar contratações feitas pelo Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, sem licitação, de empresas para reformar prédios da pasta.

A pandemia teria sido usada como argumento para que as obras fossem tidas como urgentes. A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu investigação para descobrir se houve algum tipo de conluio na contratação suspeita.

Gastos com propaganda

Durante sua gestão na Saúde, Pazuello gastou ao menos R$ 88 milhões em propagandas de covid-19 que ignoraram a prevenção, promoveram a falta de isolamento, colocaram a cloroquina como protagonista e exaltaram até o agronegócio.

Um comercial divulgado em julho e agosto, por exemplo, diz: “Em meio à mais grave crise da história, um setor foi fundamental para o país. Enquanto muitos tiveram que parar, o agro brasileiro continuou trabalhando”.

A mesma peça publicitária traz o depoimento de uma caminhoneira pedindo pelo retorno das atividades. “Vamos voltar, gente, vamos seguir em frente. Só que um cuidando do outro”, afirma.

Na campanha “Coronavírus, tratamento precoce”, houve uma tentativa de fazer com que a hashtag “#nãoespere” fosse utilizada pela população. Na propaganda, era dito que quanto mais cedo o tratamento começasse – com medicamentos sem eficácia comprovada -, maiores as chances de recuperação da pessoa.

Sem máscara

O ex-ministro também foi visto andando sem máscara no shopping Manauara, em Manaus, durante o mês de abril deste ano. O flagra foi feito por uma fotógrafa profissional, que compartilhou as imagens nas redes sociais.

De acordo com o relato da fotógrafa, ao ser questionado sobre o uso do equipamento de segurança, Pazuello teria ironizado e perguntado: “Pois é, tem que comprar. Onde compra isso?”

Ato pró-Bolsonaro

O Exército Brasileiro decidiu abrir uma apuração disciplinar para apurar a participação do ex-ministro em um ato em favor do presidente em maio no Rio de Janeiro. Bolsonaro e apoiadores motociclistas passaram pela cidade, e Pazuello participou de toda a ação.

Em certo momento, ele até subiu em um carro de som com o presidente e os dois usaram o local como uma espécie de palanque. No episódio, o general estava sem máscara. Quatro dias antes, ele tinha pedido desculpas na CPI da Covid por ter feito a mesma coisa no episódio do shopping em Manaus.

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