Por conta de duas Coca-Colas, dois pacotes de miojo e um suco em pó Tang, uma mulher de 41 anos está presa preventivamente. Mãe de cinco filhos, ela foi flagrada furtando os produtos em um mini-mercado da rede OXXO, que fica nos arredores do Terminal Vila Mariana, zona sul de São Paulo, nesta quinta-feira (30/9). O valor somado das mercadorias é de R$ 21,69. “Roubei mesmo porque estava com fome”, alegou a mulher ao ser presa.
De acordo com um estudo da Rede Brasileira de Pesquisas em Segurança Alimentar e Nutricional, atualmente o Brasil tem 19,1 milhões de pessoas passando fome, o que equivale a 9% da população. A mulher presa é uma delas. E isso não foi levado em consideração pela delegada da Polícia Civil Erika Pereira Pinto, nem pelo promotor do Ministério Público paulista (MPSP) Paulo Henrique Castex e nem pela juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Luciana Menezes Scorza.
A principal justificativa para os agentes públicos é a mulher já ter passagens pelo crime de furto outras vezes. Para Castex, o furto de produtos para subsistência é um perigo para a sociedade. “Consta, ainda, que o preso é reincidente específico, de modo que a sua custódia se faz necessária para a garantia da ordem pública e evitar a reiteração delitiva”, descreve o promotor no seu pedido de prisão.
Quem acredita na nocividade de alguém que está vulnerabilidade social e furta para se alimentar é a juíza Luciana Scorza. Em sua decisão, ele usa o momento de pandemia para justificar a prisão da acusada. “O momento impõe maior rigor na custódia cautelar, pois a população está fragilizada no interior de suas residências, devendo ser protegidas pelos poderes públicos e pelo Poder Judiciário contra aqueles que, ao invés de se recolherem, vão às ruas com a finalidade única de delinquir”.
Mãe de cinco filhos – com 2, 3, 6, 8 e 16 anos de idade – ela terá que cumprir a prisão preventiva longe das crianças, apesar do pedido feito pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que solicitou que ela cumprisse a prisão domiciliar. “A magistrada indeferiu o pedido, pois a paciente [a mulher presa] informou que os filhos estavam sob os cuidados da avó. No entanto, o artigo não exige a demonstração dos cuidados da criança”, salientou o defensor Diego Rezende Polachini, no pedido feito ao TJ-SP.
Momento da prisão
O supervisor do estabelecimento viu através das câmeras de segurança local a mulher colocando os produtos dentro de uma sacola e saindo sem pagar. No mesmo momento, uma viatura da Polícia Militar passava pelo local e uma funcionária chamou os policiais. A mulher tentou fugir, mas foi alcançada pelos PMs.
Quando foi apresentada no 27º Distrito Policial, a acusada estava com escoriações na cabeça. Segundo a versão dada pelos policiais e que consta no boletim de ocorrência é que, na fuga, ela teria caído duas vezes. A Defensoria Pública contesta esta versão. “A empresa vítima não relata qualquer dessas quedas e a paciente permaneceu em silêncio. Ressalte-se que a sua lesão ocorreu na testa, não sendo compatível com uma suposta queda, em que as lesões ocorrem, via de regra, nas mãos e joelhos”, descreve Polachini.
“Portanto, sem a realização da audiência de custódia e sem qualquer documento médico a atestar a ntegridade física do flagrado, não é possível concluir pela higidez do ato de prisão, o que a torna ilegal”, conclui o defensor.
Quem julga e quem é julgado
“A juíza converteu a prisão em flagrante em preventiva. Isso foi amparado nos antecedentes criminais e na suposta ausência de comprovante de residência fixa. Tudo isso espelha a forma discriminatória do Judiciário brasileiro, por não considerar aspectos fundamentais desse caso e que favorece a acusada mãe de cinco filhos. Esse é um caso de furto famélico, onde a ação se destina a alimentar a fome de alguém que se encontra em estado de desespero”, analisa Flávio Campos, advogado criminalista.
De acordo com Campos, a diferença social entre quem julga e quem é julgado causa distorções ao analisar casos como esse. “Os juízes não saem do meio do povo. Por isso que aquilo que aos olhos do povo pode parecer um absurdo, para o judiciário não, pois eles fazem parte de uma camada muito pequena da sociedade e eles não afeitos das mesmas situações e necessidades de pessoas comuns.
Outro lado
A reportagem pediu explicações sobre a prisão da mulher que furtou os alimentos para a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), o Ministério Público do Estado de São Paulo e para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, além da rede OXXO. Até a publicação deste texto não foi enviada nenhuma resposta pelas entidades. Assim que forem feitas, elas serão publicadas.