Por José Eustáquio Diniz Alves.*
O crescimento da economia e da renda ocorre em função do aumento da população ocupada multiplicada pelo aumento da produtividade. Estes dois vetores são essenciais. Ocorre que a produtividade no Brasil está estagnada há muito tempo. O crescimento da economia e da renda que ocorreu no período 2004 a 2010 se deu em função do aumento da taxa de ocupação e da elevação do emprego formal (que em geral é mais produtivo do que o trabalho informal). Se as tendências da primeira década do século XXI continuassem por mais 20 ou 30 anos o Brasil poderia dar um salto na qualidade de vida e no bem-estar da sua população.
Contudo, as tendências se inverteram e o mercado de trabalho brasileiro entrou em colapso na segunda década do século XXI. A população ocupada tem diminuído e a taxa de ocupação caiu em ritmo ainda mais acelerado. Este dado é preocupante, pois o Brasil vive o seu melhor momento demográfico, já que a população em idade ativa cresce mais rápido do que a população total e a razão de dependência (pessoas em idade ativa dividida pelas pessoas em idade dependente) está no nível mais baixo da história. Ou seja, o Brasil está desperdiçando o seu bônus demográfico. E sem o aproveitamento deste bônus não há como fazer a decolagem do desenvolvimento econômico e social.
A crise do mercado de trabalho é nacional, mas atinge de forma impactante a maior e mais dinâmica região metropolitana (RM) do país. A RM de São Paulo tem uma população de mais de 20 milhões de habitantes (equivale à população conjunta de Portugal e Grécia). Segundo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), do Dieese e Seade, a População em Idade Ativa (PIA) era de 17,02 milhões de pessoas em dezembro de 2010 e passou para 17,73 milhões em dezembro de 2015. A População Ocupada (PO) era de 9,73 milhões de pessoas em dezembro de 2010 e caiu para 9,59 milhões em dezembro de 2015. Assim, enquanto crescia o número de pessoas em idade de trabalhar, decrescia a quantidade de pessoas ocupadas. Como resultado, a taxa de ocupação (PO/PIA), que deveria crescer para aproveitar o bônus demográfico, infelizmente, caiu de 57,2% para 54,2% nos últimos cinco anos. O desemprego na RMSP passou de 10% no final de 2010 para 14% no final de 2015.
Mas o problema não se restringe somente à queda da população ocupada em termos absoluto e relativo. Caiu também o rendimento real das pessoas ocupadas. A PED mostra que o rendimento médio na RMSP era de R$ 2.160,00 em dezembro de 2010 e caiu para R$ 1.919,00 em novembro de 2015. Isto representou uma queda de quase 12% no poder de compra da população ocupada. No conjunto houve uma redução na massa salarial, reduzindo a demanda por consumo e acelerando a tendência à recessão.
Os dados do Caged, do Ministério do Trabalho, mostram que o saldo da criação de emprego foi sempre positivo na primeira década do atual século, atingindo o máximo de 2,5 milhões de vagas criadas em 2010. Mas a partir deste pico, a geração líquida de emprego começou a cair desde a posse da presidenta Dilma Rousseff e atingiu o recorde negativo em 2015, com a perda de mais de 1,5 milhão de empregos formais “destruídos”. E o pior é que existe a perspectiva de um outro tombo em 2016.
O desperdício da mão de obra não é exclusividade de São Paulo. A quantidade de pessoas ocupadas nas 6 maiores regiões metropolitanas do Brasil (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre) está estagnada nos últimos cinco anos. A população em idade ativa cresceu, mas as oportunidades de trabalho diminuíram. O desemprego aumentou, assim com a informalidade. Isto significa um retrocesso econômico e um sofrimento para a população mais pobre que não tem outro meio digno de sobrevivência e autonomia.
Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, a população ocupada nas 6 regiões metropolitanas era de 23.016 mil pessoas (12.553 mil homens e 10.462 mil mulheres) em dezembro de 2010 e passou para 23.213 mil pessoas (12.392 mil homens e 10.822 mil mulheres) em dezembro de 2015. Nos 5 anos de governo da presidenta Dilma Rousseff o número de homens efetivamente ocupados diminuiu e o número de mulheres ocupadas está praticamente estagnado.
A taxa de ocupação (percentagem da população ocupada – PO – sobre a população em idade ativa – PIA) estava em 54% em dezembro de 2010, subiu para 55,3% em novembro de 2012, voltou ao nível de 54% em dezembro de 2013 e caiu rapidamente até atingir o nível de apenas 51,3% em dezembro de 2015. Ou seja, a geração de emprego ficou estagnada no primeiro governo Dilma e praticamente entrou em colapso depois de 2013.
A quantidade de pessoas desempregadas nas 6 maiores regiões metropolitanas subiu de 1,28 milhão em dezembro de 2010 (sendo 534 mil homens e 745 mil mulheres) para 1,73 milhão em dezembro de 2015 (sendo 836 mil homens e 896 mil mulheres). A taxa de desemprego aberto da população total que estava em 5,3% em dezembro de 2010 passou para 6,9% em dezembro de 2015 (sendo 6,3% dos homens e 7,6% das mulheres). Entre os jovens de 15 a 17 anos a taxa de desemprego passou de 21,2% para 31,4% e entre os de 18 a 24 anos passou de 11,4% para 16,5% nos últimos 5 anos. Há que se considerar que a PME não leva em consideração o desalento e o desemprego oculto, como faz o Dieese. Caso isto fosse considerado, as taxas de desemprego seriam bem mais altas e todas na faixa de dois dígitos. Ainda segundo a PME do IBGE, o rendimento médio real da população ocupada ficou estagnado nos últimos 5 anos.
Assim, a crise do mercado de trabalho é ampla, geral e irrestrita. E deve ficar pior em 2016. O Brasil está ignorando a meta defendida pela OIT de “Pleno emprego e Trabalho decente”. Sem a recuperação do emprego (especialmente o emprego formal) fica difícil sair da recessão e da redução da renda per capita que atinge o Brasil no último triênio (2014-16). O número de trabalhadores que contribuem com a previdência social vem caindo desde 2013, o que agrava o desequilíbrio atuarial do sistema de proteção social no Brasil. Assim, fica difícil para o país atingir as metas sociais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Não se trata de buscar o crescimento econômico a qualquer custo, mas sim de evitar que os trabalhadores paguem pela recessão, enquanto os ricos do topo da pirâmide de renda continuam concentrando a maior parte da riqueza produzida. Todas as pessoas deveriam ter direito ao trabalho e a uma vida simples e digna, em vez de alimentar uma máquina de produção que visa o consumo conspícuo e a acumulação de capital.
Trabalho é um direito, mas o desperdício do potencial produtivo do povo brasileiro – no momento da melhor situação da estrutura etária e de menor razão de dependência – pode significar o fim do desenvolvimento do Brasil. O Brasil está jogando fora, precocemente, o seu bônus demográfico que só acontece uma vez na história de cada país. Perder a chance única de dar uma salto da qualidade de vida pode significar a condenação eterna à situação de “armadilha da renda média”. Seria o fim do progresso e a perpetuação da mediocridade.
Referências:
ALVES, JED. O precoce fim do bônus demográfico no Brasil. Ecodebate, RJ, 27/03/2015
ALVES, JED. A redução da taxa de atividade das mulheres e o fim do bônus demográfico feminino. Ecodebate, RJ, 03/06/2015
ALVES, JED. A crise no mercado de trabalho e a desindustrialização precoce do Brasil. Ecodebate, RJ, 08/07/2015
ALVES, JED. Dilma: a presidenta exterminadora de empregos. Ecodebate, RJ, 02/09/2015
ALVES, JED. Drama na maior região metropolitana do Brasil: a crise do emprego em São Paulo. Ecodebate, RJ, 26/08/2015
*José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]
Fonte: EcoDebate