Clima de tensão esquenta as eleições legislativas da Argentina

Por Daiane Nora, de Buenos Aires, para Desacato.info.

Fazia 10 graus em Buenos Aires, capital federal da Argentina, quando os primeiros eleitores começaram a chegar nos colégios eleitorais. Durante a manhã, um clima tenso tentava ser resfriado pelos discursos dos políticos, que insistiam em dizer que tudo estava na sua completa normalidade. Entretanto, as 3 mil ameaças de bombas que haviam sido recebidas nas zonas eleitorais e o recente aparecimento do corpo do militante Santiago Maldonado, três dias antes das votações, sinalizavam o contrário. No meio disso tudo, o partido Cambiemos, do atual presidente Mauricio Macri, consolida o domínio da política nacional, que pela primeira vez em 70 anos não é controlado por peronistas ou radicais.

Durante a madrugada, um operativo foi realizado nos locais de votação da capital, onde policiais revistaram todas as salas a procura de materiais explosivos. Ao longo do dia, mais de 12 mil profissionais de segurança permaneceram dispostos nos estabelecimentos. Entre eles, militares, oficiais da infantaria, policiais, médicos e especialistas em explosivos. Mesmo com a estrutura, sete locais de votação receberam denúncias anônimas no decorrer do dia e a faculdade de Ciências Sociais da UBA (Universidade de Buenos Aires) teve que ser evacuada. Todos os eleitores foram encaminhados para fora da instituição ao meio dia, para que a segurança pudesse verificar o lugar. Felizmente, todas os alertas foram falsos.

Desde o dia 01 de setembro as escolas que abrigariam as eleições foram alvo de chamadas telefônicas anônimas. Cerca de 60 pessoas já foram identificadas e processadas por intimidação pública reiterada. A seriedade das denúncias foram acentuadas devido uma carta bomba que explodiu dia 10 de agosto, três dias antes das eleições primárias, dentro da empresa responsável pela contagem provisória dos votos. A carta tinha um dispositivo que aciona a detonação durante sua abertura, o que causou ferimentos leves em dois funcionários da Indra. Um casal suspeito foi detido e está sendo julgado por atentado contra a segurança pública, tipificado no Código Penal Argentino com pena de 3 a 15 anos de prisão. 

MORTE DE MILITANTE LEVANTA SUSPEITAS 

Outros incidentes esquentaram o dia de cumprir com os deveres cívicos. Pessoas mascaradas com a imagem de Santiago Maldonado, o militante encontrado morto três dias antes das eleições, circularam por vários pontos da cidade. O argentino de 28 anos tinha sido visto pela última vez dia 1 de agosto, reivindicando terras consideradas ancestrais pelos indígenas mapuches, propriedade que agora pertence a uma empresa têxtil. A manifestação bloqueou rotas na Patagônia e foi reprimida pela Gendarmeria, força militar argentina que responde diretamente ao Poder Executivo. O desaparecimento de Santiago Maldonado tomou proporções gigantescas, via-se o rosto dele estampado em cartazes por vários cantos da capital, correntes viralizaram em aplicativos de mensagens e redes sociais, todos os dias os jornais traziam novas informações sobre as investigações.

Depois de 78 dias desaparecido, seu corpo foi encontrado no dia 19 de outubro dentro do rio Chubut, cerca do local onde ocorreu o conflito com a polícia. A família de Santiago que desde o princípio já apontava sua suspeita contra a Gendarmeria, disse desconfiar de que o corpo foi plantado no local. Mesmo antes desse estranho aparecimento, o caso começou a ser usado como arma política, onde alguns kirchneristas acusavam Macri pela morte do artesão, enquanto partidários de Cambiemos acusavam Kirchner pela morte de Nisman em 2015, promotor que acusou a ex-presidente de encobrir um atentado terrorista em 1994. O caso Nisman foi reaberto e Kirchner deve prestar declaração dia 26 de outubro, quatro dias depois das eleições.

MUDANÇAS POLÍTICAS

Os Kirchner ocuparam o Poder Executivo durante 12 anos seguidos. O falecido Nestór Kirchner entre 2003 e 2007 e sua esposa Cristina Kirchner de 2007 a 2015. Cristina era inelegível em 2015 e quem concorreu pela coligação Frente para a Vitória foi o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli. Nesse mesmo ano surgiu Cambiemos, coalizão política entre os partidos PRO (Proposta Republicana), Unión Civica Radical e Coalición Cívica (ARI), que levou o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, à presidência da Argentina. Em junho deste ano, Cristina Kirchner rompeu com o Partido Justicialista, fundado por Juan Perón em 1947 e que fazia parte da coligação Frente para a Vitória, para criar a frente Unidad Ciudadana e se lançar como candidata a senadora.

Os eleitores votaram nesse domingo para renovar 127 das 257 cadeiras da Câmara dos Deputados e 24 dos 72 assentos do Senado. Foram elegidos 61 deputados de Cambiemos, 25 de Unidad Ciudadana, 21 do Partido Justicialista e 20 de outros partidos menores. Para o Senado, 12 de Cambiemos, 5 do Partido Justicialista, 2 de Unidad Ciudadana e 5 de outros partidos. Com 99,22% das urnas apuradas, o responsável por representar no Senado a província de Buenos Aires será Esteban Bullrich de Cambiemos, que vence Kirchner por cerca de 4 pontos percentuais (N. da E.: Junto com Esteban Bullrich, também foram escolhidos para o Senado: Gladys González, pela aliança Cambiemos de Mauricio Macri, e Cristina Kirchner, por Unión Ciudadana) . Com esse resultado, a coligação Cambiemos de Mauricio Macri se fortalece e domina o jogo político argentino.

Fotos: Daiane Nora.

 

 

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