Por Claudia Weinman, para Desacato. info.
Nessa semana, o tema do Informativo Paralelo* tratou de observar o “drama habitacional” sob vários aspectos. Desde o interior do estado, aqui, no Extremo Oeste de Santa Catarina, quando falamos do assunto nos vêm à tona as transformações que a região vive desde o início do processo da colonização. Temos nesse cenário os caboclos e indígenas sendo banidos do território para ceder espaço as colonizadoras.
O “drama habitacional” envolve entre outros elementos, o aparecimento de cercas, divisas, delimitações entre o que é considerado ‘progresso’ e o que deve ser colocado às margens. Lembrei-me de uma entrevista com o Professor Antonio Moreira gravada para o JTT de semana que vem onde conversávamos sobre o aparecimento de mais pessoas em situação de rua, famílias com maior dificuldade financeira, alimentação envenenada por agrotóxicos nos mercados, etc.
Vamos aos exemplos mais recentes:
Em São Miguel do Oeste o assunto mais falado no último mês é a implantação do sistema rotativo, aplicação de vias de mão única e hoje, a poucos dias dessa mudança, você sai na rua e vê uma cidade feita para os carros e os prédios. Quem são as pessoas proprietárias dos carros e prédios de luxo? Para quem a cidade está sendo modelada? Quem vai morar, viver, ter lazer nessa cidade?
Onde estão os pobres? O trabalhador que não tem espaço nem para andar, menos ainda, se for de bicicleta. As incorporadoras seguem construindo prédios através de programas criados em governos progressistas (o que restou, claro), a baixo custo e vendem por elevados preços. Cada dia uma cidade mais verticalizada é construída. Não temos a visão da cidade que está coberta por concreto.
Os vendedores ambulantes não devem circular segundo muitas opiniões, pois “competem com os comerciantes”, “tiram o lucro da cidade”.
Além disso, uma ala dos vereadores está fazendo conversas com o Ministério Público Federal, pois não querem mais ver crianças indígenas circulando pelas ruas da cidade. Aliás, sugeriram até uma audiência pública para resolver “esse negócio”, com um discurso bonito e tudo.
Então esses são alguns dos elementos que nos levam a pensar que a cidade, o meio urbano, onde habitam inúmeras pessoas que já não conseguiram ficar no campo, vem se tornando um lugar cada dia mais elitizado e não é feito para as pessoas pobres viverem porque obedece a essa lógica do capital.
O que diria o sociólogo Zygmunt Bauman sobre isso?
– “Estamos construindo muros ao invés de pontes”, e depois disso, complementaria ao nobre pensador que o passo mais à frente seria “encurtar as pontes e viver o nós, mais do que “eles”, sobretudo, eliminando o medo da alteridade”.
A internet nos possibilita, faz tempo, a assistir programas, documentários, entrevistas bem interessantes. Assisti a uma dessas por esses dias, pensando no comportamento das pessoas mais especificamente no centro da cidade de São Miguel do Oeste, em um dos momentos em que vi o pobre trabalhador como há séculos acontece, levantando os “muros”.
Bem, na entrevista que vi, Alberto Dines conversava por longos minutos com Bauman. Falavam sobre o conhecimento, as transformações sociais, persuasão e outras coisas mais.
“Winston, o grande biólogo, costumava falar que nós somos inundados por informações e somos famintos por sabedoria. Famintos por sabedoria. E ele está certo! Quando eu era jovem eu e minha geração acreditávamos, e parte da sua geração, que o que impedia de resolvermos todas as questões do mundo era a ausência do conhecimento correto. Nós precisávamos de mais pesquisa, de mais recursos para pesquisas, mais dados, mais informações. Agora eu acredito que é ao contrário”. Zygmunt Bauman.
Existe informação, existem meios para se buscar. Mas existe um pensamento colonizado, meios que reforçam o poder e o pensamento do dominador. Não se resume a isso, mas é fundamental para pensarmos que quando não se compreende o todo, criam-se situações como essas, alimenta-se a vertente fascista de afastar, odiar, matar, exterminar toda a diferença.
Tudo isso envolve o “drama habitacional” e vai além. Envolve a constituição de cidades, espaços urbanos e porque não rurais feitos para “quem tem visão”. Visão de estipular a sua ideia como ordem ignorando conhecimentos e saberes populares, culturas, formas de vida.
Imaginemos uma jaula. Trump já mostra como essa prática funciona no ideal de mundo que ele próprio deseja construir. Ele “resolve” o que chama “problema”, assim. Que tipo de jaula, camuflada com o nome de “cidade”, se quer construir?
Ao pensar nisso, cuidado.
Concordar com tudo o que se ouve, assiste na TV tradicional não é liberdade.
Um dia me disseram que o prisioneiro tem medo da luz. E eu tenho plena certeza disso.
Para quê e para quem a cidade irá servir?
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Claudia Weinman é jornalista, diretora regional da Cooperativa Comunicacional Sul no Extremo Oeste de Santa Catarina. Militante do coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR).
- Informativo Paralelo é um programa semanal de WEB Rádio, uma parceria Acracom – Desacato.
Cláudia, você é corajosa e responsável. Grande artigo, que deveria ser reproduzido pelo Brasil. Grande abraço. Antonio.