Por Luciano Velleda
Chuvas torrenciais, deslizamentos e mortes em Petrópolis (RJ). Chuvas intensas, enchentes e devastação na Bahia e em Minas Gerais. Enquanto alguns estados do Brasil sofrem há meses com a abundância de água, no Sul a situação é exatamente oposta. Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul amargam os efeitos de uma das estiagens mais severas já registradas, em conjunto com sufocantes ondas de calor. Em qualquer das situações, as perdas são muitas: em vidas, em saúde, moradia, bens materiais, trabalho e renda.
Dados do Boletim da Defesa Civil de Minas Gerais registraram que, entre outubro de 2021 até janeiro deste ano, as fortes chuvas causaram cerca de 19 mortes, 3.481 desabrigados e 13.756 desalojados, além de 145 municípios em estado de emergência. Na Bahia, o governo estadual decretou situação de emergência em 136 cidades. Em Petrópolis, até esse domingo (20), já são 152 mortos e, segundo a Defesa Civil, há 165 pessoas desaparecidas.
Estudo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indica que o impacto da crise climática na América do Sul inclui um significativo aumento da precipitação média no sudeste do continente, o que aumenta a ocorrência de chuvas extremas. Pesquisadores também alertam que temperaturas extremas, como altas ondas de calor, podem ser até nove vezes mais frequentes já na próxima década. Não há nada de “normal” no que acontece atualmente no Brasil.
A situação levou o Greenpeace a promover uma campanha para que os estados do País decretem emergência climática, como caminho para cobrar dos governos locais ações de enfrentamento e de preservação da vida das populações por meio da elaboração ou execução de planos de adaptação climática.
“É importante entender que essa é uma discussão de toda sociedade, entender o impacto que a crise climática tem nas nossas contas de energia, o impacto da crise climática na temperatura dentro das casas, o impacto que a mudança climática tem, inclusive, em frios extremos e como a gente pode se adaptar, de como é também uma preocupação social para pessoas que não têm como driblar esses efeitos”, afirma Rodrigo Jesus, porta-voz do Greenpeace Brasil.
Nesta entrevista ao Sul21, Jesus destaca ser papel da sociedade entender e lutar por mudanças diante da realidade que já está posta. Ele pondera que as cidades apresentam cortes por classes sociais, gênero e raça, é que preciso ter atenção conforme a adaptação e o nível de vulnerabilidade das populações suscetíveis aos eventos climáticos extremos.
“Por mais que a crise climática tenha um escopo e narrativa científica e que pareça ser muito distante ou até mesmo ser uma projeção de futuro, é preciso aproximar as instituições pro nosso cotidiano e fazer com que as pessoas participem das discussões e proponham mudanças, porque elas também serão afetadas. Nós todos seremos impactados”, afirma.
Leia a entrevista na íntegra:
Rodrigo Jesus: Existe uma questão que é muito importante a gente ponderar. Estão sendo feitos levantamentos que tentam convergir esses atuais eventos que estamos vendo no Brasil desde o final de 2021 até agora, com modelos climáticos globais, ou seja, essas massas de ar e essas zonas de convergência em detrimento de algumas alterações, de anomalias que a gente já consegue ver na série temporal. Porém ainda não é possível a gente ter uma associação direta dessas consequências como uma mudança climática global.
O que a gente pode afirmar é o que o relatório do IPCC nos diz, sobre as projeções de aumento da superfície global, aumento da temperatura da superfície global e aumento da temperatura da superfície do mar, a gente pode afirmar que serão intensos os eventos extremos a partir desses aquecimentos. Então o que a gente pode afirmar é que serão intensas essas consequências extremas porque elas serão mais frequentes e irão impactar, cada vez mais, as populações mais vulneráveis, ou seja, aquelas que estão em situação de vulnerabilidade dentro das cidades ou em grandes centros, nos campos e nas zonas rurais.
Então o que a gente vê acontecendo no Brasil são sim anomalias. Se a gente for comparar as séries históricas de eventos de precipitação, de ondas de calor e de estiagens, a gente consegue perceber anomalias e episódios extremos, e isso tá causando um certo desequilíbrio nos sistemas atmosféricos. Se a gente for levar em consideração o papel do homem, o papel desse modelo econômico que só pensa em destruição e olha pra natureza como mercadoria… Acredito que a gente pode fazer essa associação direta entre atividades antrópicas em relação a mudança do uso do solo, em relação a mudança da cobertura vegetal, com esses eventos.
Rodrigo Jesus: Acredito que existem diferentes soluções. Uma delas é realmente transformar e mudar esse modelo econômico que a gente tem, baseado no consumismo, que é baseado no produtivismo, que é baseado na exploração excessiva da natureza. A gente olha pra natureza enquanto mercadoria e extrai dela recursos que parecem ser infinitos, mas são finitos. Os recursos ecossistêmicos das florestas, dos rios e dos ecossistemas em geral possuem uma limitação, e nisso ele é mal interpretado ou até mesmo negligenciado por esse modelo econômico que pensa nessa produção em série, nessa larga escala em relação a projeção de consumo. A gente precisa mudar essa lógica. Mudar esse sistema seria o primeiro passo pra pensar sistematicamente um modelo global.
Num segundo momento, já existem sim algumas medidas e proposições que a gente pode fazer a nível local e regional. O Greenpeace tem discutido muito sobre os decretos de emergência climática. Temos uma petição pública no ar, que a gente lançou desde o dia 16 de fevereiro, e nosso principal objetivo é fazer com que os governadores, o poder público em geral, que eles possam decretar a emergência climática. Só que esse decreto de emergência climática vem seguido de outras ações de enfrentamento dessas situações que estamos vendo, de deslizamentos, enchentes, enfim. Uma dessas ações é a execução dos planos estaduais de adaptação climática, que são normativas e diretrizes pra gente ter esse ajustamentos da sociedade e também dos sistemas naturais frente aos efeitos adversos da crise do clima.
Algumas medidas de adaptação que estão sendo levantadas por pesquisas, falam que é necessário que a gente tenha recurso empenhado do poder público brasileiro pra subsidiar boas condições de moradia, segurança alimentar, centros de saúde, porque esses eventos extremos vão, cada vez mais, demandar do serviço público esses serviços que são direitos básicos da população. Então o que a gente pode fazer são esses planos de adaptação, junto com audiências públicas com as populações mais afetadas, orçamento para perdas e danos materiais caso as famílias sejam impactadas, e mapeamento de áreas de risco em escala regional. É muito importante pontuar quais são as áreas e quais são os setores que precisam de maior atenção e prioridade em relação a esses recursos, e também criar medidas de controle e fiscalização pra zerar esse desmatamento no local.
A gente sabe que no Brasil, as grandes taxas de emissões de gases de efeito estufa são por causa da mudança na cobertura do solo. Então a gente precisa criar um controle e fiscalização sobre o desmatamento que está acontecendo no nosso município e no nosso Estado. É preciso envolver a população também nesse processo de planejamento, porque não adianta fazer o plano de política pública sem levar em consideração a realidade local, a realidade de uma periferia, de uma comunidade tradicional ou de um bairro.
Rodrigo Jesus: O que a gente tem visto é que esses planos já têm em alguns estados, porém, por causa da falta do processo de pactuação com a sociedade civil, as pessoas nunca ouviram falar do plano, não teve participação efetiva, não houve colaboração com nenhum tipo de medida e normativa, então não adianta somente ter o plano, tem que ter uma participação da sociedade civil porque ela será a afetada. No calor do momento do evento extremo, da catástrofe, são elas que vão sofrer os verdadeiros impactos.
Rodrigo Jesus: A gente tem o último relatório do Fórum Mundial da economia global, quando eles se reúnem pra fazer um relatório prévio pra ser discutido nas plenárias oficiais, que já colocam o setor agropecuário como estratégico sobre a crise climática. E por quê? Obviamente porque serão impactados e isso trará pra eles uma redução nos lucros, uma redução na exportação de commodities. A gente precisa entender que essas emissões, essas mudanças climáticas globais, inclusive aqui no Brasil e na América Latina ou no sul global, elas são causadas por essas atividades ao longo da história, desde a colonização. A gente tem uma mudança na cobertura do solo no Brasil, de devastação, de desmatamento para a agricultura, para o agronegócio, pra este modelo de desenvolvimento, que é histórica e que está causando degradação não só em nível global, em termos de crises atmosféricas, mas também em termos locais, de assoreamento de rios, de falta de precipitação e preservação em algumas localidade que deveriam ser de proteção integral.
Deixamos de perceber que, ao longo desse caminho, o setor agropecuário e industrial tem o papel de deixar eficiente seus planos de licenciamento ambiental. Acredito que estes ajustamentos, desde os licenciamentos ambientais até o que a gente poderia ter de adaptação climática com a participação efetiva deles, seria mais eficiente. O setor agropecuário é um dos que mais emite no Brasil gases do efeito estufa, que são o dióxido de carbono e o metano, então já que eles possuem essa participação tão efetiva, é necessário que exista uma pressão de fora pra dentro, externa, pra que eles possam rever e reavaliar a quantidade de impacto que eles causam em relação aos ecossistemas.
Rodrigo Jesus: É lógico que o setor agropecuário é muito importante pro abastecimento de grandes centros de alimentação do País. Então é necessário a gente perceber qual o modelo de agropecuária que a gente quer, e qual o modelo de agropecuária que está vigente. A participação da agropecuária nessa discussão sobre a crise climática, é uma participação que precisa rever as prioridades que foram preservadas e mantidas ao longo da história. Não é só uma discussão de adaptação de infraestrutura e de engenharia. É uma discussão que precisa ser mais profunda em relação a qual modelo de produção de alimento e cultivo preciso preservar, e que terá menos impacto no meio ambiente e que poderá convergir pra uma adaptação e mitigação das mudanças climáticas.
Então é muito importante o papel da agropecuária participando dessas discussões, propondo medidas que causem, de fato, uma mudança estrutural e não uma mudança sobre uma possível urgência que diminua os seus lucros. É uma mudança que envolve uma agenda profunda, se debruçar sobre o assunto, verificar alternativas até mesmo econômicas, utilizando modelos que sejam sustentáveis.