Desde a semana passada, o Ministério Público do Rio recebeu 36 denúncias contra igrejas e locais de culto de diferentes matrizes religiosas em todo o estado que continuaram reunindo pessoas e provocando aglomerações mesmo após o decreto do governo do estado impedir o funcionamento desses locais devido ao combate ao novo coronavírus. Ao menos 27 reportam casos de igrejas evangélicas. Os dados obtidos pelo GLOBO mostram 16 casos na capital e outros 20 no interior e região metropolitana.
Depois da cidade do Rio, Duque de Caxias é a que mais recebeu denúncias, em um total de seis. Há casos reportados ainda em Volta Redonda, Barra do Piraí, Araruama, Campos dos Goytacazes, Resende, Niterói, Nova Iguaçu e Cabo Frio. As denúncias foram reunidas entre os dias 16 e 25 de março pelas promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital e do interior organizados pelo Centro de Apoio Operacional das mesmas, o CAO-Cidadania.
Os promotores acompanham o cumprimento das medidas restritivas impostas pelo governo do estado desde a edição do decreto de emergência em saúde pública editado no último dia 16 de março de 2020. O primeiro caso de descumprimento que gerou briga na Justiça foi o do pastor Silas Malafaia que afirmou que “nenhum governador” iria suspender seus cultos. No último dia 22, o desembargador Sérgio Seabra Varella, do plantão judicial, proibiu os cultos de Malafaia na igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
“A maioria dos casos que chegaram é de igrejas e sob as mais diversas lideranças. Nossa estratégia de trabalho é agir em termos globais, porque seria pouco efetivo se a gente entrasse com uma medida contra cada uma. A gente chegou a entrar com uma ação, que foi a do Silas Malafaia, e conseguimos a liminar no tribunal. O desembargador realmente proibiu ele de realizar os cultos sob pena de multa diária”, explicou promotora Anna Carolina Vieira Lisboa, titular da 7ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital, que auxiliou na coordenação da atuação dos promotores.
Após as diversas denúncias, Lisboa diz que o MP decidiu expedir recomendações aos municípios e ao estado do Rio para que os gestores façam uma padronização das quarentenas e adotem medidas efetivas para realizar fiscalizações sobre o cumprimento das medidas de restrição usando, se for necessário, a Polícia Militar, Civil e a Guarda Municipal. As recomendações do MP foram entregues desde a última terça-feira e possuem prazo como resposta para esta quinta-feira.
“Agora fazer isso contra cada organização religiosa seria um desserviço ao poder judiciário que ficaria assoberbado de ações. A nossa linha de atuação agora é em linhas gerais, em termos globais, cobrar uma atuação cooperativa do estado e do município, medidas efetivas para que cumpram as determinações do decreto. Por isso, expedimos recomendação formal”, completou ela.
A promotora explica que todas as denúncias estão sendo encaminhadas para as autoridades, inclusive, para a polícia para se investigue a atuação das igrejas.
“A gente está encaminhando para a polícia. Existe um crime no código penal que é atuar em contrário às medidas do governo tendentes a evitar epidemias”, afirmou a promotora. O artigo do Código Penal citado é o 268 e prevê pena de detenção de um mês a um ano, podendo ser aumentada em 1/3 se a pessoa for funcionária da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.
Autoridades de saúde do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde defendem que o isolamento social, chamado de quarentena, é fundamental para evitar a propagação do vírus, que causa uma doença contagiosa. Por não haver vacina ou um antiviral licenciado para combater a doença, há um grande potencial para que muitas pessoas adoeçam ao mesmo tempo através de uma cadeia de contaminação, ou seja, um indivíduo passando para o outro. Por isso, manter a distância social é a recomendação prioritária das autoridades sanitárias.
A promotora Liana Barros Cardozo, da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital, explica que a atuação do MP não quer criar dificuldades para o exercício da fé das pessoas.
“A assistência espiritual pode ser dada por outros meios. A gente tem tecnologia suficiente para isso e então o que a gente está buscando não é que as pessoas se sintam isoladas e desassistidas espiritualmente, mas que elas busquem outros meios de se conectar com os seus pares, fiéis, pastores, padres ou babalorixás. Ao exercitar esses outros canais, podemos preservar aquilo que é mais importante agora: o interesse coletivo de preservação da vida e da saúde”, afirma Barros.
Se alguém quiser denunciar uma situação de irregularidade, o MP diz que segue recebendo denúncias por meio da ouvidoria e está com seus canais de comunicação abertos durante a crise do coronavírus. Qualquer pessoa pode encontrar pode efetuar denúncias por meio do http://mprj.mp.br/comunicacao/ouvidoria/.