Chacina da Candelária: após 26 anos, PM segue ‘autorizada a matar’ pobres e negros, diz analista

Oito jovens que dormiam em frente à igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, foram assassinados por policiais militares há 26 anos. No mesmo dia, dados oficiais divulgados pelo governo do estado mostram que a letalidade policial segue alta em solo fluminense, o que uma analista ouvida pela Sputnik Brasil vê como "autorização para matar".

Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil

Segundo o Observatório de Segurança, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), o Rio registrou 881 mortes atribuídas a policiais nos primeiros seis meses deste ano – um crescimento de 46% em comparação com o mesmo período do ano passado. O número confirma uma tendência observada nos últimos anos.

Segundo a cientista social Silvia Ramos, coordenadora do CESeC da Universidade Cândido Mendes, tal número é o mais alarmante dos últimos 30 anos no Rio de Janeiro, atualmente governador pelo ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC).

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“Este é um número absolutamente chocante e inaceitável. Oitocentas e oitenta e uma pessoas foram mortas no estado do Rio apenas entre janeiro e junho de 2019 por policiais em operações ou fora de operações. Isso coloca a atuação da polícia do estado como uma coisa fora dos padrões de qualquer polícia do mundo e do próprio Brasil, que é um país que tem muitos problemas de violência”, declarou em entrevista à Sputnik Brasil.

Para a especialista, é possível traçar um paralelo direto entre a alta letalidade policial do presente com episódios ocorridos em 1993 na cidade e no estado do Rio. Além da chacina da Candelária, outra matança protagonizada por policiais foi registrada no mesmo ano na favela de Vigário Geral, quando 22 pessoas – a maioria crianças e mulheres – foram assassinadas por agentes de segurança em uma revanche contra traficantes.

“Essas duas chacinas são momentos históricos na memória da segurança pública do Rio em que as forças policiais, em vez de proverem segurança pública, trouxeram violência, corrupção, dor e trauma para a cidade. Então quando a gente vê 881 mortos pela polícia em apenas seis meses [em 2019], esse número assusta e a gente percebe que existe uma política de segurança em curso que é voltada para a eliminação de pessoas, que a polícia chama de suspeitos, a maioria deles jovens, negros e moradores de periferias e favelas”, avaliou.

A coordenadora do CESeC da Universidade Cândido Mendes apontou também que a polícia do Rio é responsável por 38% das mortes na capital, por quase 39% dos óbitos na região de Niterói, e por mais de 25% dos homicídios ocorridos pela média estadual. De acordo com ela, os números demonstram um cenário alarmante também para o futuro, sobretudo considerada a controversa guerra contra as drogas em curso.

“É uma proporção que está indo em um caminho que, se não for contido, daqui a pouco nós vamos ter a polícia matando a metade do conjunto das mortes ocorridas no Rio. Será que é isso que esse governo do estado está sustentando? É essa a meta que eles estão conseguindo atingir?”, questionou a analista ouvida pela Sputnik Brasil.

“A polícia tem hoje no Rio uma política totalmente diferente para as áreas abastadas e ricas da cidade, nas quais ela não atira, principalmente se forem brancos, de classe média, e em bairros ricos, e ela entra atirando e fazendo uso de caveirões, de helicópteros blindados e de fuzis nas áreas de favelas. Essas áreas são, portanto, onde elas têm tido autorização para matar”, acrescentou.

Além de indicar as áreas pobres da cidade e do estado do Rio como “territórios inimigos”, a cientista social acredita que o governo estadual e o seu braço de segurança, a polícia, pouco permitem ganhos com a alta letalidade exposta pelos dados oficiais. Pior: para ela, há um fomento das milícias, que crescem e conta com policiais e ex-policiais em suas fileiras.

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