Depois de 45 anos vamos ter uma bienal na Bahia. Ela será a terceira. Ela continua e descontinua as Bienais de 1966 e 1968. Esta última fechada pela ditadura civil-militar, implantada no Brasil com o golpe de 1964. De imediato, uma questão se impõe como inevitável: por quê resgatar a ideia de bienal depois de tanto tempo e revisitar uma história quase esquecida?
O direito à memória é parte substantiva dos direitos culturais. Saber de nossa história, de tradições, de possibilidades de vida, esmagadas e silenciadas pela violência dominante – neste caso em sentido literal – aparece como condição para iluminar o presente e o futuro. Para, atento, buscar alternativas e outras modalidades de sentir e pensar o mundo.
Mergulhar na história em um ano tão emblemático como 2014 – quando acontece os 50 anos do golpe militar e os 30 anos do movimento democratizante das Diretas Já – coloca em cena: atitudes, questionamentos, limites e possibilidades, que podem ser, criticamente, continuadas e descontinuadas, mas devem ser sempre reavaliadas e atualizadas.
Por certo, era outra a Bahia e outra a circunstância nacional e internacional nos anos 60. Uma Bahia que, desde o final da década de 40, se colocou em movimento, deixando a paralisia da primeira metade do século XX. Uma Bahia muito desigual e (ainda) provinciana, mas cada vez mais viva com sua dinamização econômica e seu renascimento cultural. Estimulante olhar, sem nostalgia, esta Bahia criativa, depois interditada por aqueles anos de ditadura civil-militar e pelo autoritarismo que se manteve em nosso estado, mesmo no período pós-ditadura.
A Bahia dos anos 50/60 é habitada por Glauber Rocha, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Muniz Sodré, Carlos Nelson Coutinho, Tomzé, Capinan, Geraldo Sarno, Oton Bastos, Rubem Valentin, João Ubaldo Ribeiro, Gal Costa, Maria Bethânia, Juarez Paraíso e tantos outros. Esta geração está sendo formada por nomes como Hans-Joachim Koellreutter, Agostinho da Silva, Ernest Widmer, Walter Smetak, Janka Rudzka, Martin Gonçalves e Gianni Rato.
A III Bienal dialoga com a interessante história cultural da Bahia rememorando episódios quase esquecidos, mas ela se abre obrigatoriamente para o presente e o futuro. Seu tema / questão – É tudo nordeste? – busca dar singularidade a nossa bienal e constituir um diferencial em relação às bienais mais marcantes existentes na atualidade no país: a de São Paulo e a do Mercosul. O Nordeste acionado aqui é múltiplo e complexo, é passado e presente, é singular e universal, é território e experiência.
Todos nós sabemos que a partir de Lula significativas mudanças acontecem no Nordeste. Diferente de instantes anteriores, a região hoje tem um desenvolvimento maior do que o de outros territórios do Brasil. Este Nordeste em movimento, com dilemas e tensões inerentes a este processo, inventa novas e contemporâneas dinâmicas territoriais, experiências humanas e criações culturais. Este Nordeste contemporâneo também é muito distinto daquele dos anos 60, presente de modo marcante na cultura brasileira então produzida.
Territórios e experiências no mundo atual só podem ser imaginados em uma dimensão glocal. Nela fluxos globais e locais perpassam e dão sentido aos territórios, às experiências e às criações. Na contemporaneidade, mesmo quando ela se apresenta corroída por problemas e dificuldades, vivemos em tempo real e em espaço planetário.
Tais dispositivos, que conformam a modalidade contemporânea da experiência humana, transformam esta experiência em potencialmente universal, pois ela dialoga, muitas vezes em tempo real, com experiências afins vivenciadas nos mais distintos rincões do planeta. Nesta perspectiva, a questão / tema do III Bienal da Bahia demonstra sua abrangência, abrindo múltiplas possibilidades de diálogos interculturais, a serem estimuladas, acolhidas e instaladas na Bienal.
É este Nordeste, território, experiência e criação humana, que estará em cena na Bahia, na capital e no interior, em inúmeros espaços e diversificadas modalidades culturais, dado que a III Bienal não estará restrita apenas às artes visuais, mas irá mobilizar muitas linguagens e espaços.
A III Bienal da Bahia envolve todo este leque de dimensões e questões. Ela será a maior atividade da Secretaria Estadual de Cultura, coordenada por seu Museu de Arte Moderna (MAM), para apresentar e representar a Bahia neste ano emblemático, quando também se realiza no Brasil a Copa do Mundo. Nela nossa cultura deve assumir lugar de destaque. Sua visibilidade internacional e nacional pode ser o verdadeiro legado da Copa.
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Texto de Antônio Albino Canelas Rubim publicado no Blog Terra Magazine | 15/04/14
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Antônio Albino Canelas Rubim é professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e atualmente também é secretário de Cultura do Governo da Bahia.
Fonte: Mapa das Artes