Caso de PM que atirou na boca de jovem com deficiência vai para a justiça militar

Thiago Duarte de Souza, de 20 anos, ficou 12 dias internado e morreu; segundo juristas, crimes contra a vida deveriam ser julgados na justiça comum

No início de abril, o jovem Thiago Duarte de Souza, de 20 anos, ia comprar pão e leite quando foi atingido na boca por um disparo de arma de fogo feito pelo cabo da PM Denis Augusto Amista Soares, de 37 anos, no jardim Limoeiro, na zona leste de São Paulo. O cabo estava à paisana e de folga naquele dia. O jovem morreu alguns dias depois e agora o caso será julgado pela justiça militar.

Thiago ficou internado 12 dias e morreu no Hospital Geral de São Mateus, também na zona Leste. Ele tinha uma deficiência intelectual, fazia acompanhamento psiquiátrico e psicológico, não conseguia decorar o próprio endereço e não sabia nem ler ou escrever.

“Ele tinha dificuldades cognitivas que o impediam de falar o próprio nome ou saber o dia da semana. Thiago foi vítima de um assassinato brutal cometido por um policial miltar à paisana e em circunstâncias muito suspeitas, que merecem esclarecimentos”, defende Marina Toth, advogada da família da vítima.

Segundo ela, o caso foi investigado pela Polícia Civil e, agora, no dia 23 de agosto, foi encaminhado para julgamento na justiça militar. “Vamos entrar ainda hoje (25) com uma solicitação de reconsideração para que o juiz mude essa decisão”, afirma a advogada.

Segundo uma fonte do Tribunal de Justiça, ouvida pela Alma Preta Jornalismo, os casos de crimes contra a vida deveriam ser julgados na justiça comum. “Como há uma possível relação entre a morte do rapaz e o disparo feito pelo policial é possível enquadrar como homicídio com dolo eventual e, inclusive, ir à juri. Não é caso para justiça militar”, diz.

Contradições

O cabo Denis Augusto entrou na Polícia Militar em 2006, como soldado, e até 2021 trabalhou no 5º batalhão da PM, no bairro de Vila Pedrosa, na zona Norte da capital, atuando na Força Tática.

O policial, inicialmente, disse aos PMs, que foram atender a ocorrência, que atirou em Thiago porque ele teria tentado assaltá-lo, e o disparo teria sido feito em legítima defesa. Na delegacia, o cabo da PM mudou a versão e disse que Thiago estaria envolvido em outro crime: um roubo a um funcionário de empresa telefônica. No entanto, a vítima do roubo não reconheceu Thiago, mas, sim, um amigo dele, Fernando Henrique Andrade da Silva, de 27 anos.

Mesmo com as versões conflitantes e a família negando o envolvimento de Thiago no crime, o caso foi registrado como porte de arma.

“Para justificar sua execução, ele foi acusado de portar uma arma, objeto que ele jamais saberia manusear por conta da sua condição. As circunstâncias do aparecimento dessa arma no local também devem ser investigadas. Não há como concordar com a remessa para a Justiça militar, o homicídio de Thiago só será devidamente apurado se o caso for mantido na justiça comum e o policial responsável pela sua morte for levado a júri popular”, pontua Marina, que é advogada criminalista e colaboradora da Rede de Proteção contra o Genocídio.

De acordo com ela, há testemunhas que viram policiais militares recolhendo câmeras dos comércios próximos. “Essas filmagens jamais foram disponibilizadas e as testemunhas jamais foram chamadas para depor na delegacia”, diz a advogada.

Irregularidades

Entre os dias 8 e 21 de abril, o rapaz ficou em estado grave de saúde e algemado na cama, em custódia. A justiça negou o pedido de relaxamento da prisão.

A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) foi procurada pela Alma Preta Jornalismo para saber se o cabo Denis Augusto estaria preso ou afastado da atividade policial e quais os resultados dos laudos periciais feitos no corpo do rapaz. Em resposta, a pasta explicou que o inquérito, com o conteúdo de toda a investigação, foi encaminhado para “manifestação do Ministério Público e do Poder Judiciário”.

Para o ex-procurador de Justiça do Ministério de Público de São Paulo, Roberto Tardelli, o caso do Thiago Duarte foi tratado de forma irregular e inconstituicional.

“Não há razão jurídica para não ir para a vara do júri, que detém a competência, por força constitucional, de processar e julgar crimes dolosos contra a vida. Ainda que tenha havido porte de arma e roubo, o que prepondera é sempre o crime contra a vida, no caso o homicídio”, explica o ex-procurador, que atualmente é advogado criminalista.

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