Casa de Passagem não sai do papel desde 2016. Luta mobiliza indígenas no TISAC. Por Lino Peres.

    Foto: Itamara

    Por Lino Peres.

    Mais uma vez, os indígenas chegam a Florianópolis para vender artesanato e não encontram acolhida na prometida e mais uma vez ignorada Casa de Passagem Indígena a ser construída no terminal desativado do Saco dos Limões (TISAC). Para pressioná-los a sair do local, onde estão desde quinta-feira (7), a Prefeitura refugia-se em justificativas de saúde, enquanto contraditoriamente libera tudo em plena pandemia de Covid-19. O descaso se repete na gestão de Gean Loureiro (DEM), que incorre em vergonhosas práticas discriminatórias contra a população indígena. Não há espaço para essa população na Ilha da Magia.

    Organizados, os indígenas lutam para que não se repita a dramática situação de seis anos atrás, quando ficaram embaixo do viaduto na entrada da Ilha e o mandato, à época, no final de 2015, conseguiu que fossem acolhidos, ainda que precariamente, no Terminal Rita Maria, e depois no TISAC, pela mediação do Ministério Público Federal (MPF), Justiça Federal, FUNAI e Prefeitura. Como é sabido, os indígenas, principalmente do grupo Kaingang, vêm a Florianópolis no verão para vender artesanato e garantir o sustento, pois são cada vez piores as condições nas aldeias, além das pressões que sofrem do latifúndio e do agronegócio, levando ao roubo de suas terras e de suas vidas, com apoio do governo Bolsonaro.

    Idas e vindas na luta por direitos

    Houve muita discussão e reuniões, ao longo de 2016, para que se garantisse um local no Centro da cidade, com indicação do terreno da DPU na rua Bulcão Vianna, entre o Instituto Estadual de Educação e Praça Tancredo Neves. Mas, infelizmente, a DPU alegou que as instalações deveriam passar por muita manutenção e levantou outros entraves administrativos, e assim foi indicada a utilização do TISAC, que tinha guarda da Superintendência do Patrimônio da União (SPU), a qual autorizou cessão ao município, desde que fosse para uso exclusivo dos indígenas, em suas várias etnias, vindas das aldeias. O problema era a distância do terminal ao Centro, o que forçava a compra de passagem de ônibus. Diante desta dificuldade, a Prefeitura na época cobriu as passagens para os indígenas deslocarem-se até o Centro diariamente, medida que foi suspensa na primeira gestão do Gean Loureiro.

    Depois de muitas tratativas, conseguiu-se garantir a elaboração do projeto de uma Casa de Passagem Indígena ao lado do atual TISAC, onde também está prevista instalação de um centro de acolhimento para idosos e crianças. No entanto, desde o final da gestão de Cesar Souza Júnior e a primeira gestão do atual prefeito Gean (2017-20), as temporadas marcaram uma luta incessante para se garantir as condições mínimas de habitabilidade, sendo que, na gestão de Gean, ocorreu um incêndio em um dos banheiros com responsabilidade até hoje não apurada. Obteve-se da Prefeitura a instalação de banheiro seco e reforma, ainda que parcial, dos atuais banheiros, com a ajuda de voluntários do grupo de apoio, e instalação de tapumes para proteção das intempéries, retirados ano passado. No entanto, não foi garantida a segurança permanente, principalmente de forma preventiva, porque parte de moradores do bairro Saco dos Limões não quer os indígenas no terminal e pressiona as instituições.

    Quanto ao projeto da Casa de Passagem, foi desenvolvido com a participação dos indígenas, de técnicos do IPUF/PMF e de nosso mandato com atuação da arquiteta Elisa Jorge. Inclusive, a Casa hoje é objeto de trabalhos acadêmicos na UFSC. No entanto, destinaram-se inicialmente somente R$ 700 mil reais, o que foi absolutamente insuficiente, sendo que a Prefeitura não aplicou os recursos para a obra.

    Com a pandemia, a FUNAI, de forma unilateral e sem consultar os indígenas, forçou o retorno às aldeias. A ação, feita às pressas, separou as famílias dos seus pertences, ocasionando uma cena lamentável e que até hoje não foi reparada.

    Dificuldades com a pandemia

    A situação precária nas aldeias e a iminência do fim do auxílio emergencial – em torno de um salário mínimo por família – levaram os indígenas a cogitar retornar a Florianópolis e a outros municípios, principalmente litorâneos, na atual temporada. A partir disto, o MPF realizou reunião com a FUNAI, o mandato e os indígenas para garantir controle, na saída das aldeias, daquelas famílias que estivessem com casos de Covid-19, estabelecimento de protocolo e a garantia de habitabilidade nas instalações do TISAC. Foram estabelecidos os termos de um acordo e o MPF peticionou à Justiça Federal, que encaminhou sentença para que a Prefeitura cumprisse os termos acordados.

    Mas, desde que chegaram, as famílias sofrem ameaça de despejo pela Guarda Municipal da Prefeitura, sem ordem judicial. A Prefeitura alegou que, por ordem do TRF-4, o grupo indígena não poderia ocupar o terminal, interpretando ao seu interesse aquela determinação, que, de fato, não impede a ocupação. Na reunião realizada ontem, 8/1, no TISAC, a Prefeitura queria que os Kaingang ficassem em hotéis e, como os indígenas rejeitaram a proposta, a Secretaria de Assistência Social lavou as mãos, não assumindo garantir as condições de habitabilidade do Terminal. Neste sentido, nega a permanência minimamente habitável, o que, até junho do ano passado, vinha sendo garantida, ainda que de forma precária.

    No entanto, o fato de a Prefeitura retirar a Guarda Municipal do TISAC foi uma vitória pela resistência das famílias indígenas Kaingang, que, com o respaldo do grupo de apoio, que inclui várias organizações sociais, partidos e voluntários, não aceitaram os termos de negociação que exigissem a saída do terminal. E mais: ficou evidente que a permanência ali não pode ser somente na temporada, devendo se manter entre os meses de abril e dezembro como forma de evitar que o lugar seja ocupado para outra finalidade. De fato, os indígenas tinham razão quando, desde 2017, vinham manifestando esta preocupação diante do MPF: a Prefeitura instalou uma central de reciclagem da COMCAP no terminal, depois que os Kaingang retornaram em junho para suas aldeias, sem permissão da SPU.

    A Procuradoria Federal convocou para a próxima segunda-feira uma reunião com a Casa Civil e  FUNAI – não temos informações se os indígenas participarão – para que se definam as condições de funcionamento do TISAC  para abrigo dos indígenas.

    Cabe ao prefeito Gean Loureiro oferecer as condições adequadas de habitabilidade enquanto não se constrói a Casa de Passagem Indígena no local. Um grupo de apoiadores está se mobilizando com campanha financeira e doações de itens necessários para limpeza e cozinha, assim como alimentos (de preferência não perecíveis ou que não dependam de geladeira) e materiais de prevenção à Covid-19 (máscaras e álcool). O ponto de arrecadação é o TISAC.

    Além desta mobilização, a luta maior é pela garantia dos direitos dos povos indígenas. Em 2020, nosso mandato e o mandato do vereador Marquito, que também vem defendendo ativamente a permanência dos indígenas no TISAC, protocolaram Projeto de Lei que institui a “Política para os Povos Indígenas no âmbito de Florianópolis, com o objetivo geral de promover e garantir a eficácia dos Direitos dos Povos Indígenas estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas de 2007, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).”

    Com a aprovação do PL, os indígenas, em Florianópolis, terão ao menos duas garantias, o que representa um avanço na luta que vem travando neste período:

    1. Todas as ações realizadas pela gestão municipal que garanta os Direitos Indígenas precisam ser forçadas pelo Ministério Público, especialmente ao que se refere à presença indígena na cidade principalmente nos meses da alta temporada. O Projeto de Lei garante o Direito Indígena, independente do governo que estiver no poder.
    1. O PL acompanha a Convenção 169 da OIT, que preconiza em seu Artigo 6º que “ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.

    Pelo atendimento imediato das condições de abrigo às famílias indígenas Kaigang e de outros grupos!

    Pela construção da Casa de Passagem Indígena!

    Pelo respeito aos direitos aos indígenas como povo originário, protegido pela Constituição Federal!

    Leia mais:

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