Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
Sou um desconhecido para a quase totalidade dos mais de 210 milhões de cidadãos brasileiros e pretendo continuar assim, haja vista que não sou dado ao espetáculo, mas hoje senti uma necessidade incomensurável de escrever esta carta para você, caro/a leitor/a, que, assim como eu, encontra-se amedrontado/a, assustado/a e receoso/a com tudo o que está acontecendo.
Neste fatídico dia, mais precisamente, 22 de maio do corrente ano, após a divulgação dos 1188 óbitos de ontem, vidas tiradas, em parte, pela insensatez e comportamento político-social insustentável dos que marcham lotados de egoísmo levando o vírus pelas ruas desse país neste momento em que a maior prova de respeito e de amor ao outro é ficar em casa, encontro-me ainda mais angustiado e abatido, bem mais receoso, sentindo-me impotente diante do fato de que percebo a minha incapacidade de poder proteger minha mãe e meu pai, meus entes queridos em geral, sentimentos que aparecem em outras famílias que, assim como a minha, encontram-se à flor da pele em meio ao caos.
Aqui no Nordeste e penso que, também, na mesma medida, no Norte do país, dado as condições históricas de abandono e de exploração político-empresarial, são muitas as famílias que se veem e estão na mesma condição que a minha.
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Voltando à minha mãe e ao meu pai, preciso que saibam que são dois lindos viventes da caatinga, seres fortes antes de tudo, assim como o sertanejo cantado nos versos de Euclides, mas temo que esses guerreiros, dois vencedores diante das intempéries da seca, caso contraiam a covid, sejam derrotados pelo vírus e, principalmente, pela incompetência gestora do dadá que ocupa a Presidência do país, esse propagador de desestabilidades. Essa é a minha maior dor nesse instante e acredito que o maior medo daqueles que já perceberam que não estamos diante de uma gripezinha.
Neste quadro de pandemia, vi, à distância, já que moro no extremo sul de meu estado, e meus pais lá para as bandas de cima, a minha velha e o meu velho sem sono, com medo, assustados, conscientes de que se pegarem o vírus na forma mais pesada, devido à idade e às condições estruturais de saúde do município em que vivem – Cícero Dantas –, uma cidade de pouco mais de 30 mil habitantes, cravada no Polígono das Secas no Nordeste Baiano, podem sofrer e partir e eles não merecem isso, pois são cheios de vontade de vida.
Assim como eu, tantas outras famílias se encontram abatidas e amedrontadas, e falo dos pobres, desses que precisam do SUS, que lutam diariamente pela sobrevivência. A esses me uno em um só espírito, desejoso para que tudo passe, que o nosso judiciário se faça sustentável e julgue aqueles que estão contribuindo para que o quadro piore cada vez mais com desinformação, ódio e ingerência política. É só um sonho, pois, historicamente, sabemos que a justiça brasileira sempre esteve ao lado dos mais fortes.
Já vimos que, apesar da desinformação que o governo federal, na pessoa do Presidente, quis imprimir à nação, grande parte da população percebeu que o coronavírus é real e pode destruir vidas, sonhos e projetos, por isso, mais de vinte mil pessoas foram levadas antes do tempo.
Diante da observação em torno do comportamento dos que marcham ensandecidos em apoio ao projeto de preconceito e de morte por parte deste governo, somos levados a pensar que estes seres banalizam a morte e a vida, mas não podemos deixar que o ódio que dominou e definiu os resultados na última eleição contribua ainda mais para que tudo piore e o número de mortes só aumente, pois é para isso que estamos caminhando, tanto que a maioria já sabe que a dúvida agora já não é se pegaremos o vírus mais quando o pegaremos e devemos isso, em grande parte, à insanidade daqueles que, diante dessa política de mentiras e de destilação da maldade, segue em estado de torpor rumo a um coma sem possibilidades de retorno.
Em respeito às pessoas que, com certeza, com suas famílias, tinham sonhos e projetos de vida, devemos lutar para que as pessoas entendam, de uma vez por todas, que o melhor a fazer é permanecer em distanciamento social nesse momento e que o governo terá que nos ajudar e não nos amedrontar diante das instabilidades. A luta não deve ser pela reabertura do comércio nesse momento, mas para que o governo encontre saída para as necessidades do povo e que a elite aprenda, de uma vez por todas, que é preciso dividir os lucros adquiridos em torno do suor dos milhões de proletários explorados historicamente nesta nação.
Como se não bastasse o vírus, infelizmente, ainda temos que lutar contra a ignorância política e a insensatez social que tomaram ainda mais corpo nesse período. Esta ignorância latente que segue em marcha em verde e amarelo e até vestida de uma dose de religiosidade doentia precisa ser freada. O bem deve se rebelar contra todo este mal que assola a nação e as nossas vidas.
Por fim, saibam que não vim aqui para ficar famosinho. O meu objetivo nestas poucas linhas é abraçar aqueles que, assim como eu e minha família, estão angustiados e dizê-los que estamos juntos, que uma hora tudo tem que passar e, principalmente, vim convidar aos insanos que vivem a odisseia da insensatez em meio à pandemia (em defesa da tal economia que nunca foi para todos e apoio ensandecido ao presidente) que saiam deste estado de insensibilidade em relação à dor de milhares de irmãos brasileiros, pois, do contrário, teremos ainda mais dor.
Neste momento, diante da ausência de uma vacina, de um remédio comprovado cientificamente e, consequentemente, de um tratamento eficaz de combate à covid, uma de nossas melhores armas contra o vírus é a sensatez para a grande luta que teremos que travar agora e depois que este vírus se for contra esta necropolítica da desinformação, das fakes e das injustiças.
Enfim, a nossa dolorosa situação só demonstra que precisamos sair, com urgência, do torpor de “agradecimento ao governo por seiscentos reais”, pois ele não faz mais do que a obrigação e ainda precisa fazer muito mais. Por favor, irmãos e irmãs, saiamos deste modus operandi de mitificação e de heroicização destes seres que só ganham às nossas custas!
No mais, o meu desejo mais profundo é o de que saiamos maiores e mais humanos de tudo isso!
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Elissandro Santana é professor, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato. Doutorando em Projeto, linha de pesquisa em meio ambiente pela Universidade Internacional Iberoamericana – México.
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