Carta aberta à Cidade de Florianópolis

Por uma Floripa Sustentável, Justa, Resistente e Resiliente

Foto: Luis Antonio F. Rodrigues/LuisBL

Por autoria coletiva e registrada abaixo da nota.

Preocupados com os desdobramentos do processo de construção e com o teor do projeto de lei que trata da revisão do plano diretor da cidade de Florianópolis, por tudo que ela representa para Santa Catarina e para o Brasil, vimos a público expressar algumas impressões e sugestões para que esse processo seja resgatado, corrigido, e devidamente encaminhado.

Após a realização das 14 audiências distritais promovidas pelo executivo, mais as quatro audiências organizadas pela câmara municipal, e da revolta dos movimentos populares na noite do dia 13 de março de 2023, ficou evidente a insuficiência e fragilidades do modelo adotado pelo executivo e legislativo de Florianópolis, como instrumento para promover o estado democrático de direito na cidade, e viabilizar o debate público e eventual incorporação das sugestões da população e dos movimentos sociais, promovendo a construção de um Plano Diretor Participativo para uma cidade justa, socioambientalmente segura e saudável.

O documento apresentado pelo executivo, assim como processo de “revisão” do Plano Diretor apresenta inconstitucionalidades, ilegalidades que foram apontadas por técnicos com diferentes formações (conforme documentado na proposta de projeto substitutivo global disponível em link abaixo1,2). Esta condução, assim como diferentes aspectos da proposta, poderá resultar em sua aprovação intempestiva no próximo dia 20, e caso isso ocorra, produzir o consequente avanço de uma urbanização que ignora as carências de infraestrutura, a capacidade suporte de nosso território e a necessidade de garantirmos ambientes saudáveis e preservados para as presentes e futuras gerações (art. 225 da Constituição Federal).

Denunciamos a ausência de atenção a estudos técnicos oficiais (3,4,5), ou mesmo a carência de informações primárias robustas, que demonstrem a capacidade suporte socioambiental e urbanística das diferentes regiões da cidade, principalmente frente ao cenário das mudanças climáticas em curso.

Destacam-se, ainda, no referido projeto de lei, os riscos de um plano que propõe adensamento, desacompanhado da devida infraestrutura sanitária e viária, o que pode agravar a crise ambiental, social e urbanística vivida pela cidade no último verão: epidemia de diarreia, com praias impróprias para banho, mortalidade de peixes, engarrafamentos e mortes em um sistema viário colapsado.
O projeto apresentado pela prefeitura não apresenta solução para os mais de 140 mil moradores que hoje vivem em condições de elevada vulnerabilidade, suscetíveis ao deslizamento de terras e alagamentos, conforme destacado no estudo de Riscos e Vulnerabilidades, produzido pelos Estudos Base para a Iniciativa CIDADES EMERGENTES E SUSTENTÁVEIS, financiado pelo BID (3,4,5).


Considerando as tendências de aceleração e intensificação de fenômenos atmosféricos, como os responsáveis pelas tragédias na Bahia, no Rio de Janeiro, em São Paulo e, mesmo em Santa Catarina, um plano diretor que envolva ativamente a comunidade e esteja fundamentado em estudos técnicos robustos é fundamental para segurança da sociedade diante das mudanças climáticas.
É fundamental lembrarmos que, conforme o disposto na Lei orgânica de Florianópolis, no artigo 133, compete ao município promover “a diversidade e a harmonia com a natureza e preservar, recuperar, restaurar e ampliar os processos ecossistêmicos naturais, de modo a proporcionar a resiliência socioecológica dos ambientes urbanos e rurais, sendo que o planejamento e a gestão dos recursos naturais deverão fomentar o manejo sustentável dos recursos de uso comum e as práticas agroecológicas, de modo a garantir a qualidade de vida das populações humanas e não humanas, respeitar os princípios do bem viver e conferir à natureza titularidade de direito”. Ao desconfigurar o trato legal das áreas de preservação permanente e de elevado interesse ecológico, como topo de morro, áreas de elevada declividade, e banhados, a proposta apresentada pela prefeitura contraria a própria lei orgânica do município.

Considerando a necessidade de discussões continuadas, as exigências legais (estatuto da cidade LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001) e recomendações internacionais (UN@Habitat 2014) é mandatório que um amplo diagnóstico de nosso território forneça as bases técnicas para a ampla e embasada discussão. Planos Diretores robustos são urgentes, uma vez que estes proporcionam cidades seguras (inclusive para investimentos), saudáveis, resistentes e resilientes, considerando os desafios impostos pelas mudanças climáticas e crise de nossos socioecossistemas. Para isso, consideramos a necessidade de estudos que informem sobre:
? I – Características globais da cidade e seus distritos isolados ou em conjunto, suas interdependências e vulnerabilidades;
? II – Características e vocações histórico-culturais;
? III – Modelo de Cidade, Ocupação Urbana, Densidades, Centralidades, Morfologia Urbana;
? IV – Uso e Ocupação do Solo;
? V – Habitação de caráter social;
? VI – Mobilidade Urbana e Sistema Viário;
? VII – Meio Ambiente (Unidades de Conservação e suas zonas de amortecimento, corredores ecológicos, áreas de uso limitado e APPs);
? VIII – Infraestrutura Urbana e Comunitária;
? IX- Vulnerabilidades e ameaças socioambientais e climáticas
? X – Eficácia normativa do Plano Diretor vigente para garantir a capacidade suporte e o direito da natureza, conforme previsto no arcabouço legal em nosso município e no Brasil.

Além disso, o Município de Florianópolis tem três estudos3,4,5 que tratam da vulnerabilidade e da descrição do cenário da cidade frente às Mudanças Climáticas. Esses estudos foram negligenciados na revisão do Plano Diretor. Ressalta-se que esses estudos, publicados em 2015, já estão defasados em relação à previsão dos cenários de mudança climática, visto que o último relatório do IPCC afirma que os cenários previstos para 2100 devem ocorrer em 2050, o que é alarmante. Ou seja, precisamos estabelecer estratégias de adaptação e mitigação a esse cenário, como:

i. Mapeamento, preservação e restauração dos ecossistemas do carbono azul (manguezal e banhados), que além de servir para crédito de carbono são estratégicos para combater a erosão costeira, realidade vivida em Florianópolis;
ii. Mapear áreas suscetíveis à inundação com a elevação do nível do mar e chuvas intensas, em destaque para a planície das bacias dos rios Brás-Papaquara-Ratones, rio Tavares e a planície do Pântano do Sul, como ambientes para restauração, ressignificação e expansão de ecossistemas como manguezais, marismas e bancos de gramas marinhas e algas;
Acreditamos que existe um prazo legal até 2024 para a revisão do plano hoje vigente, e existe oportunidade para que o processo seja discutido com a comunidade, e para que as ameaças e vulnerabilidades sejam minimamente explicitadas e enfrentadas, com ações de adaptação e mitigação. Mapas temáticos considerando os desdobramentos territoriais para os planos em discussão, para que a comunidade possa vislumbrar a especialização dos temas e seus desdobramentos para seus respectivos territórios. Portanto, o processo de diálogo com a comunidade, além de ser exigência legal, é fundamental para se construir percepção de risco, assim como consciência dos condicionantes para termos uma cidade mais justa, segura, saudável e socioambientalmente e economicamente próspera. Para isso, apresentamos a proposta de cronograma a ser apreciado pela câmara de vereadores e discutido com as diferentes instituições e coletivos relacionados a este processo:

Atividade Período (período entre os meses/ano)
Leitura pública da proposta de substitutivo global 03-04/2023 (30 dias)
Instrução do projeto com estudos técnicos que considerem a capacidade suporte, as ameaças e vulnerabilidades do ponto de vista socioambiental 04-06/2023 (60 dias)
Oficinas públicas 06-10/2023 (120 dias)
Votação pela câmara e encaminhamento da proposta consolidada 10-11/2023 (30 dias)

Nós, aqui representados(a)s, reforçamos a reivindicação de que seja amplamente debatido o substitutivo global, apresentado pelos movimentos populares (1,2), respeitando o direito constitucional de que nós, brasileiros, temos que zelar por nosso ambiente e qualidade de vida. Apelamos aos vereadores plena atenção a este direito inalienável, certos que estes esforços ajudarão a garantir uma cidade mais justa, socioeconomicamente próspera e ambientalmente saudável.

Florianópolis, 13 de março de 2023
Ver abaixo-assinado virtual, a proposta de substitutivo global assim como documentos sobre os temas descritos acima em:
1Repositório Popular em https://planodiretor.libertar.org
2https://www.change.org/p/c%C3%A2mara-de-vereadores-fa%C3%A7a-tramitar-a-proposta-popular-para-o-plano-diretor
3https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/27_08_2015_9.27.58.f256adc2f8bf21d6481e39eb1b350a0d.pdf
4https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/27_08_2015_9.29.14.c3710d2cf5fa7cfe35cdf4f44eabe825.pdf
5https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/27_08_2015_9.30.19.2d57c5303b800097ab78796419b761af.pdf

 

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