Por Elissandro Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.
O capitalismo vendeu e vende a ilusão de que é possível ter e trocar de carro todo ano, possuir uma casa na praia, outra na cidade e, quem sabe, até uma moradia na serra, de que dá para fazer aquela viagem de cruzeiro a cada dois anos, de que é viável ter uma TV em cada cômodo da residência, trocar os móveis anualmente, comprar e consumir tudo o que se desejar, mesmo que o produto não seja uma necessidade. Essa promessa vendida não é para todos, mas todos a compram. Triste realidade!
O que sistema capitalista não mostra é que tudo isso tem um preço e, quase sempre, o valor é alto – o da destruição ambiental e aniquilamento da possibilidade de futuro o maior de todos.
Enrique Leff no livro “Racionalidade ambiental” nos mostra que no modelo capital tudo parecia que ia bem, até que a questão ambiental veio à tona. Segundo ele, a crise ambiental foi o grande desmancha-prazeres na comemoração do triunfo do desenvolvimento, expressando uma das falhas mais profundas do modelo civilizatório da modernidade. Que a economia, a ciência da produção e distribuição, mostrou seu rosto oculto no disfarce de sua racionalidade contra a natura. O caráter expansivo e acumulativo do processo econômico suplantou o princípio de escassez que funda a economia, gerando uma escassez absoluta, traduzindo-se em um processo de degradação global dos recursos naturais e serviços ambientais.
Esse modelo de esfacelamento da vida leva a sério o carpe diem do explorar tudo no agora, no instante, incutindo no homem a percepção de que se tudo é efêmero, que se viva tudo intensamente, sem pensar nas gerações futuras. Tudo isso prova que o bicho homem, desligado da natureza após o nascimento da ciência que, infelizmente, mesmo em pleno século XXI, continua cartesiana nas entranhas, não consegue se libertar do culto ao egocentrismo, das percepções individualistas da existência. Nessas bases se assentam o nascimento do egoísmo e tal fator é incongruente em vários aspectos, posto que esse mesmo homem que consome o planeta ao limite do impossível é o mesmo que procria.
Em países periféricos como o Brasil e em muitas nações em desenvolvimento na África, na Ásia e em outras partes da América Latina, as taxas de natalidade continuam altas, o que prova que há algo de muito esquisito, estranho e monstruoso em todo o processo. Como pode um homem que tanto procria consumir a vida no planeta negando às gerações futuras o acesso aos bens naturais que ainda existem, mas que estão à beira do precipício da extinção? Com isso, não pensem que estou isentando nações desenvolvidas da destruição ambiental, tendo em vista que não discorro sobre as taxas de natalidade naqueles rincões geopolíticos do mundo. As nações desenvolvidas, historicamente, e atualmente, continuam sim gerando misérias, pois toda a riqueza delas foi fruto da exploração das periferias do planeta, independente de terem estabilizado suas taxas de natalidade ao longo dos anos.
Todas as intempéries e misérias do mundo são culpa do capitalismo e do próprio homem, pois esse sistema é invenção desse bichinho cultural. Em meio a todo esse quadro, é interessante pontuar que o capitalismo deixa de ser mera criação e assume o posto de criador, haja vista que ele tem moldado mentalidades ao redor de todo o planeta e se mostrado indestrutível, tanto que a humanidade já não se enxerga sem ele. Dessa forma, tem-se que esse maldito sistema, indultem-me o adjetivo, é insustentável nas bases, mas, mesmo assim, os sistemas políticos e econômicos arvorados na vertente capital continuam tendo o apoio das sociedades bestiais alienadas em quase todo o planeta.
O fato é que o capitalismo entonteceu e atordoou as sociedades globais, tanto que a maioria das pessoas ao redor do mundo, principalmente, nas nações imperialistas neoliberais, vive sob o jugo do mandamento religioso do consumo como meio de preencher vazios, de desfazer decepções, de mostrar poder e de sustentar o imaginário de que tudo é possível.
Esses valores também chegaram às periferias do mundo, aos países, de forma eufêmica, em desenvolvimento, ainda que ache mais real rotulá-los de subdesenvolvidos, como o Brasil, por exemplo, que mesmo ocupando o posto de uma das maiores economias do globo, todavia segue pobre em relação aos quesitos renda per capta e distribuição de riquezas.
Em se tratando de Brasil, diferente das nações do Norte “desenvolvido”, em que a maioria alcança o poder de compra, aqui, somente parcelas se beneficiam do jogo alienado/alienador do consumo – a elite econômico-financeira, a parte mais privilegiada detentora do controle dos meios de comunicação, que, quase sempre, salvo exceções, ocupam cadeiras de decisão nos três poderes republicanos. Estes donos do poder, diferente da esmagadora maioria da sociedade, residem nos espaços mais ambientalmente sadios, promovem as próprias regalias, criam, executam e aplicam legislações. Nesse conforto todo, de suas ilhas de proteção e riqueza, dos condomínios de alto padrão, dos centros de decisão, observam, de longe, e se regozijam com a miséria socioambiental dos não privilegiados pelo bojo econômico do capitalismo canceroso.
Em países como o Brasil, quando parcelas marginalizadas sócio-histórico-economicamente começaram a participar, de alguma forma, das benesses da economia, as elites, percebendo que poderiam perder o posto de senhoras de comando, com o controle da mídia, promoveram a ignorância coletiva, entorpecendo a classe média louca por um dia alcançar o posto de elite e, até mesmo, os pobres. A bestialização foi tão grande que a maior parte da sociedade brasileira sem a dimensão global crise econômica que começou em 2008, achando que o problema era somente brasileiro, enxergando apenas a questão em âmbito interno, diante da cultura da busca por um herói salvador e criação do bode expiatório, deu força para o golpe parlamentar contra a jovem democracia de nosso país, destituindo a legítima presidenta do Brasil, Dilma Rousseff.
Os motivos para o ódio a Dilma, primeira mulher eleita para o mais alto posto do executivo tem muitas explicações e, com certeza, muitas dessas passam pelo machismo, pela homofobia, pelo fanatismo religioso, pelo neoliberalismo corrupto que se alimenta de todos esses construtos e por tantas outras questões que só ficarão evidentes nos próximos anos da história triste de retrocessos que começamos a reescrever. Aprenderemos pela dor que precisamos sair dos círculos de gritos e panelas para leituras mais profundas dos fatos, livres das amarras ideológicas capitalistas da mídia tradicional golpista no país, mas essa aprendizagem, ao que tudo parece, demorará muito. O judiciário e a mídia brasileira não estão colaborando para que enxerguemos o golpe contra todos nós.
Mas, voltando à questão do capitalismo aniquilador, é oportuno externar que o pior desse sistema é que em meio à parafernália da promessa de que todos podem se beneficiar do “DESENVOLVIMENTO”, até os segmentos sociais que não fazem parte das castas do poder, devido à ilusão de que em algum momento também se beneficiarão do processo, se tornam fieis aos propósitos do modelo capital.
Em países da América do Sul e de toda a América Latina, bem como de outras periferias do mundo, os que mais compram essas ideias e, até certo ponto, alimentam, retroalimentam e promovem a continuidade do capitalismo aniquilador da biodiversidade e, consequentemente, da própria vida humana, dado que o homem também é parte da grande teia ecossistêmica da existência, são as classes médias. Estas estão sempre em linhas tênues entre o eterno desejo da ascensão à parte gourmet societária e desespero perene de retorno à pobreza, lugares dos quais saíram devido a governos progressistas que ganharam algum espaço, mas que estão sucumbindo em várias partes da América Latina e do mundo, muitas vezes com o apoio dos que chegaram às classes médias. Isso está ocorrendo não somente no Brasil, mas na Argentina, na Bolívia, no Chile e em tantos outros países.
Enfim, o capitalismo conquistou adeptos ferrenhos e fanáticos por todo o planeta. Poucas nações e sociedades escapam a essa lógica – duas, três ou quatro, no máximo, se desvencilham dessa conjunção de vida e equívoco sistema. Cuba, Bolívia, Venezuela e Butão, talvez, sejam os grandes exemplos de fuga ao capitalismo.
Para se promover nas arquiteturas mentais, políticas e econômicas, o modelo capital vendeu a ideia de desenvolvimento a todo custo e na atualidade maquia-se de ético, pintando-se de verde, de sustentável, mas tudo não passa de fantasia e falácia, dado que é impossível haver sustentabilidade onde a competição pela vida é o imperativo. Ou seja, tenta seguir firme e forte para destruir o restante do planeta.
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