Caos na Saúde piora. Prefeitos pedem saída de Pazuello

Confederação Nacional de Municípios denuncia: ministro não entrega vacinas, não dá prazos e não dialoga. Cepas amazonense e britânica do vírus podem espalhar-se pelo país. E mais: A Europa cogita (enfim) confinamentos

Foto: reprodução

Por Raquel Torres.

Apelo por saída 

A Confederação Nacional dos Municípios publicou ontem uma nota pedindo a saída do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. O texto diz que a troca do comando é “necessária, urgente e inevitável” por conta do fiasco da vacinação: “A pasta tem reiteradamente ignorado os prefeitos do Brasil, com uma total inexistência de diálogo. Seu comando não acreditou na vacinação como saída para a crise e não realizou o planejamento necessário para a aquisição de vacinas. Todas as iniciativas adotadas até aqui foram realizadas apenas como reação à pressão política e social, sem qualquer cronograma de distribuição para estados e municípios. Com uma postura passiva, a atual gestão não atende à expectativa da Federação brasileira, a qual deveria ter liderado, frustrando assim a população do país”.

A entidade, que reúne 5,2 mil municípios, diz que vários prefeitos precisaram ou vão precisar suspender suas campanhas de imunização porque as doses acabaram – isso já foi relatado em Salvador, Porto Alegre e em cidades do Rio de Janeiro e do Mato Grosso. Mas salientamos, mais uma vez, que o cenário geral é de lentidão para a aplicação das vacinas disponíveis: 11,1 milhões de doses foram distribuídas a estados e municípios, mas só 5,5 milhões foram usadas. Os gestores têm dito que a escassez justifica a lentidão, mas faz muito mais sentido esgotar rapidamente as doses do que racioná-las.

Também ontem a Frente Nacional de Prefeitos (que representa 412 cidades com mais de 80 mil habitantes) se posicionou sobre a falta de imunizantes, exigindo um cronograma de prazos e metas por parte do governo federal e reclamando da falta de diálogo: “A FNP solicitou, no dia 14 de janeiro, em reunião entre o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e mais de 130 governantes das médias e grandes cidades do país, encontros para o acompanhamento das imunizações no país. Na ocasião, ficou acordado que a cada 10 dias o ministro se reuniria com a comissão de prefeitos. Desde então, passados mais de 30 dias, nenhum agendamento foi feito”, diz a nota.

Nesse cenário de (previsível) crise do abastecimento de imunizantes, o Ministério formalizou a compra de mais 54 milhões de doses da CoronaVac. Junto com as 46 milhões já contratadas, chega-se ao total de 100 milhões. Isso não significa, porém, a produção e distribuição imediatas. Afinal, o Brasil ainda depende da importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo.

Trancos e barrancos

A pressão sobre Pazuello vem por todos os lados. Hoje ele deve se reunir com governadores, com a entrega de vacinas encabeçando a pauta. O encontro foi pedido há duas semanas, no fim de janeiro.

Na segunda, o ministro do STF Ricardo Lewandowski autorizou novas diligências no inquérito sobre a atuação de Pazuello no colapso da saúde em Manaus. A Polícia Federal vai acessar a troca de e-mails entre o Ministério e as secretarias de saúde do Amazonas e da capital, depoimentos da White Martins (que fornece cilindros de oxigênio) e ainda o levantamento de gastos para compra e distribuição de hidroxicloroquina e testes para diagnóstico do coronavírus. Além disso, os desenvolvedores do TrateCOV – aplicativo do Ministério que indicava o ‘kit-covid’ indiscriminadamente – deverão ser identificados e ter depoimentos colhidos.

Enquanto isso, o pedido de abertura de uma CPI para investigar as ações do governo federal na pandemia segue esperando um desfecho no Senado. Na Câmara, a comissão externa de combate à covid-19 vai convidar Pazuello para falar de suas ações, em data ainda a ser agendada. E os deputados devem votar amanhã a MP 1026 que libera a compra de vacinas sem a análise técnica da Anvisa – uma solução política atabalhoada que permitiria o uso no Brasil de imunizantes como a Covaxin, aprovada atualmente na Índia sem dados de eficácia e segurança.

A defesa

A reação de Pazuello tem sido mentir (como vimos no Senado) e viajar para Manaus para mostrar algum serviço, além de ampliar o envio de técnicos da pasta para apoiar gestores locais. O El País conversou com funcionários anônimos do Ministério que dão uma ideia de como essas viagens têm sido coisa para inglês ver, acontecendo “sem missões claras e coordenadas”:

“Um deles contouque técnicos estão sendo convocados para viajarem e só então verem com os gestores locais como poderiam ajudar no enfrentamento à crise. ‘Não tem um planejamento prévio do que se vai fazer lá. Uma colega enfermeira que trabalha com gestão contou que foi perguntada no Amazonas se ela poderia ajudar no hospital’, diz. Outro funcionário, que foi convocado para viajar, disse que o clima internamente já era tenso, mas piorou a partir da investigação. ‘A polêmica em relação a estas viagens é que foram decorrentes do inquérito. As viagens não têm plano. Servidores e até bolsistas são escalados de um dia pro outro. Há uma exigência equivocada de uma participação de pessoas de cada secretaria independentemente se têm relação com o problema a ser resolvido’, critica”.

É para se preocupar

Ainda em meados de janeiro dissemos por aqui que naquela altura a P.1 (linhagem identificada primeiro em Manaus) provavelmente já estava em vários estados brasileiros. Seu espalhamento era previsível – ela começou a circular no país provavelmente em outubro/novembro do ano passado e nada foi feito para bloquear o conta?io nas cidades onde foi detectada. Ainda não foi comprovado se a P.1 é mais letal ou mais transmissível, mas há evidências que apontam para seu potencial de escapar da imunidade produzida por infecções anteriores – ou seja, de reinfectar mais. Além disso, ela tem mutações semelhantes às da B.1.351, identificada na África do Sul, que reduz a eficácia de algumas vacinas.

O estado de São Paulo já registrou pelo menos 25 pacientes com ela até a segunda-feira, sendo que 16 não haviam estado no Amazonas nem em contato com ninguém que viajou para a região. A transmissão é comunitária. Entre os infectados, a maior parte está em Araraquara (12) e na capital (9). Também foram identificados sete casos com a B.1.1.7 (que levou o Reino Unido a um longo confinamento), todos em São Paulo e Sorocaba. Vale pontuar que esses números provavelmente subestimam a realidade: além de não identificarmos todas as infecções, poucas amostras passam pelo sequenciamento genético que permite saber qual variante está por trás de cada infecção.

Em Araraquara, todos os casos são autóctones, ou seja, de contaminação local. A cidade de 240 mil habitantes já estava na fase vermelha do Plano São Paulo, a mais restritiva. Mas foi além e começou na segunda um lockdown que deve se estender por 15 dias – só serviços essenciais estão abertos, e quem sair de casa precisa justificar, com documentos, o motivo. O município foi considerado um modelo durante a primeira onda, por conta dos testes em massa (a média de exames PCR realizados é quatro vezes superior à nacional, como aponta o Nexo). Desde janeiro, porém, há recordes de hospitalizações e mortes. O prefeito Edinho Silva afirma que as festas de fim de ano devem ter aumentado a contaminação, mas suspeita que a nova variante pode ter um papel nisso. Seja qual for o motivo, a cidade estava ontem com 100% dos leitos de UTI e enfermaria para covid-19 ocupados; 16 pacientes que precisavam de oxigênio aguardavam uma vaga pela manhã.

A capital do estado, onde entra e sai gente do país inteiro, não fechou nada. Por lá, só um dos casos identificados até agora foi de transmissão local.

A propósito: no resto do mundo, boa parte dos países continua muito preocupada com a de novas linhagens, com razão. Na Europa, as curvas de contágio em geral estão caindo por conta dos bloqueios, mas a disseminação das variantes acontece num ritmo bem maior do que o da lenta distribuição das vacinas. Para contê-las, o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças recomendou que os países lancem mão de confinamentos e outras medidas de redução de contágio. O órgão diz, porém, que escolas só devem ser fechadas em último caso e que, se isso precisar ser feito, que se comece pelas turmas mais velhas.

Sob nova direção

A partir do dia 1o de março, Ngozi Okonjo-Iweala vai ser a primeira mulher e a primeira africana a se tornar diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em uma coletiva de imprensa pouco após a eleição, a ex-ministra das Finanças da Nigéria disse que suas prioridades serão a crise climática e a distribução equitativa de vacinas contra o novo coronavírus.

Ela já havia se pronunciado em várias ocasiões sobre a necessidade de levar imunizantes ao mundo todo – na semana passada, afirmou que o acesso às ferramentas necessárias para conter a pandemia não era apenas um imperativo moral, mas também estratégico e econômico.

Mas isso não significa que Okonjo-Iweala vá tomar partido em favor da quebra temporária de patentes, na discussão que acontece na OMC. Até o fim do ano passado, ela presidiu a GAVI Alliance (que co-lidera a Covax Facility junto com a OMS) e apoia uma saída pelo mercado para garantir uma distribuição mais justa. “Ela nos disse em uma entrevista em julho: ‘Estamos dizendo que precisamos levar essas vacinas a todos a preços acessíveis, [mas] como protegemos a propriedade intelectual, por que sem isso você não terá a inovação e a pesquisa?’ As conversas entre Okonjo-Iweala e Índia / África do Sul podem ficar um pouco picantes”, escreveu, no ano passado, um editor do Financial Times. 

Tudo OK

Como previsto, na segunda-feira a OMS incluiu a vacina de Oxford/AstraZeneca em sua lista de uso emergencial. Com isso, o imunizante pode começar a ser distribuído para dezenas de países via Covax Facility. Ao Brasil caberão cerca de 10 milhões de doses, sendo apenas 1,6 milhão neste trimestre.

As doses serão insuficientes, mas mas possibilitam que várias nações finalmente comecem suas campanhas. Hoje, pelo menos 40 países africanos estão lutando com uma segunda onda, e na África Meridional a  B.1.351 se espalha rapidamente.

A África do Sul decidiu realmente não utilizar o imunizante da AstraZeneca, e vai doar as doses que já recebeu para a União Africana. A ideia inicial era aplicá-lo em 100 mil pessoas para acompanhar o resultado mas, em vez disso, as autoridades optaram por se concentrar na vacina da Janssen, que já se mostrou eficaz para a linhagem que domina o país atualmente. Os primeiros profissionais de saúde serão vacinados hoje.

Falta tudo

O lobby da União Química para conseguir a autorização para o uso da Sputnik V no Brasil, bem como o aval para sua produção, parece ter ter chegado a um beco sem saída, segundo uma reportagem da Folha. Para aprovar a vacina em si, a Anvisa diz que faltam documentos básicos, como os dados dos estudos clínicos de fase 3. Os resultados dessa etapa foram publicados, como sabemos, mas não com os dados completos, que em tese precisam ser entregues às agências reguladoras.

Esse “problema” pode ser contornado com as Medidas Provisórias que acabam com a necessidade de análise técnica da Anvisa para imunizantes aprovados pela Rússia. Mas tem ainda a questão da fabricação das doses pela União Química – a promessa da empresa, que não tem nenhuma experiência no ramo de imunizantes, é a de produzir ao menos 150 milhões de doses. Para isso, precisa obviamente apresentar uma solicitação formal à Anvisa, que deve avaliar as instalações. Segundo a matéria, a empresa não fez o pedido porque antes precisa concluir as “adequações necessárias da área de produção”. E isso ainda não aconteceu.

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