A legalização de terras apropriadas indevidamente de pequenos produtores e indígenas ocorre a partir do preenchimento da autodeclaração de propriedade por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
No Pará, o Greenpeace Brasil identificou 223 cadastros ambientais rurais emitidos pelo governo dentro da terra indígena Ituna-Itatá. As fazendas de criação de gado já ocupam 94% do território, aponta a ONG.
Reportagem do Fantástico, citada por deputados em plenário, identificou o fazendeiro Lazir Soares de Castro, dono das fazendas Mãe Rainha e a Maguari, com mais de 1,5 mil hectares cada uma, utilizadas na criação e comercialização de gado. Apesar de estarem situadas no coração da reserva, Castro afirmou que desconhece que ali seja uma terra indígena.
O procurador da República Júlio Araújo afirma que, de acordo com a Constituição, é nulo qualquer título de posse que incida sobre terras indígenas. “Qualquer tipo de propriedade privada ou incidência sobre aquele território não tem validade”, disse. Para o Ministério Público, o CAR passou a ser utilizado como tentativa de legitimação de posses ilícitas.
O lobby do agronegócio
A base do governo na Câmara sustenta que o objetivo da MP é agilizar a posse de terras a pequenos produtores rurais no país e pressiona pela votação da medida antes que ela perca a validade. Para o presidente da comissão mista que analisou a MP, deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO), “se essa medida provisória caducar por falta de votação, a culpa vai ser da Câmara dos Deputados.
Essa questão de consenso, de acordo, é muito bacana, muito bonita, mas em um assunto polêmico como esse, dificilmente nós vamos ter um texto que agrade 100%”, argumentou. Mas o parlamentar pouco falou em pequenos produtores. “Quem está plantando o PIB é o agronegócio”, exaltou.
A MP passou de julho de 2008 para até maio de 2014 a data máxima de posse de propriedades que podem ser regularizadas. Além disso, permitiu que a regularização seja feita por autodeclaração para terras com até 15 módulos fiscais. Antes, isso valia apenas para pequenos lotes de até quatro módulos e apenas na Amazônia Legal. Dependendo da região, um módulo fiscal varia de cinco a 110 hectares.
Nos quatro primeiros meses deste ano, os alertas de desmatamento em terras indígenas da Amazônia brasileira aumentaram 59% em relação ao mesmo período de 2018. Infográfico: INPE
Para o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, as mudanças favorecem posseiros de ocasião e crimes ambientais.
“Acontece que a imagem do satélite mostra que a terra foi utilizada, foi desmatada, tem pasto, tem boi. Ela não mostra quem é que está lá. Esse é o grande problema”, alerta.
Na avaliação dele, “a grande sacada” da MP foi tirar a vistoria. “Ou seja, não tem mais um técnico do governo que vai lá olhar a área e vai ver se a área tem aptidão agrícola, se tem gente morando lá na área, se o posseiro é quem está se autodeclarando posseiro, se tem índio no local. Então, sem essa vistoria, apenas na base da autodeclaração, eles esperam regularizar milhares e milhares de pessoas”, critica.
Agostinho afirmou que a Frente Ambientalista recebeu denúncias de grilagem de 100 mil hectares que estariam sendo picotadas em lotes de 1,5 mil hectares e vendidos na internet. Ele destacou ainda os alertas de desmatamento da Amazônia, medidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que foram em número 51,45% maior entre janeiro e março em relação ao mesmo período de 2019.
A defesa dos deputados ruralistas
Para o ruralista Mosquini, a fiscalização será mais efetiva com a regularização. “Essa MP vai dar identidade às propriedades rurais, vai aparecer o dono e aí eles vão ficar inibidos de praticar o crime ambiental. Como está hoje, aí, sim, tem crime ambiental porque a terra não tem dono. Você fica à vontade para desmatar, colocar fogo porque a terra não tem dono. A terra é pública. É pública e o público não cuida da terra”, disparou.
A Terra Indígena Karipuna (RO) vem sendo rapidamente destruída pela ostensiva invasão de madeireiros e grileiros: mais de 11 mil hectares de floresta amazônica já foram destruídas
Não informado
Já o deputado gaúcho Alceu Moreira (MDB-RS), coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária, afirma que o governo demora a regularizar assentamentos antigos e existem um número gigantesco de famílias, 700 mil, que não têm título, não têm escritura pública.
O representante dos ruralistas reclamou que o Ministério Público trata como criminoso o cidadão que pediu a vistoria da sua propriedade.
“O Estado brasileiro passa anos e anos, às vezes décadas, sem fazer a vistoria. O cidadão obteve a terra pelo assentamento, portanto, por uma decisão do Estado. Aí ele tem que executar a propriedade por questão de sobrevivência e queremos tratá-lo como fora da lei”, raciocina.
Para deputado Bira do Pindaré (PSB-MA), o problema é justamente separar os que merecem a regularização dos que estão se aproveitando da flexibilização. “Isso é um ponto de consenso; os movimentos sociais defendem, os trabalhadores rurais defendem, os quilombolas defendem. Agora, qual é a nossa preocupação? São os efeitos práticos dessa medida. Nós queremos que haja uma regularização fundiária e não uma legalização da grilagem”, avalia.
O líder do PSB, deputado Alessandro Molon (RJ), criticou a inclusão da matéria em votação remota. “Essa MP vai permitir a regularização não apenas de terras públicas do Incra, mas terras públicas de todo o país. É um escândalo, é vergonhoso. É péssima a votação desta matéria neste momento”, disse. Nilto Tatto (PT-SP) afirmou que a proposta premia os desmatadores. O deputado Ricardo Barros (PP-PR), por sua vez, justificou que a medida apenas simplifica a regularização dos imóveis.
*Com Agência Câmara.