Entrevista de Rafael Oliveira, Thiago Domenici e Vasconcelo Quadros, da Agência Pública, feita com o advogado dos brigadistas presos pela polícia do Pará, em Alter do Chão, revelou que os integrantes das brigadas foram presos porque chegavam primeiro do que o Corpo de Bombeiro para apagar os incêndios.
Foram presos os brigadistas Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerver. A operação “Fogo de Sairé”, conduzida pela Delegacia Especializada em Conflitos Agrários de Santarém (DECA) e o Núcleo de Apoio à Investigação (NAI) com o apoio da Diretoria de Polícia do Interior (DPI), também cumpriu sete mandados de busca e apreensão, um deles na ONG Projeto Saúde e Alegria (PSA).
Segundo a reportagem, o advogado Wlandre Leal, que defendeu dois dos presos [Marcelo Aron e João Victor] na audiência de custódia, afirmou em entrevista à Agência Pública que os vídeos apontados pela Polícia Civil, assim como “as supostas provas”, são de combate à incêndio, publicados nas próprias redes sociais dos brigadistas. Para ele, é “plenamente justificável” que o grupo chegasse aos focos de fogo antes do Corpo de Bombeiros, já que “eles são a linha de frente de brigadistas de combate à incêndio lá na área de Alter do Chão”.
Wlandre também falou de pontos incongruentes do inquérito que levou os brigadistas a prisão preventiva. “Infelizmente, a gente não tem ainda como deduzir sobre os critérios subjetivos e interpretativos do delegado. O que a gente percebe é que a polícia está querendo dar uma resposta para a sociedade prendendo pessoas, que no nosso entender, são inocentes, pra mostrar para o Brasil e pro mundo que solucionaram mais um crime. E baseados em conjecturas e meros indícios”, afirma.
Segundo a reportagem, com base em áudios obtidos por meio de interceptação telefônica e vídeos, a Polícia Civil de Santarém (PA) prendeu preventivamente, na manhã de ontem (26), quatro integrantes da Brigada de Incêndio de Alter do Chão, ligada ao Instituto Aquífero Alter do Chão.
E continua:
Segundo a investigação, há indícios de que ONGs da região teriam provocado os incêndios que atingiram mais de 100 hectares da Área de Proteção Ambiental (APA) entre 14 e 17 de setembro com o objetivo de obter vantagens financeiras.
Em entrevista à Agência Pará, veículo oficial do governo, o delegado José Humberto de Melo Jr, diretor de Polícia do Interior, afirmou que os brigadistas possuíam informações privilegiadas dos focos de incêndio. “Eles filmavam, publicavam e depois eram acionados pelo poder público a auxiliar no controle de um incêndio que eles mesmos causavam. Toda vez alegavam surpresa ao chegar no local, mas não havia outra possibilidade lógica”, diz.
A Polícia Civil aponta o recebimento de 300 mil reais pela Brigada de Alter e a venda para uso exclusivo de 40 imagens para a ONG WWF como evidência de que o grupo de brigadistas obtinham vantagens financeiras com os incêndios que eles supostamente provocam. Ao longo de toda terça e quarta-feira, a reportagem tentou contato com a corporação mas não obteve respostas até a publicação. A audiência de custódia, realizada na manhã de quarta-feira (27), terminou com a manutenção das prisões preventivas. O juiz Alexandre Rizzi, o mesmo que decretou as prisões inicialmente, justificou a decisão pela “garantia da ordem pública” e “ante o risco de reiteração criminosa”. A preventiva será reanalisada em 10 dias, quando expira o prazo da Polícia Civil para conclusão do inquérito, diz o despacho do magistrado.
Em uma entrevista coletiva concedida ontem em Brasília, o coordenador do Projeto Saúde e Alegria (PSA), Caetano Scannavino e os deputados ligados às frentes ambientalistas e ao Fórum Permanente em Defesa da Amazônia reagiram às prisões com um misto de indignação e suspeitas de armação política. Scannavino não acredita que os rapazes tenham praticado crime.
“A acusação soa como piada, salvo se os meninos forem atores de Hollywood. Não me passa pela cabeça que possam ter ateado fogo. A polícia vai ter de provar que foram eles e não os grileiros que provocaram os incêndios”, disse Scannavino, que conhece há vários anos os quatro brigadistas. “Eles acabaram com os incêndios e foram presos. É como prender alguém que está limpando as praias sujas de óleo”, afirma. As informações repassadas pela polícia, segundo ele, são insinuações de má fé.
Desde ontem, movimentos e organizações da sociedade civil tem declarado apoio público aos brigadistas. É o caso da Associação Iwipuragã do povo Borari de Alter do Chão, do Coletivos de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós, da Anistia Internacional, WWF entre outros. O Instituto Ethos pediu às empresas que atuam pela sustentabilidade da região amazônica em parceria com ONGs a se fazerem ouvir e a se posicionarem sobre “este grave ataque as organizações da sociedade civil”. Uma campanha online de apoio também está em andamento.
O Ministério Público Federal (MPF) em Santarém (PA) enviou ofício à Polícia Civil do Pará requisitando acesso integral ao inquérito. Desde setembro, já estava em andamento na Polícia Federal um inquérito com o mesmo tema. Na investigação federal, nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil.