Por Murilo Pajolla, Brasil de Fato.
As Forças Armadas ignoraram uma solicitação formal da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que pediu mais voos para agilizar a entrega de cestas básicas na Terra Indígena Yanomami (RR). O território, cuja maior parte é acessível apenas por transporte aéreo, vive uma crise humanitária provocada pelo garimpo ilegal.
A primeira solicitação para transportar quase 5 mil cestas básicas foi feita pela presidenta substituta do órgão indigenista, Janete Carvalho, no dia 2 de fevereiro de 2023. “A presente demanda justifica-se em virtude da escassez de tempo para amplo atendimento das comunidades com os atuais recursos logísticos desta entidade”, diz o ofício da Funai.
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O segundo pedido foi assinado dez dias depois, em 10 de fevereiro, pela presidenta da Funai, Joenia Wapichana. No documento, ela afirma que as 5 mil cestas básicas “já se encontram em Boa Vista (RR)” e cita a solicitação anterior, ressaltando que “a demanda ainda aguarda atendimento”.
Os documentos são endereçados ao chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), o almirante de esquadra Renato Rodrigues de Aguiar Freire, e foram obtidos com exclusividade pelo Brasil de Fato.
Suporte logístico é “imprescindível”
Wapichana ressalta no ofício que o reforço logístico é fundamental, já que o volume de alimentos deve aumentar substancialmente. A quantidade de cestas básicas, que totalizou 105 toneladas nas últimas três semanas, saltará para 280 toneladas por mês.
A Funai forneceu às Forças Armadas um cronograma de transporte detalhado, com o número de cestas e a periodicidade de entrega à cada comunidade Yanomami.
“Dadas as condições de acesso extremamente dificultosas e o perigo de retaliação por parte de invasores”, alerta a Funai aos militares, “faz-se imprescindível o suporte logístico dessa instituição de modo a garantir a efetiva entrega dos alimentos às comunidades e à segurança dos agentes públicos envolvidos”.
O órgão indigenista diz também no documento que pretende dar “uma resposta governamental” à crise Yanomami, que “se intensificou drasticamente nos últimos anos” e “chocou a todos” após repercutir na imprensa.
“Absoluta insuficiência de aeronaves”, diz Defensoria
Após uma visita à Terra Indígena Yanomami no final de janeiro, a Defensoria Pública da União (DPU) chamou o que viu de “absoluta insuficiência do número de aeronaves disponíveis para a distribuição de alimentos e medicamentos”.
Por isso, pediu com urgência a ampliação imediata do apoio logístico, “inclusive aumentando o número de helicópteros” para atendimento na região. “Caso isso não ocorra, estaremos diante de uma tragédia sem proporções”, escreveu o órgão.
Os trechos destacados acima são de um requerimento da DPU encaminhado no dia 29 de janeiro aos ministérios da Justiça e da Defesa e assinado por cinco defensoras e defensores públicos federais. Desde então, não há registro de que o número de aeronaves tenha sido incrementado.
Cobertor curto
Embora reconheça no requerimento o “esforço” do governo federal, a DPU defendeu “maior mobilização das Forças Armadas” sem restrições orçamentárias, com o objetivo de proteger indígenas e profissionais da Funai e da Saúde, que estão sob ameaça de garimpeiros em fuga.
“Diante deste cenário de guerra, para que o Estado brasileiro consiga garantir o direito à existência dos povos indígenas que vivem na Terra Indígena Yanomami (T.I.Y) será fundamental lançar mão de toda a estrutura logística possível, sem qualquer limitação orçamentária”, prossegue o ofício da DPU.
A combinação de muitas demandas com pouco transporte resulta, conforme a DPU, em uma situação de cobertor curto. Para prestar atendimento a uma comunidade, é preciso deixar outras de fora.
É o caso da região de Auaris, no extremo oeste de Roraima, onde há um pelotão do Exército na fronteira com a Venezuela. A área é um dos focos da ação emergencial do governo federal.
“Enquanto se atendia apenas a região do Surucucu, por exemplo, lideranças das aldeias do Auaris clamavam por socorro imediato sem perspectiva de atendimento por falta de aeronaves”, disse a DPU.
Há mais helicópteros disponíveis?
A Força Aérea Brasileira (FAB) informa que alimentos e medicamentos são transportados aos Yanomami por um helicóptero (H-60 Black Hawk) e três aviões (KC-390 Millennium, C-105 Amazonas e C-98 Caravan). O segundo helicóptero empregado nas ações humanitárias pertence ao Exército.
O helicóptero H-60 Black Hawk da FAB “é a única aeronave que consegue, efetivamente, chegar às mais de 300 aldeias indígenas localizadas em Território Yanomami”, segundo uma reportagem publicada no site da Força Aérea que destaca o papel fundamental da aeronave no socorro aos indígenas.
Isso ocorre porque a maioria das pistas de pouso da região não comporta aviões de grande porte, em função das péssimas condições de conservação. Para solucionar o problema, a Funai também pediu apoio das Forças Armadas para realizar reformas em caráter emergencial. Até lá, o helicóptero da FAB segue imprescindível para acessar locais remotos.
Além do helicóptero H-60 Black Hawk em operação na terra Yanomami, a FAB tem outros 15 do mesmo modelo espalhados pelo Brasil. Em 2017, oito estavam no Sétimo Esquadrão do Oitavo Grupo de Aviação (7º/8º GAv) em Manaus (AM). Outros oito ficavam no Quinto Esquadrão do Oitavo Grupo de Aviação (5º/8º GAv) em Santa Maria (RS), segundo publicação no site da FAB.
Outro lado
A reportagem perguntou à FAB quantas aeronaves são aptas a atuar na Terra Indígena Yanomami e por que a totalidade delas não está em operação. A instituição se limitou a responder que todas as informações sobre o tema estão em notícias publicadas no site da FAB.
“Mais de 590 horas de voos já foram feitas em 20 dias de operação, contabilizando um total de 82 toneladas de carga distribuídas, entre elas mantimentos e remédios, as quais foram transportadas por militares para a Terra Yanomami. Ao longo deste tempo, foram realizados o transporte e entrega de 4.328 cestas básicas, além de ter feito 75 evacuações aeromédicas”, diz notícia no site da FAB, que não responde aos questionamentos feitos pelo Brasil de Fato.
Já o Ministério da Defesa respondeu em nota que “está empenhando todos os seus esforços, por meio das Forças Armadas, na busca da solução ao problema que atinge o povo Yanomami. Nesse sentido, a Pasta continuará analisando e atendendo as demandas apresentadas pelos órgãos envolvidos”.
Procuradas, a Funai e a DPU não informaram se os pedidos de apoio logístico às Forças Armadas foram atendidos.
Edição: Rodrigo Durão Coelho