Bom descanso. Por Guigo Ribeiro

Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.

Quando pequeno, foi devidamente orientado sobre o valor do suor:

– É preciso trabalhar duro para ter uma velhice tranquila.

Assim, entendeu a vida como a ponte necessária para o descanso da aposentadoria. Fez.
Então, satisfeito, aguardava sua senha para assinar o sonhado papel da aposentadoria.
Sentado, pensava no trajeto até aquele instante. Empregos, trabalho. Contas, débitos,
prazos. Dois empregos e extras para complementar a renda. Por certo, seguiu certinho o
ensinamento.

– Senha 1998. – atendente.

Lá foi. Cópia daqui, assina aqui. Tempo de contribuição, por onde passou.

– Enfim meu descanso. Trabalhei muito pra isso – orgulhoso.

Teve um sorriso de resposta. Mais alguns bons minutos e, enfim, o fim do
procedimento.

– Bom descanso.

Antes de levantar, olhos surpresos aos números. Dúvidas e confirmações. De mês em
mês, aquilo entraria em sua conta. Levantou sem coragem de mostrar a imensa
frustração. Pelo menos não para o atendente. Saiu.
Na rua, foi tomado pela saudade do tempo que não volta e frustração do descanso que
não seria tão descanso.

– Mas… meu Deus… ralei a vida toda pra ter sossego agora. Não vai dar! E não vai dar!

Sentiu alguma alegria por nunca ter sido demitido. Se saiu, foi via acordo e boa relação.
Estava satisfeito por ter aceito tudo com paciência. Também aprendeu a  nunca questionar quem paga o salário e isso garantia, quem sabe, portas abertas futuras. Se
daria uma semana de descanso e voltaria. Chegou ao ponto de ônibus e lembrou dos
números da aposentadoria. Não daria para nada. Planejou e errou. Como falar para a
família que não descansaria? Que teria que seguir no batente? Estava triste. Sentiu um
gosto ruim na boca. Desgosto talvez. Pensando, pensando, não via mais nada. Seus
pensamentos estavam tão altos que pouco se importou com um zum zum zum ao redor.
Teria que seguir no batente! Teria! Vê um rosto próximo ao seu:

– O senhor tá bem? Calma que a ambulância tá chegando! – uma jovem desconhecida.

Respondeu:

– Vou batente seguir. Seguir no… batente… nte…

Seu coração parava pouco a pouco. Descansou para sempre 2 horas depois.

Imagem de capa: Cefo 2014

Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

#AOutraReflexão
#SomandoVozes

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