Por Paulo Motoryn
Em dois anos e meio de gestão, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) enfraqueceu as políticas públicas esportivas no Brasil. A avaliação é de especialistas e gestores ouvidos pelo Brasil de Fato. As sucessivas trocas de comando na chefia da Secretaria Especial de Esporte são apontadas como reflexo da militarização e do aparelhamento promovidos pelo governo federal.
O órgão é responsável pelo Bolsa Atleta, programa de patrocínio individual promovido pelo Executivo desde 2005, no governo do ex-presidente Lula (PT), que responde pelo financiamento de 80% dos competidores brasileiros.
Em 14 anos, o programa distribuiu mais de R$ 1,1 bilhão, criando condições para atletas se dedicarem em competições locais, sul-americanas, pan-americanas, mundiais, olímpicas e paraolímpicas.
Em 2016, quando as Olimpíadas foram realizadas no Rio de Janeiro, 77% dos atletas receberam o benefício, considerado fundamental para que os esportistas possam se sustentar, sobretudo na fase inicial de suas carreiras.
O Bolsa Atleta está, como mostrou o site Olhar Olímpico, há 10 anos sem reajuste nos benefícios pagos. Os atletas das categorias estudantil e de base, por exemplo, antes compravam ao menos uma cesta básica e pagavam o transporte do mês com os R$ 370 oferecidos pelo governo. Hoje o valor não paga meia cesta básica em São Paulo.
A reportagem entrevistou, sob condição de anonimato, um servidor federal que atua em contato com o órgão e um especialista no tema. Também foram ouvidos os posicionamentos de congressistas que se posicionaram sobre o tema nos últimos meses.
A inexistência de um Ministério do Esporte no governo federal, já que a atual gestão extinguiu a estrutura administrativa, é um dos principais pontos de crítica. A pasta existiu entre 1995 e janeiro de 2019, quando foi incorporada ao Ministério da Cidadania por determinação de Bolsonaro.
“É possível fazer uma analogia das políticas esportivas do Bolsonaro com o que ocorreu no Ministério da Saúde durante a pandemia. É verdade que o governo boicotou o combate ao coronavírus e militarizou a pasta, mas também é certo dizer que o SUS [Sistema Único de Saúde] é uma política que se manteve firme, atendendo a população”, afirma Pedro Cavalcanti, pesquisador de políticas públicas esportivas na Universidade de São Paulo (USP).
“No caso do esporte, o Bolsa Atleta mostra um expressivo resultado na equipe olímpica brasileira, apesar do orçamento insuficiente e sem reajuste nenhum, da absurda extinção do ministério e da austeridade aplicada pelo governo no programa”, diz o historiador.
A nova Secretaria Especial do Esporte já teve três titulares. Os dois primeiros foram demitidos pela resistência em nomear pessoas indicadas por pessoas próximas ao presidente. O primeiro a comandar a pasta foi o general Marco Aurélio Costa Vieira. Ele foi exonerado após 107 dias no cargo, em abril de 2019.
À época, segundo informações publicadas pela Agência Estado, o motivo da saída era a intenção do governo de colocar à frente da pasta João Manoel Santos Souza, do Maranhão, filho do ex-senador João Alberto, que preside o MDB maranhense, mesmo partido do então ministro da Cidadania Osmar Terra. A indicação, no entanto, não se concretizou.
Em 29 de abril de 2019, Bolsonaro nomeou o general Décio Brasil como secretário especial do Esporte. Em fevereiro do ano seguinte, o militar também foi exonerado.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, Décio Brasil atribuiu sua exoneração ao fato de ter apresentado resistências à nomeação de Marcelo Magalhães ao cargo de chefe do Escritório de Governança do Legado Olímpico. Magalhães é padrinho de casamento de Flávio Bolsonaro.
“Acho que o principal motivo foi o fato de eu ter sido reticente na nomeação do Marcelo Magalhães para o escritório do Rio—Escritório de Governança do Legado Olímpico, órgão que administra o Parque Olímpico da Barra. Talvez isso tenha desagradado o presidente, porque a minha exoneração já foi junto com a nomeação dele para o meu lugar”, afirmou o general.
O próprio Magalhães foi nomeado como novo secretário especial do Esporte do governo federal ainda em fevereiro de 2020. A nomeação e a exoneração foram assinadas por Bolsonaro e por Onyx Lorenzoni, que estava chefiando o Ministério da Cidadania após a saída de Osmar Terra.
Deputados pressionam por ministério
Desde a extinção do ministério, Bolsonaro já sinalizou algumas vezes por sua reativação. A mais recente foi em janeiro de 2021, em evento com atletas no Palácio do Planalto, em Brasília. Na ocasião, citou a possibilidade de eleição de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ao comando da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente – o que ocorreu no mês seguinte.
“Se tiver o clima no parlamento, ao que tudo indica as duas pessoas que nós temos simpatia devem se eleger, não vamos ter mais uma pauta travada. A gente pode levar muita coisa avante e quem sabe até ressurgir ministérios”, disse o presidente. A promessa, como se sabe, não se concretizou e sequer foi debatida desde então.
Em junho deste ano, integrantes da recém-instalada comissão especial da Câmara dos Deputados sobre esporte retomaram o debate sobre o tema no parlamento. A presidente da comissão, a deputada Celina Leão (PP-DF), é favorável à recriação da pasta.
“A política pública do esporte não pode ser uma política de segundo escalão. Foi um retrocesso não termos um ministério. Deve ser uma política de primeira linha, tão importante quanto a infraestrutura, a saúde, quanto outros temas que são tratados pelo Executivo como mecanismo para o desenvolvimento do país”, disse a parlamentar.
O deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE) ressaltou que a existência de um Ministério do Esporte leva à criação de secretarias nos estados e nos municípios, com atenção específica ao setor.
“Há um discurso segundo o qual, diminuindo o número de ministérios, você economiza. Não é verdade, visto que cada ministério tem que ter alguém que responda por aquela área. Só que não tem autonomia, não tem orçamento próprio, não tem status”, declarou Calheiros.
Veto a auxílio
A gestão Bolsonaro no esporte durante a pandemia também foi duramente criticada por vetos feitos ao Projeto de Lei 2824/2020, que foi aprovado pelo Congresso Nacional para socorrer profissionais do segmento esportivo durante a pandemia.
O texto da proposta previa, entre outras coisas, a liberação de um auxílio emergencial com três parcelas no valor de R$ 600 para atletas e outros trabalhadores da área que estejam passando por dificuldades.
Da redação do PL 2824/2020 feita no Congresso, o chefe do Executivo retirou ainda pontos como o aumento de 1% para 2% do limite de dedução exigido para doações e patrocínios relacionados à Lei de Incentivo ao Esporte.
O presidente também vetou um artigo que reativava o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol (Profut), criado em 2015 para permitir a renegociação de dívidas de clubes esportivos com a União. O governo disse que a proposta era “inviável” e não traria o “desafogo financeiro esperado” pelas entidades.
Leia mais:
Indústria e a geopolítica do atraso. Por José Álvaro Cardoso