Bolsonaro é apontado como o pior gestor da pandemia no mundo. Saiba por quê

“Líderes põem vidas em riscos minimizando o coronavírus. Bolsonaro é o pior”, diz o editorial do Washington Post

A imprensa do Brasil e de outros países repercute com força o editorial do jornal The Washington Post que apontou Jair Bolsonaro como o pior gestor da pandemia de covid-19 no mundo.

O prestígio da publicação é uma das razões para tamanho destaque. Um dos veículos (ainda) impressos de maior credibilidade dos Estados Unidos, tem 143 anos de história e 47 Pulitzers, que é o prêmio mais importante do jornalismo estadunidense. E entrou em 2013 numa fase particularmente feliz, de forte investimento no jornalismo de qualidade, ao ser comprado por Jeff Bezos, o dono da Amazon.

Já no título o editorial – publicado ontem (quarta, 14) – coloca o presidente brasileiro no lugar onde, na avaliação do jornal, ele deve estar: “Líderes põem vidas em riscos minimizando o coronavírus. Bolsonaro é o pior” (em inglês: Leaders risk lives by minimizing the coronavirus. Bolsonaro is the worst).

Seguem os principais trechos do editorial e, ao final, uma breve explicação complementar (os links são por conta do jornalista acima assinado):

“O novo coronavírus, que já infectou pelo menos 1,8 milhão de pessoas em 185 países, tornou-se um teste global da qualidade da governança”. 

“Os melhores desempenhos até agora incluem Nova Zelândia, Taiwan, Coréia do Sul e Alemanha, que conseguiram reduzir bastante infecções e mortes por meio de testes, rastreamento de contatos e isolamento social”.

“Os governantes da Bielorrússia, do Turquemenistão, da Nicarágua e do Brasil negaram a seriedade do vírus. (…) Bielorrússia e Nicarágua ainda estão realizando jogos esportivos profissionais. Na Bielorrússia, Alexander Lukashenko aconselhou as pessoas a evitarem a covid-19 tomando saunas frequentes e bebendo vodka. O caso do ditador nicaraguense Daniel Ortega ainda é estranho: ele não é visto nem ouvido em público há um mês”.

“O caso mais grave de improbidade é o do presidente brasileiro Jair Bolsonaro. Quando as infecções começaram a se espalhar em um país de mais de 200 milhões de pessoas, o populista de direita descartou o coronavírus como “uma gripezinha” e convocou os brasileiros a “enfrentar o vírus como um homem, caramba, não um menino”. Pior, o presidente tentou repetidamente minar as medidas tomadas pelos 27 governadores do país para conter o surto”.

Bolsonaro primeiro emitiu um decreto retirando dos estados o poder de restringir o movimento de pessoas. Em seguida, tentou isentar igrejas e casas lotéricas de restrições às reuniões. Felizmente, nos dois casos, a decisão foi anulada pelos tribunais. Mas o presidente continuou a campanha contra o distanciamento social; outra ordem judicial foi necessária para interromper uma campanha publicitária que ele lançou sob um slogan em português que se traduz como “#BrazilCannotStop”.

“Governadores e o ministro da Saúde de Bolsonaro exortaram o público a desconsiderá-lo, e manifestantes em várias cidades estão batendo panelas e frigideiras de suas casas à noite em protesto. Uma pesquisa mostrou que 76% das pessoas aprovam o tratamento convencional da crise pelo ministro da Saúde, em comparação com 33% que apoiam o de Bolsonaro. Mas a ação do presidente está tendo um efeito sinistro. Em São Paulo, a maior cidade do país e o epicentro de sua epidemia, o rastreamento de celulares mostrou que apenas 50% de seus quase 13 milhões de habitantes permaneceram em casa no domingo de Páscoa”.

“O resultado previsível tem sido uma taxa crescente de doenças e mortes. Na segunda-feira, o Brasil ocupava a 14ª posição no mundo em infecções, com mais de 22 mil, e 11ª em mortes, com 1.245, segundo o site de rastreamento da Universidade Johns Hopkins. Epidemiologistas estão prevendo que o pico de infecções e mortes ainda está por vir, graças à frouxidão no distanciamento social incentivada por Bolsonaro”.

Agora, a explicação final para quem ainda não compreendeu o que se passa (ou pra você passar para quem ainda não entendeu):

Bolsonaro e seus seguidores cada vez menos numerosos apresentam a pandemia como uma questão política que oporia esquerda e direita. De um lado, segundo eles, estaria a esquerda, aproveitando um vírus comunista criado pela China para golpear São Bolsonaro e seu maravilhoso governo, boicotado pelos corruptos do Congresso, pela “Globolixo”, pelo Supremo Tribunal Federal e por um infindável número de maus brasileiros.

Post da atriz Fernanda Paes Leme, que já se recuperou da covid-19

Do outro, reproduz sem parar a máquina de boatos bolsonarista, o presidente e seus apoiadores difundiriam o caminho, a verdade e a vida. Qual seja: trata-se de (1) um problema menor, (2) facilmente contornável usando a cloroquina, e que (3) não exige medidas de distanciamento social, as quais só (4) desviam o país daquilo que deveria ser a sua prioridade – a volta da economia à normalidade.

São quatro premissas falsas. (1) A pandemia é gravíssima e só encontra paralelo com a gripe espanhola. (2) A cloroquina pode ser útil em alguns casos específicos sim, desde que ministrada com cuidado por equipes médicas com grande conhecimento do assunto. Mas o seu uso não pode ser generalizado, por trazer risco de morte para alguns pacientes (como aqueles com propensão a doenças cardiovasculares, por exemplo). (3) O isolamento social é imprescindível, e Estados Unidos e outros países pagam um preço alto por terem demorado a fazê-lo. (4) Até sob o aspecto econômico, salvar vidas deve ser prioridade total e absoluta neste momento.

Por fim, é uma estupidez completa dizer que o tema opõe, fundamentalmente, esquerda e direita. As diversas correntes de esquerda e de direita se batem sempre, em torno de qualquer assunto, e agora não é diferente.

Mas a grande divisão que há agora é entre…

Civilização – o que tem a ver com ciência, jornalismo profissional, respeito às instituições da democracia(Parlamento, Judiciário, mídia etc.) e aprendizado com a história e com a experiência concreta. Estão nessa linha a OMS, o Ministério da Saúde, as universidades, quase todo o Congresso, as empresas mais produtivas e dinâmicas do planeta, governadores, prefeitos e praticamente todos os chefes de governo do mundo.

Barbárie – o que tem a ver com fanatismo, cegueira ideológica, crendices, notícias falsas, defesa de ditadura e uso criminoso dos meios de comunicação e de canais digitais para propagar mentiras em tempo de pandemia. Estão nessa vibe apenas Bolsonaro e seus seguidores mais desinformados ou menos preocupados em preservar vidas humanas. Um desafio é saber em qual dessas duas situações se encontra Silas Malafaia, hoje influente porta-voz do discurso anti-ciência e anti-isolamento social.

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