Por Vanessa Lippelt.
Na Berlim de 1931, a doce voz de um jovem alemão, adolescente ainda, irrompe entoando a canção “O amanhã pertence a mim” cujos versos dizem “o sol no prado é quente de verão | O cervo na floresta corre livre | Mas reúnam-se para saudar a tempestade | O amanhã pertence a mim”. A câmera desce lentamente do rosto pueril em direção ao braço do rapaz que enverga uma braçadeira onde, subitamente, surge a suástica. A partir de então, a canção evolui, tornando-se vigorosa, furiosa, com outros jovens e adultos se juntando ao, outrora, adorável adolescente que ergue o braço adiante em saudação nazista.
A cena acima, parte do musical Cabaret, de 1973, dirigido por Bob Fosse, retrata como o nazismo aliciou o espírito inocente de jovens alemães e perverteu-os, através do Deutsches Jungvolk e da Juventude Hitlerista, em soldados assassinos cujas almas foram arrebatadas por Hitler. O ultranacionalismo deveria ter seu futuro assegurado através da doutrinação de crianças e adolescentes, afinal, o amanhã pertence aos jovens. “Agora pátria, pátria, mostre-nos o sinal, seus filhos esperaram para ver.”
Brasília, tarde de domingo, 29 de maio de 2022. Em uma sala de aula da Faculdade LS, no Pistão Sul, em Taguatinga, duas simpáticas jovens fardadas, ao lado de um poster no qual se lê Academia Militar Mirim, recepcionam pais selecionados via Whatsapp para conhecer o curso. A imagem no cartaz mostra uma menina, por volta dos seus seis anos, trajando um uniforme militar verde oliva e um boné camuflado. A tal academia promete ensinar às crianças de cinco a 15 anos valores como hierarquia, disciplina, respeito a símbolos nacionais, valorização da família, ordem unida, ética e civismo. Entre as aulas de cunho conservador e nacionalista, também promete-se abordar português e matemática, boas maneiras, palestras sobre trânsito, dentre outros tópicos. Tudo distribuído em aulas semanais aos sábados, com duração de duas horas, ao longo de seis meses pelo valor de R$ 150 de mensalidade e R$ 105 pelo uniforme.
Desde a ascensão de Bolsonaro à presidência da República, cursos militares e paramilitares para crianças e adolescentes, com foco no ultranacionalismo, travestidos de escolas preparatórias para o ingresso no Exército, Marinha e Aeronáutica, têm pipocado em todo o país. Mais recentemente a Força Pré-Militar Brasileira, conhecida como Fope, e a Academia Militar Mirim, têm expandido a sua atuação por vários estados, onde realizam seletivas para arregimentar novos alunos. Curiosamente, as “escolas” são dirigidas por pessoas sem formação militar, porém próximas a militares da reserva e políticos bolsonaristas, que não escondem seu alinhamento com o atual governo. Em uma delas, inclusive, crianças e jovens aparecem em treinamentos portando simulacros de armas de fogo.
A Academia Militar Mirim afirma não ter nenhum vínculo político-partidário em entrevista ao Congresso em Foco. “A iniciativa é 100% privada e também não temos nenhuma ideologia política que seja aplicada durante o curso”, afirma Maurício Almeida, que aparece como o dono do CNPJ da Pem Cursos e Treinamentos, responsável pelo curso paramilitar voltado às crianças.
Em vídeos disponibilizados na internet, porém, é possível assistir às crianças, alunas da Academia Militar Mirim, encerrando suas atividades com o brado nacionalista “Brasil Acima de Tudo”, usado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus simpatizantes. “Esse é um grito originalmente do meio militar. Nossos professores são militares da reserva”, apressou-se em explicar Maurício. “Não foi ele [Bolsonaro] quem inventou o lema. Ele apenas usou na campanha.”
De fato, o lema usado pelos bolsonaristas foi criado pela Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército no final dos anos 60, em meio à ditadura militar no Brasil, logo após a instituição do Ato Institucional número 5, o AI-5, curiosamente inspirado no brado nazista Alemanha Acima de Tudo.
Além de Maurício, os irmãos Perth José Passagli e Walter Passagli também fazem parte do grupo que criou a Academia Militar Mirim. Perth e Walter, inclusive, já tentaram carreira política em Suzano, no interior de São Paulo, sem sucesso. O primeiro concorreu a vereador em 2012 pelo PMDB, e Walter, também a vereador em 2016, pelo PR.
É de uma empresa de Perth, a PJP Cursos e Treinamentos, a propriedade do domínio do site da Academia Militar Mirim, criado em 12 de agosto de 2021, conforme aponta o diretório Whois.
Walter Passagli, que é apoiador do presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais, atua de maneira mais operacional, participando das “seletivas” para novos alunos da academia militar para crianças. Ele estava presente na reunião com os pais, realizada na Faculdade LS, em Taguatinga, no último domingo (29), na qual a reportagem do Congresso em Foco esteve presente.
Ao final da apresentação e do pitch de vendas, coube a Walter encaminhar as famílias para assinarem contrato com a academia, principalmente aqueles que queriam pagar o total de R$ 900, com direito a 30% de desconto, via cartão de crédito. De posse de uma maquininha amarela do Pagseguro, com o seu próprio nome escrito à mão numa etiqueta de fita crepe, Walter ia de família em família, recebendo o pagamento. Se fosse no débito, a margem de desconto aumentava.
Aos três parceiros, Mauricio e os irmãos Passagli, junta-se a consultoria do Coronel Costa Júnior, da Polícia Militar de São Paulo. Em seu perfil no Facebook, o militar faz postagens apoiando o presidente Jair Bolsonaro, aos atos antidemocráticos do 7 de Setembro, contra o lockdown e as vacinas. Em 2020, concorreu às eleições para prefeito de Mogi Guaçu (SP) pelo PRTB, partido que faz parte da base bolsonarista.
“Na criação do projeto, ele [Coronel Costa] nos deu orientações pedagógicas, mas ele não tem ligação direta com o projeto”, limitou-se a dizer Maurício sobre a possível participação do militar na sociedade, que é amigo do ex-ministro da Infraestrutura e atual pré-candidato ao governo de São Paulo, o bolsonarista Tarcísio Gomes de Freitas.
Disciplina
“O que é a disciplina para você? Aqui o instrutor e a instrutora não podem ser chamados de tio e tia. Aqui é senhor e senhora”, explica o divulgador, um homem moreno, na casa dos seus 40 anos, a cerca de 20 pessoas sentadas em cadeiras escolares. “Todos os sábados nós vamos cantar o Hino Nacional brasileiro, vamos marchar, vamos dar gritos de guerra e todos estarão uniformizados com a blusa preta, a calça camuflada e o boné. O uniforme é obrigatório para termos disciplina.”
A presença dos pais às aulas, de acordo com o membro da Academia Militar Mirim, porém, parece ser empecilho para a tal disciplina.
“As primeiras oito aulas são importantíssimas e a gente pede que vocês deixem seus filhos com a gente. Você não vai poder participar porque a disciplina em 90% dos casos não combina com pai e mãe. Vai dar uma volta, vai ao shopping passear. Não apareçam pelo menos nessas primeiras oito aulas!”, dispara o homem durante a reunião com os pais realizada no dia 29 a qual o Congresso em Foco presenciou.
Ao ser questionado sobre a razão do impedimento aos pais de acompanharem as aulas dos filhos, Maurício disse desconhecer essa orientação feita pelo divulgador aos pais na reunião realizada na Faculdade LS.
“Eles não são impedidos de acompanhar nas oito primeiras aulas, nós recomendamos que não o façam, para que a criança consiga se soltar mais, absorver melhor os aprendizados iniciais que são de extrema importância disciplinar”, contesta Maurício, que pergunta à reportagem qual era o nome do divulgador que teria dito isso em sala de aula.
As aulas da Academia Militar Mirim em Brasília devem começar no dia 4 de junho e serão ministradas na Universidade Católica de Brasília (UCB). Em nota ao Congresso em Foco, a UCB não confirmou a realização do evento no local, limitando-se a dizer que foi procurada para locação do espaço.
“A Universidade Católica de Brasília foi procurada para locar seu espaço, porém informamos que não há nenhum contrato assinado para realização do referido curso nas instalações da instituição”, diz o comunicado. “O contrato está sob análise do setor jurídico da instituição. Esse é um procedimento operacional padrão para todas as demandas que envolvem parcerias e contratos.”
Faca na caveira e arma na mão
“A pele do inimigo eu pus no mastro da bandeira, por isso sou chamado faca na caveira.”
Esse é um trecho de uma das 24 canções para treinamento físico militar (TFM) que soaria normal aos ouvidos de qualquer um se entoado por militares adultos. Mas a música em questão, que exalta a aniquilação do inimigo, consta da apostila do recruta pré-militar da Força Pré-Militar Brasileira que é fornecida para seus alunos de 6 a 24 anos.
No manual, disponível na internet, é possível ver que a Força Pré-Militar Brasileira apresenta uma hierarquia dentro da escola emulando uma instituição militar de fato. Há o comandante pré-militar, o 1º oficial pré-militar, 2º oficial pré-militar, suboficial pré-militar, 1º sargento pré-militar, 2º sargento pré-militar, 3º sargento pré-militar, cabo pré-militar, soldado pré-militar, aluno pré-militar, e por último, o recruta pré-militar.
Também tal e qual uma unidade militar, existe o grupamento que é a divisão da qual o aluno faz parte, normalmente dividido conforme as idades em: Águia, Leões e Dragões. As alunas de diversas idades, juntas, formam o grupamento Pantera. Existe também a patrulha, que é subdivisão dos grupamentos, sob o comando de um dos alunos. Na Fope os alunos são chamados pelos seus nomes de guerra que é a utilização de um de seus nomes ou sobrenomes como seu chamamento principal. Igual a um quartel, os alunos também usam uniformes de uso obrigatório compostos por boinas, camiseta preta com a logo de uma caveira além de calça camuflada. O coturno parece ser opcional.
No dicionário, paramilitar é o que possui características de uma força militar, que tem a estrutura e a organização de um exército, sem sê-lo. Diz também de organizações fardadas e armadas, sem que pertençam às forças militares regulares.
Basta uma visita à página do Facebook da Fope para que se encontrem várias fotos de crianças e jovens portando simulacros de armas de fogo, emulando operações militares, sob os olhares de instrutores fardados. Jovens segurando pistolas, crianças com simulacros de fuzis, fardados com o uniforme do Fope. Tudo na internet.
“Uma dica para não se confundir. Grupos paramilitares são grupos de guerrilha. São ilegais e extremamente violentos. Você está buscando informações de uma instituição de ensino pré-militar. É como um pré-vestibular, porém com foco nos concursos das forças armadas e auxiliares”, explica o atendimento via Whatsapp da Fope Nacional. “Confundir paramilitar com pré-militar é o mesmo que confundir tráfego com tráfico.”
Entretanto, ao ser questionado se o uso de simulacros de armas pelos alunos da Força Pré-Militar Brasileira não faria da Fope uma escola paramilitar, o atendente se negou a responder.
“Você pediu o contato do Daniel Moretto e eu já já lhe passei. Deixarei vc tratar com o Moretto!”, encerrou a conversa referindo-se a Daniel Majone Maretto que não é militar nem da ativa, nem reformado.
O autointitulado comandante Moretto foi contatado pelo telefone às 11h36 da manhã desta terça-feira (31) e informou que estaria viajando. Nesta quarta-feira, o “comandante” do Fope disse desconhecer o uso de simulacros de armas por crianças e adolescentes alunos da Força Pré-Militar Brasileira, mesmo com farto material publicado nas redes sociais da própria instituição.
“Não tenho conhecimento do uso de simulacros na nossa instituição. Até porque em nosso manual de franquia traz de forma expressa a proibição de uso de qualquer similar de arma de fogo em nossas atividades. Não estimulamos o uso de armas.”, tergiversou o empresário que diz ser formado em Administração e cursando Pedagogia. Porém, sem nenhuma formação militar.
Confrontado com as imagens postadas no Facebook da Fope, nas quais crianças e adolescentes portam simulacros de armas sem nenhum constrangimento, Moretto mudou o discurso.
“Destas fotos acima eu só tinha conhecimento de duas delas. […] Uma é de um evento público, uma exposição da Polícia Militar, se eu não me engano em um shopping. Eu não estava presente. O que me foi informado é que este equipamento seria de Airsoft. […]Se trata de atividade extra classe, em campo de airsoft e paintball, que são considerados esportes. Inclusive é uma foto bem antiga. Não há treinamento de combate, mas sim uma prática divertida de trabalho em equipe promovida por esse esporte. As demais fotos realmente não tinha conhecimento. Vou verificar com os franqueados. ”
As fotos publicadas nesta reportagem foram postadas nas redes sociais da Frente Pré-Militar Brasileira em 2021.
Questionado sobre o valor pedagógico de uso de simulacros de armas pelas crianças e adolescentes pela Fope Moretto não não respondeu.
Na página do Facebook, o Fope diz estar presente em mais de 120 cidades, com mais de 15 mil alunos formados. Afirma ainda que oferece “preparação completa (teórica, prática e física), com aulas presenciais e uma plataforma com inteligência artificial chamada Papiro Militar”, que foi reconhecida como a plataforma pré-militar mais completa para o público infanto-juvenil que se prepara para os concursos de ingresso às escolas e carreiras militares. Sobre qual entidade reconheceu a Fope, entretanto, não há menção.
Em uma busca na Receita Federal, é possível localizar ao menos três CNPJs referentes ao Fope e a Daniel Moretto. Um deles é de um outro curso preparatório de Moretto, o A.F.E. Cursos Preparatórios, que rendeu uma prisão em flagrante do “comandante” em 2009. De acordo com reportagem do portal Globo.com à época, Moretto dava aulas num curso preparatório falso – o A.F.E – para as Forças Armadas no momento da prisão, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Daniel foi acusado de golpe de estelionato por prometer, através do seu curso, ingresso nas Forças Armadas. Cerca de trezentos jovens e adolescentes assistiam à aula no momento da prisão.
“Fui acusado e inocentado conforme o juiz falou na sentença, por provas e testemunho dos pais das supostas vítimas, quais todos falaram a nosso favor”, declarou Moretto a respeito de sua prisão.
Doutrinação ultranacionalista
“Essas academias se apropriam da estrutura de formação de escoteiros e bandeirantes, desvirtuando-a. Inclusive, ao longo do tempo, conseguiu-se neutralizar a carga militar desse tipo de ação formativa, mas isso está ressurgindo, e da pior forma: de modo doutrinário, fazendo proselitismo do pensamento e das práticas da extrema direita”, avalia Daniel Cara, doutor em Educação, mestre em Ciência Política e professor da Universidade de São Paulo (USP). “O que essas pessoas estão fazendo é trazer um conteúdo tradicionalista militar. Na prática, o que reúne tudo isso – educação domiciliar, educação cívico-militar, educação militar mirim – é o pensamento tradicionalista . Eles estão se estabelecendo de fato como uma vertente ideológica e praticamente é a única que tem trabalhado hoje em termos de disputa por hegemonia.”
O Tradicionalismo, ao qual Cara se refere, baseia-se na crença de que para o equilíbrio da sociedade há que se manter a tradição, sendo contrário às revoluções. Para os tradicionalistas, as coisas não são boas por serem antigas, mas são antigas por serem boas. Normalmente, tradicionalistas são avessos e adversários às ideias de esquerda e têm como seus mais conhecidos expoentes Olavo de Carvalho, “filósofo” dos bolsonaristas; Steve Bannon, guru de Donald Trump e Aleksandr Dugin, mentor de Putin.
Para Daniel Cara, essa vertente do tradicionalismo é muito mais carismática no sentido de que prometer a eternização de um mundo de valores, uma retomada da família, porém extremamente poderosa e perigosa.
“É assustador ver esse trabalho sobre crianças e adolescentes. No fundo, eles estão declarando guerra à sociedade à partir das crianças, inclusive. Eu achava que a gente já tinha chegado no ápice com as escolas cívico-militares, eu não imaginava que a gente ia adentrar o treinamento tradicionalista do padrão do Batalhão Azov”, diz Cara referindo-se ao batalhão ucraniano que começou como uma milícia voluntária ligada a ideologias de extrema-direita, arregimentou e doutrinou crianças e adolescentes através de acampamentos, e acabou integrado como parte formal da Guarda Nacional da Ucrânia.
Cara acredita que crianças e jovens estão sendo treinados para uma guerra cultural. “A cada dia que passa, vai se convertendo numa guerra santa. A gente acha que o Bolsonarismo se encerra nas eleições. Não vai se encerrar na eleição até porque isso é maior que o bolsonarismo, essa lógica tradicionalista. Esse é um processo de militarização estruturado da sociedade e que está pautada na ideia de aniquilação do inimigo. A sociedade é perversa e eles estão militarizando crianças e adolescentes e o resultado vai ser qual? Qual é a cabeça militar? O outro é inimigo. O resultado vai ser um recrudescimento, uma prática de violência absoluta.”
Doutor em Direito e Literatura Religiosa (UFF e USP), o professor Pietro Nardella-Dell’Ova pondera que essas instituições militarizam “almas (emocional), corpos (físico), cérebros (intelectual)”. “É um processo de unidimensionalização em ruptura com a pluridimensionalização. A promessa é de preparatório para o universo militar. Porém, a grande maioria restará na sociedade civil ,com um modus militarizado”, analisa Nardella. “Parece-me ter pontos de contato com a Deutsches Junkvolk mas, falta, ainda, uma ideologia mais precisa como o nazismo. Pode ser uma antessala daquilo. O Batalhão Azov ainda é uma incógnita, pois faz parte da base da Ucrânia, mas não é financiada pelo governo. Há, também, alguma semelhança com as escolas militarizadas do Hamas.”
Há quem faça um paralelo entre o movimento armamentista civil e militarização da sociedade. De acordo com Marcos Rolim, sociólogo, ativista dos direitos humanos e consultor em Segurança Pública, esse mercado da violência no governo Bolsonaro tem dado lucros impressionantes à indústria das armas e resultou em milhares de registros e caçadores, atiradores, colecionadores.
“Esse é um ambiente de negócios que haveria de chegar até crianças e adolescentes, como acontece há décadas nos Estados Unidos, por exemplo. No caso do Brasil, a impressão que se tem é que alguns empreendedores, vamos chamá-los assim, encontraram uma espécie de novo filão que é a venda de cursos paramilitares para crianças e adolescentes com essa promessa de oferecer disciplina, valores cívicos e coisas do tipo”, analisa Rolim, autor do livro A Formação de Jovens Violentos. “Muitas famílias estão dispostas a pagar por esses cursos e muitas crianças e adolescentes que são fascinados por armas e aventuras, também estão dispostos a participar. Então, isso mostra um mercado em expansão.”
O consultor em Segurança Pública critica o modelo de educação militar aplicado às crianças e adolescentes em cursos paramilitares, defendendo a educação através de ambientes reflexivos.
“A ordem unida é um procedimento típico de formação militar que prepara para a guerra. A guerra é um tipo de situação em que não há nenhum tipo de possibilidade de pensamento, de resposta de quem está subordinado a uma hierarquia. É preciso que se cumpram ordens numa guerra”, pondera o sociólogo. “Essa não é uma situação que se exige de uma criança e de um adolescente pelo contrário. A disciplina que eles têm que desenvolver não pode ser através de uma imposição de uma ordem militar. Quem pensa assim está apostando numa educação que tende a naturalizar a violência, e não rejeitar a violência.”
Marcos Rolim questiona, ainda, quando é que os valores militares, que são muito úteis para a guerra, se tornaram referência para educação de crianças e adolescentes. E fosse a esquerda oferecendo esse tipo de formação paramilitar?
“Essas incursões que estão em curso pelo Brasil são de bolsonaristas, são grupos de extrema-direita que estão fazendo isso. Se fosse a esquerda, o que essa turma de bolsonaristas acharia? Isso é uma coisa que não se pode tolerar. Como professor, como educador e sociólogo, eu entendo que toda formação oferecida à criança que legitime a violência é um desrespeitos aos direitos da infância e da juventude e uma ameaça muito concreta à democracia brasileira. É uma situação que os Ministérios Públicos e demais agentes políticos devem estar muito atentos para que se possa produzir um regramento no Brasil a respeito disso”, finaliza Rolim.
* Reportagem atualizada às 11h54 para publicar as declarações de Daniel Majone Moretto, da Força Pré-Militar Brasileira.