Bolsa Permanência: os estudantes erraram ao ocupar o CUn de 20 de Agosto?

    Cadernos Políticos.- Passada a semana de 19 a 23 de Agosto de 2013, dentro da qual tivemos uma polêmica reunião do Conselho Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sobre a nova resolução da Bolsa Permanência, vislumbra-se um sepulcral silêncio no âmbito das redes sociais, páginas, boletins da APUFSC, SINTUFSC e Administração Central (Reitoria) sobre a postura dos estudantes naquela sessão. Se algum leitor de imediato se perguntou durante a leitura desse primeiro parágrafo “o que aconteceu?” já temos a prova desse silêncio.

    sessao

    A sessão sobre o assunto teve início no dia 20 de Agosto de 2013, todavia, como menciona-se cordialmente na página da UFSC, esta acabou sendo “suspensa” (UFSC), e possui previsão de continuidade para o dia 27 de Agosto. Entretanto, apenas no âmbito dos canais estudantis, como ANEL Floripa, que se registram explicitamente notícias como “Estudantes impedem votação no Conselho Universitário em defesa da Bolsa Permanência”. Há que se registrar no perfil de facebook do DCE UFSC há uma convocatória de reunião mencionando “reunião interrompida” sobre a questão. E aqui é importante mencionar o que não é dito pela oficialidade: que a votação foi impedida, por um grupo de atores sociais, e que isso teve razões.

    A partir do registro de que houve um fato, um acontecimento político na UFSC, silenciado, mas evidente, o qual implicou certos resultados, sinto-me na responsabilidade de resgatar uma das raridades de pensamento lúcido no espaço medíocre do professorado universitário brasileiro. Raridade porque a postura de um pensador como esse rompe com o corporativismo de uma categoria que, em sua maioria, se limita a ser funcionário pedagógico, o qual considera que o problema da reforma universitária no Brasil trata apenas de alguns retoques estéticos no currículo, no PAD, nos fóruns internos (Conselhos, Colegiados), enquanto problemas maiores como a grande massa de jovens brasileiros excluídos da universidade não entram em suas pautas, por vezes tratando-se o assunto como “político, e não acadêmico”. Por isso, resgato aqui o falecido professor Álvaro Vieira Pinto e sua obra A Questão da Universidade, sobre a ideia de silêncio ideológico na universidade (grifos meus – C.P.):

    Não se faz mister grande acuidade para perceber que, na sociedade atual, a universidade, pelo seu simples suposto silêncio ideológico, já com isso demonstraria a sua natureza ideológica.Como representa a ideologia da classe dominante, não precisa dizê-lo aberta e frequentemente, pois mais importante do que confessá-la é praticá-la. Não acredita ser política, precisamente porque faz a política que lhe parece a única natural e, assim, lhe passa despercebida. Torna-se necessário que, de vez em quando, um grupo de estudante “indisciplinados” se levante em greve por determinado motivo, para que a alta corporação professoral assuma a atitude repressiva, e nestes breves episódios tome consciência de desempenhar efetivo papel político. Nos períodos de repouso, não havendo agitações que esmagar,acredita conservar-se equidistante das questões políticas, o que a seus olhos não constitui mérito excelso, como reforça sua convicção de praticar autêntica imparcialidade social. Vemos, assim, que a sociedade onde a legítima cultura se vai criando no tumulto das lutas sociais, na obra dos artistas populares e no pensamento dos líderes devotados ao desenvolvimento nacional, o papel que incumbe à universidade na produção e na divulgação da cultura é extremamente exíguo, quando não se dá o caso, muito frequente,  de ser negativo e hostil.

    Por que não se disse nada sobre o ocorrido nos canais da oficialidade?Ainda que fosse para fazer a defesa de que a próxima sessão do CUn deva ser fechada, mas nem isso se disse publicamente nesses canais. Por outro lado, já há alguns docentes que sinceramente expuseram por e-mail sua insatisfação com essa forma de reunião (aberta), inclusive questionando “para que ter reunião aberta?”, o que é uma preocupação legítima, todavia, considero relevante transcrever a tese (poupando o autor, uma vez que a ideia é o foco):

    Mas o mais importante: para que ter reunião “aberta”? Se as pautas são conhecidas, os representantes estão lá,  e as reuniões transmitidas pela Internet em tempo real, o que justifica isso? No meu modo de ver, só uma coisa: a possibilidade deles fazerem aquele tipo de manifestação… e com o consentimento da presidência. Não acho que democracia signifique isso.

    Considero relevante a interpretação desse raciocínio exposto com máximo de cuidado, sabendo inclusive não projetar-lhe nenhum tipo de ódio ou revolta, especialmente por sua sinceridade. Porque este é um registro que muitos docentes nessa instituição endossam, embora não tenham a mesma coragem para dizê-lo. Paradoxalmente, há nessa casa quem pense e diga que o maior problema da universidade são “os estudantes”, como nos fosse desejável uma universidade sem este “problema”. E chega até mesmo a ser curioso esse tipo de relação quando a cada formatura tecemos uma série de elogios aos recém-graduados, de que são “jovens profissionais”, “o futuro do país”.

    Expostos esses elementos, e considerando a forte possibilidade de não se abrir a próxima sessão do CUn, podemos ater-nos na pergunta se a ação dos estudantes foi errada?

    Primeiro, podemos considerar a Tradição do Conselho Universitário, de reuniões fechadas, transmitidas pela internet apenas há pouco tempo, com uma representação de 6 estudantes (para toda a UFSC) em 59 conselheiros. Do ponto de vista de um docente, amparado pela lei federal n.º 5540/1968 (Art. 16, II – “os colegiados a que se refere o inciso anterior, constituídos de representantes dos diversos segmentos da comunidade universitária e da sociedade, observarão o mínimo de setenta por cento de membros do corpo docente no total de sua composição”), tendo a previsão em Estatuto de 1 representante docente, eleito entre seus pares, para cada unidade de ensino, de fato tenho de dizer que posso “me sentir representado” com o que está posto (status quo).

    Por esse ponto de vista, seria paradoxal haver mobilizações docentes por “mais representação” no espaço do Conselho Universitário. Pelo contrário, torna-se, de fato, incômoda a presença de determinadas “minorias” no CUn, como os estudantes, que em reuniões como essa acabam constrangendo com suas faixas, seus cartazes, seus megafones, etc. E há de se registrar que não é de hoje o conflito entre essas duas categorias: quando da aprovação do REUNI, pode-se perceber claramente como a UFSC tem mediada sua relação entre docentes e discentes:

    Evidente, a real aprovação da UFSC ao REUNI deu-se em outra reunião, presidida dessa vez pelo ex-reitor Lúcio Botelho, em sessão fechada, com a presença da Polícia Federal. Todavia a vivência anterior permite-nos compreender porque se pode, com uma certa razão, de um certo ponto de vista, dizer-se que “o que os estudantes fizeram em 20 de agosto de 2013 foi errado”. De fato, se tomado o que é comum, o que é hábito nesse ambiente, o que realmente ocorreu pode até ser considerado uma perturbação da ordem. O que é Democracia no âmbito da categoria dos docentes na UFSC é materialmente distinto da categoria discente, ou, nas palavras de George Orwell, há alguns “mais iguais do que outros”. Falar em democracia quando minha “classe” governa, é algo coerente nessa tradição. E por isso pode-se sim afirmar que o grito daqueles estudantes foi, de fato, errado.

    Por outro lado, se retomada a relação da universidade brasileira e sua reprodução das relações sociais em seu interior, há de se perguntar em que medida as consolidações da ditadura militar de 1964 ainda permanecem dentro dessa universidade. Chega a ser extremamente rica a representação social daqueles docentes que “se orgulham” de “seguirem a legislação” fazendo as eleições de direção de seu centro com a relação 70/30 (70% dos votos para docentes, 30% para o “resto”). Sim, dizem tais docentes com orgulho que “seguem a lei”, mesmo não problematizando que lei é essa (5540/1968).

    Quando um grupo de estudantes “invade” o “espaço sagrado” governado pelos docentes, manchando-lhes a “liturgia da casa pacífica e ordeira” com seus gritos, faixas, aplausos e vaias, devemos nos perguntar se sua postura não denunciaria coisas que preferimos fingir não ver”. É democrático que, enquanto aos docentes exista a eleição de 1 representante eleito entre seus pares a cada centro, aos estudantes deva ser feita a escolha de no máximo 6 para a universidade toda?

    É riquíssima a expressão ideológica de um docente “não acho que democracia signifique isso”, pois abre um debate fundamental a ser feito nessa casa: qual é a Democracia que ela ensina a seus alunos? Uma democracia que trata heranças da ditadura militar como “coisa natural”, onde palavras como “paridade” sejam tão somente assuntos “políticos” e que “caiba a outros debater”? Ou a Democracia como um caminho árduo a se percorrer, sem o medo de lidar com o diferente. Afinal, dizer que sou “democrático” enquanto me é possível silenciar o diferente é algo relativamente fácil de se fazer. Falar sem medo com esse diferente quando “seu bafo” está no meu cangote, aí sim sou obrigado a constantemente fundamentar minhas críticas e posições.

    Se fechar o CUn na próxima sessão, o que diremos? Chamaremos os alunos nossos de bárbaros? Diremos que “podem acompanhar pela internet”, enquanto na verdade buscamos tão somente uma forma educada de dizer-lhes “não queremos vocês aqui”. Chega até mesmo a ser um paradoxo enquanto exigimos artigos fundamentando frequência mínima obrigatória na resolução da bolsa e simultaneamente intentamos “distanciar” aqueles “incômodos” que vêm até nós voluntariamente.

    Se por um lado a massa desses jovens parecer aos olhos desse Conselho um agrupamento de pivetes, imaturos, rebeldes e irresponsáveis, com suas “malditas” faixas e barulhos de megafones, que se lhes diga “malditos”; mas que se cumpra o dever professoral de orientar através do diálogo franco e sem medo. Fechar-lhes as portas porque nos sentimos constrangidos e utilizar subterfúgios “cosméticos” como o silêncio é o que não se pode admitir na “Casa do Saber”. Evidente que o silêncio e o apego a tradição de uma universidade onde a voz do estudante é historicamente silenciada é bem menos conflituoso, até faz-nos parecer vítimas nesse processo diante da “opressão do megafone”. Todavia é preciso afirmar sem medo e sem ódio de que, apesar da suposta imaturidade, esses “pivetes” estão certos em uma questão central: são eles que pagarão o maior preço pelos erros de nossa política.

    Quando optamos por inserir diversos estudantes em cursos que ainda não tinham sala de aula, como os estudantes de Artes Cênicas em 2008 pelo REUNI, quem teve de fazer aula onde era possível fazer? Os “nobres conselheiros” do CUn? Enquanto a ala reacionária que implantou o REUNI preparava seu tradicional esquema para se reeleger em 2011, quem teve de “pagar” o preço do desgaste público? Novamente, os estudantes:

    O vídeo acima é riquíssimo em termos de percepção das relações hierárquicas da UFSC, é como a Canção do Senhor da Guerra (Legião Urbana):

    Existe alguém
    Que está contando com você
    Prá lutar em seu lugar
    Já que nessa guerra
    Não é ele quem vai morrer…

    E quando longe de casa
    Ferido e com frio
    O inimigo você espera
    Ele estará com outros velhos
    Inventando
    Novos jogos de guerra…

    Evidente, em qualquer situação dessa universidade é mais fácil culpar os alunos pelo que dá de errado, inclusive quando temos salas superlotadas, afinal, eles poderiam ter “optado por estudar em outras faculdades”. Mencionar críticas a irresponsabilidade dos profissionais concursados na UFSC parece um “crime à corporação”. Dizer que houve reitores que não souberam conduzir uma reunião do CUn com um mínimo de respeito parece uma afronta. Talvez a maior crítica que se consiga formular nesse contexto a um(a) reitor(a) seja “ter deixado” que aqueles estudantes entrassem.

    E aqui não poderia encerrar esse ensaio sem retomar do porquê disse inicialmente “espaço medíocre do professorado universitário brasileiro”, porque esses docentes (salvo raras exceções) parecem ter se esquecido da maior de todas as honras de um docente: quando você faz qualquer palestra, aula, debate… e você possui um auditório lotado de estudantes que vieram assistir ao que se passa, aquele momento torna-se uma verdadeira Aula Magna. Ali, se você for capaz de defender seus pontos de vistas, mesmo os mais reacionários, sem temer as reações do público, dá a eles o exemplo de que eles jamais devem temer “pensar diferente”, e que devem expor esse pensar, doa a quem doer. Essa é uma aula que não se “aprende” pela internet, precisa ter o ingrediente essencial que é o “bafo do povo” vindo na sua direção. Quando, ao contrário, você acusa a responsabilidade ao público, mostra-se, então, como o explícito docente medíocre que é, que apenas leciona aos “seletos”, aos mais dóceis, assim como aquele“catequista de ovelhas convertidas”. Minha tolerância ao “diferente” está assegurada pelo botão MUTE que tenho à mão, pelos dispositivos que me asseguram a invisibilidade dos discentes nos espaços decisórios.

    Essa “minoria incômoda” pode ter errado em seu método, mas sob hipótese alguma em seu objetivo de buscar defender aquilo que acreditam: um debate sério sobre algo que lhes é importante. Se por ventura sentimo-nos ofendidos com a “tomada” deles de um espaço que nos é “sagrado”, igualmente devemos nos perguntar em que medida não desrespeitamos o que lhes é “sagrado”.

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