Por Cristiane Sampaio.
O Projeto de Lei 8180/2014, batizado de “Escola sem Partido”, voltou ao palco das polêmicas da Câmara dos Deputados na quarta-feira (7). Em nova tentativa, parlamentares da ala conservadora se mobilizaram para agilizar a tramitação da proposta, mas a iniciativa terminou frustrada. Apesar de terem obtido, no colegiado que avalia o projeto, o quórum necessário para iniciar a sessão, o debate não foi aberto por conta de uma votação no plenário da Casa.
Não faltou, no entanto, articulação em torno do PL. Deputados que apoiam a proposta tentam aproveitar o embalo da eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República para acelerar essa e outras medidas de caráter conservador.
No caso do Escola sem Partido, eles enfrentam forte oposição por parte de parlamentares progressistas, que trabalham pela obstrução da pauta.
Membro da bancada evangélica, o relator da proposta, deputado Flavinho (PSC-SP), apresentou, em maio deste ano, um substitutivo que defende a colocação de um cartaz em cada sala de aula para informar sobre os deveres dos professores. Um deles proíbe que os educadores “incitem” os alunos a participar de manifestações.
O deputado também se opõe à oferta de disciplinas que tratem de questões de gênero ou orientação sexual. As diretrizes abrangem livros didáticos, paradidáticos e avaliações, por exemplo. Flavinho defende a aprovação do PL e afirma que a medida estaria adequada do ponto de vista constitucional, jurídico e legislativo.
Do lado oposto, a deputada Erika Kokay (PT-DF) apresentou um voto em separado pela rejeição da proposta.
“Você não pode ter uma escola onde não se discutem os fenômenos sociais, e onde não se discute inclusive a escola. Temos consensos humanitários para os quais não podemos permitir retrocessos”, argumenta.
A deputada questiona, por exemplo, o ponto do projeto que prevê a supremacia dos valores de ordem familiar sobre os conteúdos da educação escolar.
“Isso significa o quê? Que o criacionismo de determinadas religiões vai prevalecer, e não vai se discutir a evolução das espécies? Que a ciência vai ser subordinada à religião? Tanto a ciência quanto a religião são importantes para os seres humanos, mas a ciência não pode ser amordaçada”, lembra.
Sociedade civil
A mobilização desta quarta foi marcada pela presença de membros da sociedade civil organizada, com apoiadores e opositores da proposta. A professora Camila Tenório Cunha atua na educação básica e esteve entre aqueles que protestaram contra o PL.
Em entrevista ao Brasil de Fato, ela afirma que a pauta está no centro das preocupações dos educadores, que já estariam sentindo, nas salas de aula, os efeitos do avanço conservador que pode levar à aprovação do PL.
Ela conta que, recentemente, foi denunciada por um aluno à direção da instituição onde leciona por conta de uma aula que abordava os riscos da tortura e as consequências desse tipo de crime para as vítimas. Segundo ela, o estudante argumentou que se tratava de “doutrinação” e “propaganda com fins eleitorais”.
“Eu me senti péssima, com medo, porque ele disse que iria chamar a Polícia Federal pra me prender. Fiquei em pânico porque senti o fascismo se alastrando e senti que iria ser atingida por ele exercendo meu trabalho, por isso estou aqui”.
Acesso
Do lado de fora da Câmara, educadores e alunos se queixavam da dificuldade de acesso à comissão que avalia o projeto. Alguns deles relataram à reportagem que não conseguiram participar das sessões em outros momentos do calendário legislativo ao longo do ano.
É o caso do presidente da União dos Estudantes Secundaristas do Distrito Federal (UESDF), Daniel Fernandes, que nesta quarta tentou, pela terceira vez, acompanhar os trabalhos, mas foi impedido na portaria por conta da limitação no acesso.
“A gente que representa, que sofre, que vive esse cotidiano, não pode nem ter o direito de acompanhar a decisão que vai mudar as nossas vidas”, desabafa.
O presidente do colegiado, deputado Marcos Rogério (DEM-RO), afirmou durante a sessão que foram distribuídas senhas para os grupos opositores e defensores da pauta. Cada um deles recebeu 20 ingressos. Segundo o parlamentar, a limitação no acesso seria necessária para garantir o fluxo dos trabalhos.
STF
A pauta é motivo de debate também em outros ambientes institucionais, como é o caso do Supremo Tribunal Federal (STF), que deve julgar, no próximo dia 28, propostas que levam à instauração do “Escola sem Partido”.
O Supremo já suspendeu, em caráter liminar, legislações municipais e estaduais que têm o mesmo teor. Uma delas foi a Lei 7.800/2016, de Alagoas, suspensa pelo ministro Luís Roberto Barroso em março de 2017.
Na ocasião, o magistrado afirmou que a norma era “inconsistente do ponto de vista acadêmico e violadora de liberdade de ensinar”.
Outra decisão recente do Supremo se soma ao caldeirão de expectativas que circundam o Escola sem Partido: no mês passado, o plenário da Corte anulou, por unanimidade, ações de diferentes Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) que haviam proibido o uso de faixas com conteúdo antifascista em universidades públicas.
Houve ações em pelo menos 35 instituições nas vésperas da eleição. Com a decisão do Supremo, todas elas foram consideradas inconstitucionais.
Nos bastidores da Câmara, há expectativa de que essa decisão e a proximidade do julgamento do próximo dia 28 favoreçam a oposição ao PL dentro da Casa. Afinal, as deliberações anteriores do STF criaram o contexto jurídico para a inviabilização futura do PL 8180/14, caso a medida seja aprovada pelos parlamentares.
“Nós acreditamos que resistir aqui [na Câmara] tem influência nos demais poderes, já que a matéria é inconstitucional”, afirmou a deputada Maria do Rosário (PT-RS), integrante do colegiado que avalia o PL.
A comissão deverá voltar à pauta na próxima terça-feira (13), segundo informou o presidente.