Balangandã, a jóia baiana que representava a sede por liberdade

Utilizado para a compra de alforria de mulheres escravizadas, atualmente o objeto é considerado apenas um souvenir

 

Imagem: Reprodução/Pinterest
Por Caroline Nunes e Elias Santana Malê, para Alma Preta Jornalismo. 

O objeto denominado balangandã é um conjunto de figuras de metal em forma de figa, fruto, animal, que, preso a outros, forma uma penca. Usado primeiramente por mulheres negras escravizadas na Bahia como adorno, o balangandã era mais do que objeto decorativo preso ao pescoço: simboliza a busca pela liberdade e alforria da população negra escravizada no Brasil colonial.

Segundo a historiadora Tawany Rocha, o balangandã era utilizado pelas ditas “escravizadas de ganho”, que eram as mulheres que tinham o poder e o direito de trabalhar para conseguir sua alforria.

“Conforme essas escravizadas iam arrecadando o dinheiro, elas compravam as peças de prata. Ao passo que todos os espaços da penca eram preenchidos pelas figuras de metal, essa mulher negra escravizada alcançava sua liberdade”, comenta.

A museóloga Sura Carmo explica em seu artigo “Balangandãs: jóias de crioulas dos séculos XVIII e XIX e suas ressignificações na contemporaneidade”, que a penca de balangandã é descrita na história como ornamento, objeto decorativo e amuleto.

“Sua primeira concepção é de amuleto, devido a cada penduricalho ser escolhido de acordo com a devoção ou por propiciar algo a usuária. Contudo, é também ornamento, pois ao contrário de outros amuletos que ficavam escondidos debaixo das vestes das crioulas, este, era confeccionado para ser exibido”, diz a autora.

De símbolo a souvenir

De acordo com Sura Carmo, as jóias de crioulas são consideradas patrimônio baiano da cultura afrobrasileira. Relacionadas, sobretudo, à Bahia escravocrata, muitos exemplares ainda podem ser visualizados em museus e coleções particulares, adquiridas por colecionadores no início do século XX.

“O balangandã, peça mais emblemática entre as jóias de crioulas, perpetuou-se como patrimônio e símbolo da baianidade nos séculos XX e XXI a partir de mudanças significativas em seu uso e significação”, diz a museóloga em seu artigo “A mutação de um patrimônio: a trajetória do balangandã de joia afro-brasileira a souvenir”.

A autora avalia que, à medida que cada vez mais pessoas querem conhecer a Bahia divulgada em canções, na literatura ou nas artes plásticas, foram implantados, na esfera municipal e estadual, órgãos responsáveis por gerir a atividade turística, como a Diretoria Municipal de Turismo na década de 1950.

O turismo étnico na Bahia, realizado principalmente por estudiosos e curiosos do hibridismo da sociedade baiana, aliado ao marketing de artistas baianos que exaltavam as belezas e a cultura da região, fortaleceu a curiosidade e cobiça por objetos referentes à cultura baiana.

“Logo houve mercado para a comercialização de objetos relacionados à cultura local, em especial o balangandã e o berimbau, como souvenirs”, destaca.

Dificuldades na educação

No decorrer dos anos, o balangandã perdeu força enquanto amuleto de liberdade e passou a ser considerado um objeto comum – ainda que com significado histórico, ainda que a penca ainda seja utilizada em alguns assentamentos de orixás do candomblé.

Hoje, para o senso comum social, o balangandã é lembrado primeiramente como um brinquedo em vez de algo que pudesse significar a liberdade de uma pessoa escravizada ou a conexão com as divindades do panteão africano. É o que comenta a professora da rede pública de ensino infantil, Maria Clara Santos.

“Na escola, ensinamos as crianças que balangandã nada mais é do que um brinquedo de origem africana, onde em sua estrutura entram vários cordões e elementos pendentes. O balangandã recebeu esse nome pelo som que faz ao ser movimentado e deu origem ao brinquedo, utilizado para diversão, atividades esportivas e dança”, diz a docente.

Maria salienta que é difícil inserir os símbolos da diáspora africana no ensino de crianças devido à mistura da cultura com religiões afrodescendentes. Por esse motivo, segundo ela, a explicação a respeito da simbologia sempre acaba ficando incompleta. “É difícil ensinar para crianças filhas de pais cristãos, tudo se torna uma referência ao candomblé na cabeça dos pais. Meu sonho, enquanto profissional da educação, é que vigore a Lei 10.639 efetivamente, para que tais símbolos, como o balangandã, possam ser explicados, respeitados e compreendidos sem preconceitos”, finaliza.

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