Por Luciana Quaresma, correspondente da RFI em Lisboa.
O Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração da Organização Internacional para as Migrações (OIM) viu o número de pedidos de ajuda subir nos últimos meses em Portugal. Tendo por base os dados de 2022, inscreveram-se, em média, cerca de 80 pessoas por mês no programa da OIM. De todos os que procuram apoio, 92% são brasileiros em situação de extrema vulnerabilidade.
Em entrevista à RFI, Vasco Malta, chefe de Missão da OIM em Portugal, explica que a situação é preocupante e uma das razões para este cenário alarmante é a pouca informação sobre a realidade portuguesa, além de um planejamento deficiente antes de deixar o país de origem. “Este fluxo mais recente mostra uma falta de preparação e informação insuficiente neste processo, que acaba por conduzir a situações verdadeiramente complexas do ponto de vista social em Portugal”, aponta o chefe da OIM no país.
“A verdade é que também existe muita desinformação nas redes sociais, que acaba por potenciar a decisão de migrar para Portugal tendo por base apenas estas fontes, e não a informação oficial”, explica Malta. “Por vezes, as pessoas até podem trazer economias, mas quando precisam de enfrentar a difícil realidade do mercado imobiliário ou do próprio aumento do custo de vida, por exemplo, esta verba de emergência acaba por ser consumida muito rapidamente”, completa.
Vulnerabilidade dos brasileiros
O aumento significativo de pedidos de ajuda mostra uma situação caótica parecida com a vivida em 2020, ano da eclosão da pandemia da Covid-19. “No geral, registrou-se um aumento de número de pedidos de apoio de 2021 para 2022. Falamos de 288 casos em 2021 para 1.051 em 2022″, contabiliza Malta. Ele aponta ainda que 113 retornaram ao Brasil com a ajuda do dispositivo em 2021, contra 394 em 2022.
O Brasil continua sendo a comunidade mais representativa no total desses pedidos de ajuda para voltar ao país de origem. Eles já representavam 82% dos beneficiários do programa em 2021 e, em 2022, chegaram a 92%.
Malta explica que 53% dos que pedem esse tipo de ajuda são mulheres e que 30% do total volta para o Brasil no mesmo ano em que chegou em Portugal. Outros 37% permanecem no país europeu pelo meno um ano, antes de solicitar o apoio para retornar. “Na maior parte dos casos, cerca de 91% estavam em situação irregular”, ressaltou o chefe da OIM em Portugal.
Nayara Silva Ribeiro, 41, é de Ipatinga, Minas Gerais e chegou a Portugal em novembro de 2022 com os três filhos. Ela está sem emprego, as crianças sem escolas e sofre de uma doença crônica. Por isso, apesar do pouco tempo na Europa, já pediu apoio à OIM para regressar ao Brasil.
“Eu tenho três filhos, uma de 9, um de 10 e outra de 15. Vim praticamente enganada. O que a pessoa me falou é que aqui era totalmente diferente, que era tudo mais fácil. Eu tenho uma doença crônica, que se chama lúpus. Ao chegar aqui, piorei e fiquei impossibilitada de fazer tudo. Meus filhos estão até hoje sem ir à escola, eu não tenho condição nenhuma de arcar com as despesas deles, nem as minhas”, conta Nayara. “Quem me trouxe foi meu namorado, e vejo que está muito apertado para ele dar conta de tudo. Não está sendo fácil. Eu estou praticamente de cama, sem conseguir fazer nada e cada dia que passa fica mais difícil. Estou pedindo ajuda para voltar para o Brasil urgente”, desabafa.
Diante de tantas dificuldades que tem enfrentado, a brasileira faz um apelo: “Pelo amor de Deus, para quem está pensando em vir para Portugal, faça antes bom planejamento financeiro. Tenha a cabeça no lugar. Caso contrário, não arrisquem! Só eu e Deus sabemos o que eu estou passando, porque estou sem tratamento, sem medicação e preciso regressar para o Brasil urgente. Já tentei ajuda no Consulado, mas não consegui. Fui à Assistência Social de Arruda dos Vinhos, onde estou morando, mas também não podem me ajudar, pois estou em Portugal com visto de turista e agora estou à espera da OIM. Só depois de 90 no país é que poderão avaliar minha situação”, explica.
Redes sociais e emprego “caindo do céu”
A advogada Vitoria Nabas, especializada em imigração há mais de 20 anos na Europa, diz que muitos brasileiros estão sendo enganados. “Tenho testemunhado um aumento de brasileiros que ficam em situação de risco quando vem para a Europa”, diz a advogada, que também vê nas redes sociais uma fonte de desinformação para muitos candidatos à imigração.
“Eu fico muito preocupada porque vejo muitos destes ‘influencers’ vendendo a ideia de Portugal é maravilhoso. Portugal pode ser maravilhoso e eu adoro esse país. Porém, para morar em qualquer país ou qualquer cidade, mesmo dentro do nosso próprio país, temos que fazer um planejamento. E essas pessoas estão indo [para o exterior] sem qualquer planejamento. Acreditam que ao chegar em Portugal vai ter emprego caindo do céu, acomodação fácil, encontrarão escola sem nenhuma dificuldade para os filhos, a adaptação será simples, e isto não é verdade”, aponta.
“Até para alugar um imóvel é complicado, porque a pessoa não tem crédito [para provar um rendimento] e terá que pagar um adiantamento desse aluguel, porque o proprietário vai querer uma garantia. Então as pessoas estão sendo enganadas em função do que elas ouvem nas redes sociais, o que é muito perigoso”, insiste a advogada.
Ao longo dos vários anos de existência do programa da OIM, Vasco Malta diz que situações de vulnerabilidade sempre existiram, mas, nos últimos meses, o cenário se agravou. “O que temos assistido são pessoas que ou estão sem abrigo, ou são vítimas de violência doméstica, ou de tráfico de seres humanos, e que infelizmente estão numa situação limite”, disse o responsável da missão da OIM em Portugal.
A organização procura garantir que os imigrantes que necessitam e queiram regressar voluntariamente ao seu país de origem possam fazê-lo de forma digna e segura. “O que temos analisado nestes últimos meses, no que diz respeito ao retorno, são situações de maior e extrema vulnerabilidade. Muitas pessoas são, inclusive, vítimas de redes fictícias e pagam uma determinada quantia a alguém para dar andamento aos seus processos e, infelizmente, essas entidades acabam por ficar com o dinheiro e desaparecem”, acrescentou.