Até onde vai a hipocrisia dos médicos brasileiros?

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Por Lidiane Ramos Leal, para Desacato.info

Hoje pela manhã, aproximadamente 40 médicos e estudantes de medicina usando jaleco branco estavam reunidos no centro de Florianópolis protestando contra a vinda de médicos estrangeiros ao Brasil. Dentre os cartazes que os manifestantes portavam, inclusive muitos com jalecos de clínicas privadas, pode-se perceber a evidente falta de respeito e ética para com os profissionais estrangeiros. Enquanto eu fazia uma foto, um dos manifestantes, com aparência de aproximadamente 60 anos de idade e com um jaleco de uma clínica privada da capital, me perguntou se eu gostei da faixa que fazia o seguinte questionamento “o Brasil quer médico meia-boca?” Imediatamente eu disse que não gostei, ele me respondeu de maneira extremamente indelicada e desrespeitosa, se você não gostou é por que é petista. Pasmem! Eu respondi que não tenho partido político, mas que sou humanista, e achei que o cartaz era uma falta de respeito com os médicos estrangeiros, e que esse tipo de acusação sem fundamento não traria melhorias para a saúde pública e inclusive caracterizava xenofobia. Então, ele disse sem fundamentar a razão, “se tu és humanista tu deverias, então, apoiar o movimento”.

Vamos aos fatos: Existe alguma razão para apoiar um movimento que é contra a classe trabalhadora? Pra mim, não. Eu não acredito que exista algum avanço coletivo nesse tipo de protesto, assim como no caso do “ato médico”, que tem como único propósito manter o corporativismo dessa classe que por alguma razão, ainda não sei qual é, se acha superior aos demais profissionais. Tanto que historicamente os movimentos em prol da saúde pública são construídos por outros profissionais da saúde, como assistentes sociais, enfermeiros, técnicos em enfermagem, psicólogos, entre outros. A comunidade médica nos recentes protestos, de forma raivosa, e mais uma vez apresentando sua ânsia por superioridade, dessa vez em relação aos profissionais estrangeiros chegam a explicitar atitudes xenofóbicas, ou seja, de forma bem aproximada a um ato criminoso os estrangeiros são taxados pela classe médica brasileira de incompetentes.

A saúde pública precisa, e com urgência, que as três esferas do governo (municipal, estadual e federal) prestem serviços de boa qualidade à população, e é óbvio que não é somente a vinda de médicos estrangeiros que irá resolver a falta de atendimento de boa qualidade à população, mas o avanço surge à partir de um compromisso entre prefeitos e governadores articulados ao governo federal. A vinda de médicos estrangeiros ao Brasil tem como propósito levar atendimento a quem precisa. E as pessoas que estão sem atendimento nas periferias e municípios do interior, por falta de profissionais, necessitam ser atendidos por médicos que tenham o mínimo de formação humanista, e isso está diretamente relacionado ao respeito às pessoas. Assim sendo, esses médicos que estão protestando com seus cartazes antiéticos, certamente não são os que irão atender respeitosamente uma pessoa no Sistema Único de Saúde. Se os médicos brasileiros duvidam da capacidade de cubanos (mesmo diante do fato de serem referência em saúde pública, ou por esse motivo) por serem nascidos em um país de organização socialista, imagina o que pensam sobre pessoas em situação de vulnerabilidade social, certamente responsabilizam essas pessoas por sua condição social, assim, preferem atender em seus consultórios e clínicas privadas, pois ali o público não padece de pobreza e os pacientes podem pagar suas caras consultas, aí a razão dos municípios do interior sofrerem com a falta de médicos.

Esses protestos politicamente ignorantes demonstram a falta de capacidade, ou de vontade, da comunidade médica em compreender as expressões da questão social, uma vez que zelam desesperadamente pelo corporativismo em detrimento da saúde pública. Nos protestos não há reflexões condizentes com a realidade social dos brasileiros, mas sim e sempre, a busca pela ampliação de seus privilégios, como mostram os cartazes expostos. Nós não queremos ir para Cuba a fim de acessar atendimento de qualidade, nós queremos ter atendimento de qualidade aqui no Brasil, e se for preciso médicos cubanos ou de outra nacionalidade, mas que estejam dispostos a atender onde tenha necessidade, cabe aos brasileiros manifestar apoio e respeito. O que não queremos são médicos que forjam horas de trabalho com dedos de silicone ou que batem o ponto e em seguida vão embora do hospital. Um bom exemplo é a recente denuncia na maternidade pública Leonor Mendes de Barros, na zona leste de São Paulo, onde os médicos passam no hospital somente para marcar o ponto, sem prestar qualquer atendimento. Assim, os médicos hipocritamente saqueiam o dinheiro do povo brasileiro que por sua vez ficam sem atendimento, e esse mesmos médicos, que ainda se sentem injustiçados, continuam recebendo sem trabalhar.

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Fotos: Lidiane Ramos Leal.

18 COMENTÁRIOS

  1. Você é desrespeitoso. Nós m?dicos de família trabalhamos no SUS, praticamente ? o único sistema que emprega nossa especialidade. Este pingo de pessoas intransigente não representam a maioria dos m?dicos do SUS. Mude seu título se queres ser justo e respeitoso. Consulte a Sociedade Brasileira de Medicina de Família, depois sim, use os argumentos que quiser, mas seja respeitoso conosco. Eu sou contra este programa fajuto sim. Não sou contra médicos estrangeiros, brasileiros, da China de Cuba etc e etc. Nós somos contratados de forma espúria pelas prefeituras sem direitos, muitos são bons cirurgiões, endocrinologistas, oftalmologistas, não médicos de atenção básica. E pasme: a maioria dos Médicos do programa estão no litoral! Parem de mentir pegando um pintadinho de direitistas, segregacionistas. Pergunte a nós que trabalhamos no sus concursados, contratados, sem contrato, recebendo líquido quase metade do PMM o que achamos do programa. Este povinho não representam a APS brasileira.

  2. Não o Brasil não quer médicos meia boca, mas fazer o que? enquanto nossas faculdades não mudar seu modelo de ensino, humanizando mais, privilegiando o bem estar do paciente, menos financista. A gente vai quebrando o galho importando médicos cubanos e torcendo para que o exemplo seja absorvido por aqui.

  3. A crise brasileira eclode na Saúde que “aparece” de forma mais evidente.Tambem na segurança. Ja na educação as suas repercussões aparecem a médio e longo prazos!
    Infelizmente fazemos parte de uma cultura altamente imediatista o que explica termos poucos governantes estadistas (tendo o foco nas próximas eleicoes) e muitos outros trabalhando simplesmente em função das próximas eleições! !!
    Eis a nossa “miséria politica” (P DEMO)!

  4. Eu já entendi o motivo da revolta do radical classe média, leitor (apenas das machetes) da Veja. É que ele seguirá na intermediária. Vejamos:

    A madame, que tem dinheiro, seguirá pagando seus médicos particulares, e também pagando pelos exames, internações e cirurgias. Portanto, a madame nem está aí para o Mais Médicos.

    O mais pobre, os indígenas e ribeirinhos do interior das selvas brasileiras, os sertanejos, nordestinos, e demais brasileiros das áreas onde o Estado não chega, serão agraciados com médicos de qualidade que vieram para o Brasil para tratar-lhes; receberão atenção, tratamento digno, com humanidade, carinho e respeito.

    Já o dito cujo classe média seguirá pagando seu plano de saúde particular que não funciona e brigando na justiça, nos Procons, na imprensa, por não conseguirem agendar uma simples consulta.

    Um lencinho resolve…

  5. E voce poderia usar um pouco mais seus neuronios e pensar que se este compromisso entre prefeituras ,estados e governos ja tivessem sido feitos antes e melhorasse as condicoes nao seria nescessario trazer medicos de fora? Voce acha que a medicina nao deve ser regulamentada e acha normal que um enfermeiro atenda um paciente solicite exame e medique ,ora pra que seria nescessario estudar tanto? Para esperar aquele paciente atendido pela enfermeira voltar e pior !Entendi isto e humanitario!Acho que voce tambem nao entendeu que nao somos contra medicos estrangeiros e sim o modo com estao sendo trazidos passando por cima de leis ,de leis trabalhistas e ainda temos que engolir o Brasil enviar uma bom dinheiro para Cuba para manter uma ditadura comunista!Voce deveria ir ate a maternidade Leonor Mendes de Barros e verificar se aqueles medicos que batem o ponto e vao embora nao trabalham em esquema de plantao de horas corridas como os obstetras ,eles prestam o socorro quando sao solicitados em regime de plantao a distancia ,qualquer hora e final de semana ora se o ESTADO para lhe pagar pelos seus servicos tem um sistema burro onde deve bater o ponto todos os dias quem deve prestrar esclarecimento ‘e o DP da secretaria da saude do estado .Afinal o que um endocrinologista fara dentro de uma maternidade por 12 horas seguidas?Eu como ginecologista nao sei responder.Os mesmos medicos que atendem o SUS trabalham em seus consultorios alguns ja desistiram de atender planos de saude e fecharam seus consultorios. E finalmente indelicada e grosseira ‘e voce nos chamando de hipocritas mas meu unico
    consolo e que voce alem de hipocrita ‘e burra!

  6. Gostei muito do artigo e também condivido as opiniões de que não podemos julgar toda a classe médica brasileira como hipocrita, tenho certeza de que muitos deles gostariam de contar com a ajuda dos colegas estrangeiros, para aliviar a carga de trabalho. Entendo que os que estão protestando ai na foto querem a aplicação dos mesmos criterios que os médicos daqui, mas tenho minhas dúvidas sobre a legitimidade desses exames dos Conselhos de Medicina e de outras areas afins… será que realmente garantem profissionais de qualidade, com ética, sensibilidade e capacidade para atuar em qualquer lugar do país, que conheçam o contexto social onde atuam, que estejam aberto à comunidade e suas necessidades reais?!? Acho que isso os profissionais adquirem na prática, no trabalho coletivo e num processo formativo entre pares onde todos ganham. Os conselhos querem garantir a legitimidade dos saberes da area, quando as universidades já deveriam preparar profissionais qualificados o suficientes pra nao ter a necessidade de passar por estes testes. Imagino que Cuba, com tamanha qualidade na formação de médicos, prescinde desses exames para confiar em seus profissionais… eu também confio que com abertura, dialogo e trabalho coletivo a saúde brasileira vai melhorar… Mas se continuarem com essas picuinhas, não sei não…

  7. O texto ficou muito preciso, ótimo!
    Confusão faz quem precisa estudar mais.
    E para nós comunistas Cuba é um país socialista e vamos seguindo o exemplo cubano.
    Abraços, Carmo.

  8. Excelente artigo, muito claro, objetivo e esclarecedor!
    A qualidade é tão grande que os laranjas da direita, que demonstram sérias dificuldades de compreensão, usam este espaço para promoverem seus textos.

  9. O texto é bom no que se trata do desrespeito aos médicos estrangeiros, e concordo que não há uma crítica coerente para questionar a qualidade do médico pela nacionalidade dele. No entanto, é confuso, pois faz algumas afirmações contraditórias,a primeira confusão é a generalização da categoria dos médicos como se existisse uma unidade inquestionável entre todos os médicas em torno de algumas pautas. Não há, e nunca haverá.

    Não entendi se você afirma que esses mesmos médicos das fotos defendem ou não o “ato médico”, se puder esclarecer eu agradeço. Pois,infelizmente, a lei do Ato Médico não respeita a autonomia das demais profissões da Saúde e se configura como um duro ataque aos princípios e à construção do SUS, que se constituiu no conceito amplo de saúde, orientando a formação de equipes multidisciplinares no trabalho conjunto para cura, reabilitação e prevenção de doenças.
    E no que tange aos médicos estrangeiros, o texto só faz a defesa no sentido de uma atitude anti-xenofóbica e não aborda qual a relação do exportação com a situação atual da saúde no Brasil.

    “Médicos estrangeiros, intercambistas, são uma farsa para o exercício legal da profissão. Normalmente, para médicos estrangeiros poderem trabalhar no país, precisam prestar o exame de recertificação do diploma (Revalida). Contudo, os médicos do programa serão contratados como bolsistas de aperfeiçoamento em serviço, modalidade que dispensa a recertificação. Sequer será preciso comprovar habilidades com a língua portuguesa. Se o governo discorda do exame Revalida, que crie outro instrumento de avaliação profissional sério. O governo brasileiro está autorizando que médicos exerçam a medicina no país sem saber se estão aptos para tal e, nesse sentido, deixando a população a mercê de más práticas médicas. Este é mais um passo em direção ao SUS pobre para os pobres.

    O pagamento das falsas bolsas de estudos e de todas as despesas do projeto, além disso, será realizada pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), uma terceirização da gestão pública, a qual será dispensada por exemplo, de realizar licitação para os gastos com o programa.

    Não se faz saúde sem médicos, mas também não se faz apenas com médicos. Faltam médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos e um longo etc… Faltam ambulâncias, emergências, remédios, cirurgias, macas, gazes, postos de saúde e hospitais de qualidade, e mais outro longo etc… Porque falta financiamento por parte do Governo Federal.

    O déficit de profissionais especializados só pode ser revertido com medidas estruturais, com a aplicação de medidas para valorização dos profissionais do SUS, como Plano de Cargos, Carreiras e Salários para os profissionais do SUS, com salários justos, estabilidade no emprego e estímulo à qualificação permanente. Esta é uma reivindicação antiga do conjunto de trabalhadores da saúde pública que em nada avançou nos dez anos de governo do PT”.

    http://pstu.org.br/node/19594

    Uma última observação. Você disse que Cuba é um país com organização socialista. Essa afirmação deveria ser baseada em uma analise concreta da realidade concreta cubana. E nesse prisma, é possível perceber que o capitalismo já foi restaurado em Cuba. Pode-se falar em embargo econômico, porém a relação com o imperialismo europeu flui de uma forma muito boa para os capitalistas. E ainda, o embargo econômico não impede a relação de Cuba com os países da América, por exemplo com o Brasil, pois a Odebrecht vai controlar uma das maiores usinas de açúcar na ilha caribenha.

  10. Dá pra entender que a escritora da matéria tem um certo recalque com os médicos. Se você acha que a vida é inferior a qualquer coisa nesse mundo aí você considera que ser Médico é ighal a qualquer coisa.

  11. Médico meia boca é o que temos aqui, que nos atende em três minutos e nem dão diagnostico, dão uma receita para os sintomas. Fui em tres medicos com dor no braço e estou entupida de antiinflamatorios e nem olham, só dizem que é dor muscular. Não passa ha seis meses. Que venham cubanos, venusianos, marcianos, mas nos trate como gente!

  12. Vamos ler os cartazes, vamos dar espaço pra dialogo. A maior parte dos que esbravejam, a favor e contra, categorias inteiras não sabem exatamente pelo que ou para quem gritam.
    Sugiro que não se de atenção a fundamentalismos, de ambos os lados. Não são todos os médicos os monstros que a autora pinta, assim como não são necessariamente maus profissionais aqueles que virão. A questão que acredito se discutir seria algo menos superficial que picuinhas pessoais, recalques e generalizações.
    A julgar pelos cartazes fotografados para o tópico, a única coisa que se interroga é a não revalidação do diploma dos estrangeiros. Vamos nos perguntar, nos questionar, discutir, acrescentar ao debate que deve crescer ao invés de encerrar-se prematuramente.
    E que grande maldade haveria se fosse aplicada uma prova? As formações são diferentes, as populações são diferentes, as estruturas dos sistemas são diferentes, os idiomas são diferentes… Não acharia injusto haver uma seleção mínima. Alias, nossa formação (a brasileira) não estaria sendo alvo de observações e o mesmo teste não é cobrado para se exercer a medicina fora do Brasil?
    Abrindo um pouco mais, um assistente social cubano estaria familiarizado com as necessidades, protocolos e redes de nosso pais? Um psicologo com um português exitante teria a mesma capacidade de escura que um nativo da republica das bananas?
    A discussão é a favor da saúde ou contra uma classe a ser demoníaca???

  13. Ótima análise.
    Acrescento que não se deve diferenciar o médico do paciente em termos de seus direitos essenciais. Portanto, a todas as mazelas as quais estão submetidas os pacientes, também devem se subjugar os médicos. Afinal, o profissional da medicina não tem mais direito à segurança, ao salário, à infra estrutura, e à condição social do que qualquer paciente ou cidadão.

  14. Ela não tem limites! Dizem defender a saúde pública, mas organizaram seus “protestos” de modo a preservar as atividades em seus consultórios/clínicas privados e cancelaram seus atendimentos no SUS, que dizem defender; utilizam a estrutura pública para angariar “clientes” para o sistema privado; estabelecem-se em hospitais construídos, equipados e subsidiados com dinheiro públicos e sem a menor cerimônia “cobram por fora” dos pacientes do SUS; as lideranças do movimento não resistiriam ao crivo de uma “declaração de conflito de interesses”, pois boa parte delas são sócios ou proprietários ou diretores de planos privados de saúde; desprezam os pacientes do SUS, especialmente os muito pobres, a quem chamam pela alcunha de “jacarés”, demonstrando seu ímpar “respeito” pela condição humana; cobram excelência da estrutura pública mas não utilizam excelência técnica na tentativa de mitigar o sofrimento dos doentes. Ressalvadas as honrosas exceções de médicos dignos de assim serem chamados, é exatamente esse o tamanho da hipocrisia da “castigoria” médica no Brasil. Precisa mais?!

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