Por Bianca Bortolon, Ethel Rudnitzki, João Barbosa e Milena Mangabeira, Aos Fatos.
Nos últimos seis meses, 1 a cada 3 tuítes virais de parlamentares eleitos para a legislatura do Congresso Nacional que tomou posse nesta quarta (1º) continha ataques ou desinformação, segundo levantamento do Radar Aos Fatos.
- A reportagem analisou as 1.000 publicações no Twitter com maior número de interações (curtidas e retuítes) dos 513 deputados e 27 senadores, publicadas desde o início da campanha eleitoral (16.ago.2022–27.jan.2023);
- Dessas, 255 eram ofensivas ou agressivas e 59 continham alegações falsas;
- Juntas, as publicações somaram 19,5 milhões de interações (curtidas e retuítes), cerca de um terço do total;
- Os principais alvos dos tuítes analisados foram Lula, o PT e aliados dele de outros partidos, em 90 publicações;
- Em seguida, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados foram alvo de 83 publicações enganosas ou agressivas;
- Além dos políticos, as instituições que receberam maior número de menções tuítes falsos ou ataques foram o sistema eleitoral (60), o Judiciário e seus integrantes (55), a imprensa (8) e as Forças Armadas (7);
- Foram consideradas desinformativas publicações que continham alegações comprovadamente falsas ou sem evidências desmentidas por organizações de checagem ou informações oficiais;
- Como ataques, foram considerados tuítes com palavrões, ofensas, ameaças ou de agressividade direcionadas a pessoas, grupos ou instituições.
As alegações vão desde apelidos chulos contra opositores e magistrados, até questionamentos enganosos sobre a lisura do processo eleitoral brasileiro. Na publicação mais popular entre essas, o senador, mas então vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), chamou o presidente do TSE de autoritário e sugeriu que a corte estaria rompendo com o pacto federativo. “É chegada a hora da direita conservadora se organizar para combater a esquerda revolucionária”, escreveu, somando 179 mil interações.
A postagem foi feita no dia 24 de novembro de 2022, dois dias após o PL apresentar ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) um documento, feito com base em informações falsas, em que pedia a anulação do segundo turno da disputa presidencial. O documento desinformativo foi citado em 15 publicações de parlamentares empossados.
Pelo menos 13 publicações também fizeram falsa associação entre o PT ou Lula e o crime organizado, repercutindo uma das principais teorias desinformativas disseminadas durante a corrida presidencial.
Outras 18 postagens defendiam as manifestações contra o resultado das eleições que bloquearam rodovias e ocuparam a frente dos quartéis durante dois meses após o pleito, culminando nos atos terroristas de 8 de janeiro de 2022.
Os mais ativos. Todo o material foi publicado por apenas 35 parlamentares, que representam aqueles que mais conseguiram engajamento em seus tuítes no período analisado. Mais de 80% deles são apoiadores de Bolsonaro.
No entanto, o parlamentar que mais publicou desinformação e ataques foi o então coordenador de redes da campanha de Lula, André Janones (Avante-MG), reeleito deputado federal. Sozinho, o parlamentar foi responsável por 58 tuítes com ataques ou desinformação desde agosto, que somaram mais de 3,4 milhões de interações.
Quase todas essas publicações (56) miravam Bolsonaro ou aliados. Em pelo menos oito, ele acusou o ex-presidente do crime de pedofilia, distorcendo uma declaração sua sobre meninas venezuelanas. A fala foi amplamente usada na reta final da campanha petista à presidência e foi alvo de ação movida pela campanha de Jair Bolsonaro no TSE.
Em um dos tuítes mais virais, somando 100 mil interações, Janones publicou vídeo em que Bolsonaro é chamado de anticristo. “Esparramem esse vídeo como senão houvesse amanhã! É GUERRA!”, escreveu.
Atrás de Janones, Gustavo Gayer (PL-GO), Bia Kicis (PL-DF) e Marcel Van Hatten (Novo-RS) publicaram 49, 30 e 26 tuítes com ataques ou desinformação, respectivamente.
Gustavo Gayer e Bia Kicis. Em seu post de maior alcance, Gustavo Gayer atacou nordestinos após a vitória de Lula e, quando questionado por Aos Fatos, atacou seus jornalistas em suas redes com expressão de baixo calão. “Bolsonaro ganhou onde o país produz e LULA ganhou onde o país é sustentado”, escreveu. O parlamentar fez mais 22 posts atacando o presidente e seus aliados, nove com ataques ao Judiciário e outras 10 publicações de teor antidemocrático desde o início da campanha.
Antes do pleito, o parlamentar fez quatro publicações virais questionando a lisura do processo eleitoral com base na falsa denúncia de falta de isonomia nas inserções de rádio feita pelo PL, que ele chamou de “fraude” e “maior crime eleitoral já cometido na história”. Aos Fatos revelou à época que o documento contabilizou ao menos 9.764 inserções a mais do que as rádios citadas veicularam na realidade — das quais 6.906 (70% do total) para o PT e 2.858 (30%) para o PL.
Depois da eleição de Lula, Gayer passou a defender manifestações contra o resultado das eleições chegando a defender golpistas que depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro, publicando mentiras como de que uma pessoa teria morrido dentro de um centro de detenção.
“Em nome da democracia o Brasil acaba de ressuscitar os campos de concentração nazista”, ele publicou no Twitter, acompanhado de um vídeo com imagens do galpão da Polícia Federal para onde golpistas presos foram levados inicialmente. Também mentiu ao dizer que os presos não tinham “nenhuma ligação confirmada com o vandalismo” e que havia idosos e crianças entre os detidos — na verdade, a Polícia Federal liberou idosos e adultos com crianças, bem como pessoas com problemas de saúde. Gayer teve 85 mil interações com o tuíte.
Na semana passada, o deputado também foi responsável por disseminar desinformação sobre a crise que afeta o povo Yanomami, tentando responsabilizar ONGs da Amazônia, em tuíte que chegou a quase 70 mil curtidas e compartilhamentos.
Aos Fatos enviou por email a todos os parlamentares citados as respectivas listas de links para as publicações com ataques ou desinformação, abrindo espaço para posicionamentos de todos.
Gustavo Gayer respondeu com um xingamento. O deputado também expôs os emails antes da publicação da reportagem, em uma sequência de stories no Instagram. “Agência de checagem veio encher o saco hoje então eu dei a única resposta digna”, escreveu.
A deputada Bia Kicis afirmou que possui imunidade parlamentar para se manifestar sobre suas bandeiras e que seus perfis nas redes sociais são extensões do mandato eletivo. A parlamentar encaminhou a seguinte nota:
“A classificação superficial de desinformação com base em supostas agências de checagem eminentemente parciais é uma forma arbitrária de tratamento de assuntos importantes, para os quais o debate é fundamental. Ao fazer isso, alguns veículos de imprensa acabam por tentar tolher a liberdade de expressão, que é direito de todo cidadão, mas é minha obrigação e prerrogativa como parlamentar. Em assuntos complexos não há verdades absolutas. Debate é fundamental para aprofundar as reflexões dos cidadãos e de todas as autoridades. Por isso, acredito que seja irresponsável e autoritário qualquer intento de promoção de uma suposta opinião única ou de cerceamento de críticas e questionamentos.”
No ano passado, Kicis foi suspensa do Twitter por decisão judicial. À época, o Aos Fatos mostrou que ela publicou 110 tuítes defendendo manifestações contra o resultado das eleições ou atacando o Judiciário.
Em janeiro, de volta às redes, ela saiu em defesa de golpistas que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, traçando paralelos — assim como Gayer — entre o ginásio no qual os golpistas foram detidos com “campos de concentração”. Ela usou como justificativa que se referia a gulags comunistas, e não aos campos nazistas em que milhões de judeus foram assassinados.
Na amostra utilizada nesta reportagem, ambos somaram juntos sete publicações virais em que defenderam manifestantes golpistas.
Os outros parlamentares citados não não se manifestaram até a publicação desta reportagem.
Contas banidas. Entre os 1.000 tuítes mais populares nos últimos seis meses de parlamentares da nova legislatura do Congresso, 22 foram removidos da plataforma por decisão judicial. Entre eles, 14 posts de Carla Zambelli (PL-SP) e três de José Medeiros (PL-MT), deputados que tiveram as contas em redes sociais bloqueadas pelo TSE. As postagens somavam mais de 1,2 milhão de interações na plataforma.