As marcas das escolhas diante da vida e do tempo. Por Carlos Weinman.

Foto: Pixabay.

Por Carlos Weinman, para Desacato. info.

 O esperar é marcado pela expectativa e pela angústia do que está para acontecer. Em geral, esse sentimento possibilita a reflexão ou voltar-se para dentro de si mesmo, uma espécie de encontro com o próprio ser, muitas vezes esse percurso é difícil, os minutos, as horas são percebidos como se fossem medidas de tempo muito maiores do que de fato são. No momento da angústia tudo parece passar mais devagar.

O dia da jornada de trabalho de Deméter, de Ulisses, de Inaiê e de Roberto foi marcado por um começo turbulento, com muitas discussões, até chegar ao ponto em que os quatro combinaram em ir até a casa de Deméter. O dia para os quatro parecia não passar, até a fome passou incomodar ainda mais Inaiê, que não via o horário do almoço chegar, sua impressão era que estavam presos em um determinado tempo, parecia experimentar a condição de um ser mergulhando na eternidade, tendo a expectativa do fim impossível para a sua condição existencial, incomodada por esse sentimento, reclamou para Roberto na hora do intervalo:

 – O tempo não passa, não vejo a hora de ir até a casa de Deméter, pois se ela diz a verdade, vou conhecer a minha sobrinha!

Roberto sorriu para Inaiê e falou:

Enquanto estás vivendo a angústia da espera, poderás pensar, fazer o exercício, pense na questão: qual o motivo de sofrer pelo que ainda não chegou? Não seria mais sensato aproveitar o máximo do presente, do seu trabalho, com seus amigos, observando inclusive a sua irmã? Enquanto sofre por aquilo que ainda está por vir não vive e quem garante que viverás para o momento posterior? Você não está se tornando uma escrava do futuro, esquecendo do presente?

Inaiê chacoalhou a cabeça e respondeu:

– Você quer me assustar! Quer dizer que tenho a possibilidade de morrer até o final do dia?

Roberto: – A morte e a vida, e até a crença na imortalidade da alma são possibilidades para os viventes, não existe garantias que no minuto seguinte não deixaremos essa condição. Infelizmente, costumamos ignorar esse fato, vivemos como se a eternidade fosse um privilégio nosso.

Inaiê – Tudo bem! Até mesmo nesses momentos você não esquece da filosofia, embora que o ato de filosofar está ligado com a capacidade humana de refletir, de exercitar seu pensamento. Você parece citar alguns filósofos do período helênico, lembro do filósofo Sêneca, de um texto dele intitulado “sobre a brevidade da vida”.

Roberto: – Realmente estava pensando nos filósofos estoicos e epicuristas. Eles trazem muitas questões filosóficas interessantes para o nosso cotidiano. No caso de Sêneca, filósofo estoico, provavelmente ele diria para nós, viajantes, que a viagem pode ser marcada por desencontros, distanciamento e esquecimento, tristezas, alegrias, não raro os viajantes humanos esquecem que seu percurso corresponde apenas um dia ou menos se comparado com a eternidade. Aliás, em geral esquecemos que somos seres finitos, pois deixamos de viver, por isso existem muitas queixas sobre o curto período da trajetória da nossa existência. Entre os motivos dos lamentos, está o fato em que o tempo é considerado o inimigo dos meros mortais. Todavia, tempo e vida não são necessariamente sinônimos.

Inaiê – Lembrei que ele dizia que é muito pequena a parte do tempo de vida que vivemos, temos em geral muito tempo, mas vivemos pouco, pois o perdemos com muitas coisas desnecessárias, trabalhamos e ocupamos as nossas vidas e não vivemos de fato, por exemplo, enquanto estamos exercendo uma atividade laborativa, visto que não vemos a hora de sair do nosso trabalho, quando chegamos em casa, comemos com pressa, não apreciamos nem a comida, nem mesmo a companhia.

Roberto – Isso mesmo, além disso vivemos em vista da satisfação de desejos não alcançados, quando alcançamos não queremos mais, buscamos por cargos em empresas e cargos públicos não para viver, mas para ter status, queremos a fama, o status que ainda não temos, quando conquistamos não fazemos o bem para outro, pensamos em continuar no poder pelo poder, que irá desvanecer, assim como a vida.

Inaiê – E com isso nos perdemos a nós mesmos, deixamos de ser para aparecer, fabricamos ilusões para os outros seguirem e tornamos escravos da ilusão produzida.

Roberto – Quando se trata de opiniões, entramos facilmente em conflito para defender a nossa honra, temos a tendência de ter receio em assumir o erro, por esse motivo, mesmo estado errados, continuamos a gritar e defender o que não tem sentido!

Inaiê – Por isso, podemos afirmar que não temos, em geral, uma vida necessariamente curta, mas desperdiçamos grande parte do tempo que teríamos para viver, pois sofremos em um trabalho não apenas para sobreviver, nos escravisamos para ter dinheiro, para satisfazer nossos desejos de consumo, para quem tem suficiência de ser, como ser humano, mesmo tendo pouco pode ser feliz e pode ocorrer que quem tem muito, a sua fortuna pode ser uma prisão, tem necessidade de ostentar, de buscar por segurança, não pode sair de sua casa tranquilamente, será visado por outros e com isso a sua liberdade será tolhida.

Roberto – Interessante! Nesse sentido, poderíamos concluir que o fato ou não de ter propriedades nada revela sobre a felicidade e a vida de alguém. Na condição de senhor, o ser humano torna-se escravo de várias necessidades, pois terá que se preocupar com o que o escravo possa fazer, há necessidade de precaver-se, enquanto faz isso não vive, apenas perde tempo. Na sociedade moderna, o desejo de consumo está ligado com a necessidade de trabalhar para ganhar dinheiro, na conquista o ser humano se torna escravo, sua condição é visada, pode ser roubado e morto por isso. Ademais, nunca estará seguro, estratégias terá que pensar, para suprir seu vazio, temos a tendência de buscar por prazeres imediatos, nos engajamos em várias formas de vícios. Por outro lado, aquele que não tem a oportunidade, se tiver o desejo encalcado em seu ser, também será infeliz, pois terá o desejo, enquanto não tiver viverá para o futuro, mas como você disse: não há garantias.

Diante das divagações filosóficas o tempo parecia passar mais rápido, chegou o horário do almoço. A dona do estabelecimento foi conversar com os irmãos e com Roberto e deixou o período da tarde para que eles fossem resolver as suas situações pendentes, mas alertou que precisa deles no outro dia bem cedo, durante o caminho Inaiê e Roberto foram conversando, chegaram na casa onde Deméter morava, ela abriu a porta e falou para os três esperarem, pois tinha deixado sua filha na creche, Roberto foi junto com Deméter. Inaiê e Ulisses ficaram observando a casa, na parede haviam algumas fotos, Ulisses constatou que uma das fotos estava toda família, com Inaiê ainda bebê, lembrou da última conversa que teve com seu pai, um dia antes dele falecer.

Olhando para as fotos não tem como dizer que ela não é nossa irmã – enquanto falava as lágrimas saíram de sua face – Um dia antes de Abdul, nosso pai falecer, estava com ele trabalhando, fomos até um vizinho, que tinha uma propriedade rural, fomos “quebrar milho”, o pai e a mãe tinham discutido sobre a possibilidade de assumir ou não outro trabalho. Ele queria conversar comigo sobre o assunto e sabia que iria viajar, pois tinha a possibilidade de ir estudar em uma escola técnica com bolsa integral. Nosso pai estava triste pelo fato de partir e, ao mesmo tempo, feliz por ter conquistado uma bolsa, ele queria conversar, dialogamos bastante antes de ir para casa, tomar chimarrão, nunca imaginei que aquele dia seria a última vez que trabalharia junto com ele, como jovem achava que tinha muito tempo, mas talvez não tenha aproveitado o quanto poderia com ele, tudo que eu queria era mais tempo com nossos pais e irmãos.

Inaiê ficou muito comovida com a história do irmão e disse:

Ulisses não sofra por isso, o tempo que tivemos lá traz já não é mais, vocês viveram muito dele, eu não lembro muito coisa, era uma bebê, entretanto, mesmo com dificuldades tínhamos a felicidade, a continuidade foi nos tirada, agora não podemos permitir que os problemas, as tragédias que aconteceram e os nosso limites impeçam de viver nesse tempo que estamos, pois só assim estaremos fazendo o que eles gostariam que nós fizéssemos, sem contar que encontramos nosso irmã.

Nesse momento Ulisses interrompeu Inaiê:

No entanto, ela mentiu para nós!

Inaiê – Ela pode ter mentido, mas teve suas razões, está lutando pela vida da filha, agora temos a opção de perdoar e ajudar no tratamento ou ignorá-la e seguir viagem, deixando para traz uma irmã. Qual a nossa melhor alternativa?

Assim que Inaiê terminou de falar, Deméter entrou na casa e apresentou a filha:

Conheçam Perséfone, a minha filha, Roberto está trazendo a cadeira de rodas, pois ela está com dificuldade para andar.

Nesse momento, Ulisses começou a chorar, seguindo por suas irmãs, quando Roberto entrou na casa viu os quatro abraçados, concluirá que a jornada em busca pelos irmãos só seria possível com o trabalho em conjunto para o tratamento de uma linda garotinha, que mesmo com muitas dores, sorria e encantava a todos. No entanto, esse fato não era um atraso para os viajantes, pelo contrário era apenas o próprio percurso, pois encontrar os irmãos, não envolvia apenas a presença, mas as vivências de suas dores, dificuldades, sonhos e alegrias, era a vida dos três Irmãos, uma garotinha e Roberto em um determinado tempo.

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Carlos Weinman

Carlos Weinman é graduado em Filosofia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (2000) com direito ao magistério em sociologia e mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (2003), pós-graduado Lato Sensu em Gestão da Comunicação pela universidade do Oeste de Santa Catarina. Atualmente é professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Tem experiência na área de Filosofia e Sociologia com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: Estado, política, cidadania, ética, moralidade, religião e direito, moralidade e liberdade.

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