Argentina. Reviravolta doutrinária: FMI sugere alternativas ao ajuste fiscal para pagar a dívida

Um documento de seus pesquisadores defende que países com passivos muito altos devem fazer suas economias crescerem para aliviar o pagamento de suas obrigações. No acordo com a Argentina, os técnicos do órgão aconselharam o contrário.

Kristalina Georgieva. Foto: Brendan Smialowsk/AFP

Por Marcelo Di Bari.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) sugeriu “mudanças regulatórias e reformas de mercado” para reduzir o ônus da dívida em países com passivos muito altos em relação à sua capacidade de pagamento. A ênfase é tal que é vista como uma alternativa aos repetidos pedidos de ajuste fiscal do FMI. A posição nesse sentido foi divulgada em um documento publicado na última terça-feira no blog da organização.

O documento, escrito pelos economistas Gabriela Cugat e Carlo Pizzinelli, propõe que grandes mudanças nas regulamentações podem produzir um “efeito que estimamos ser comparável ao efeito de grandes consolidações fiscais”. Em particular, o documento tem como alvo cinco áreas principais: comércio, finanças domésticas, finanças externas, mercados de produtos e mercados de trabalho.

O documento visa melhorar a relação entre a dívida pública e o produto interno bruto, não tanto pela redução da primeira, mas pelo aumento da segunda, o que, na prática, aumentaria as chances de pagamento dos compromissos assumidos. “A promulgação de mudanças regulatórias com o objetivo de melhorar o funcionamento dos mercados, por exemplo, aumentando a concorrência ou estabelecendo estruturas regulatórias adequadas, pode impulsionar a produção econômica”, observam os autores.

“Nossa pesquisa mostra que o melhor funcionamento do mercado não apenas reduz o índice de endividamento por meio do efeito denominador, mas também fortalece os resultados fiscais e ajuda a reduzir novos empréstimos”, acrescenta o estudo. E (aqui vem a novidade), “o efeito que estimamos é comparável ao efeito de grandes consolidações fiscais”, insiste o documento.

Os dados são significativos para um país como a Argentina, que tem uma dívida pública de US$ 398.246 milhões, equivalente a 85,9% do PIB, de acordo com dados oficiais do Ministério da Fazenda para o primeiro trimestre de 2023. A dívida total chegou a ser maior do que o produto interno bruto (103,9% em 2020), embora a proporção tenha diminuído após a reestruturação acordada com os detentores de títulos privados.

Na última revisão do programa de facilidades estendidas assinado com o FMI, a diretora administrativa da agência, Kristalina Georgieva, chamou a redução do déficit fiscal de “requisito essencial para o apoio econômico e a estabilidade financeira”. Em seu relatório para a diretoria, a equipe enfatizou a necessidade de “acelerar a consolidação fiscal para proteger a dívida”.

Para tanto, o Fundo aconselhou a Argentina a “tomar medidas estruturais de alta qualidade em termos de receita e despesa, incluindo a redução dos gastos com impostos, a melhoria da estrutura do complexo sistema tributário, a abordagem dos ainda grandes subsídios à energia, a melhoria da sustentabilidade do sistema de pensões e a coordenação das transferências discricionárias para as províncias e empresas estatais”. Quanto ao crescimento da economia doméstica para expandir o escopo do pagamento da dívida, conforme sugerido por seus próprios pesquisadores, o FMI foi amplamente omisso.

 

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