Por Matías Ferrari, em Página 12.
Patrícia Bullrich não ia abrir mão de seu papel e durante várias horas conseguiu transferir para a rua a tensão vivida ao longo de toda quarta-feira dentro da Câmara dos Deputados. Mais do que uma operação, a Ministra da Segurança implantou um circo repressivo nas proximidades do Congresso. A Prefeitura, a Gendarmaria e a Polícia Federal confrontaram deliberada e contundentemente um grupo de militantes e grupos de esquerda – cerca de sete mil pessoas, segundo os organizadores – que se reuniram para repudiar o tratamento dado ao projeto de lei geral. O corte no cruzamento de Entre Ríos e Rivadavia poderia ter sido reduzido através do diálogo a pelo menos algumas vias, mas as forças decidiram não designar interlocutor e por volta das seis e meia da tarde avançaram. Primeiro os encurralaram, depois os cercaram pelos quatro lados – com todo o desfile de carros hidrantes e veículos motorizados – e por fim os atingiram. Lançaram spray de pimenta diretamente nos olhos de vários manifestantes, incluindo o deputado nacional Alejandro Vilca, que há poucos minutos havia deixado o local acompanhado de seus companheiros de bloco. Mais tarde, centenas de pessoas autoconvocadas chegaram à Praça, com tachos e panelas e cartazes caseiros nas mãos denunciando o ajustamento do Governo. Alguns deles foram presos tarde da noite durante uma caceria subsequente da PFA. No momento desta publicação, havia pelo menos seis presos – dois homens e quatro mulheres, um deles membro da UCR –, todos sob a clássica figura intimidadora de “resistência à autoridade”. Juan Grabois e a sua frente Patria Grande também se uniram em solidariedade com o que consideraram “intimidação desproporcional de cidadãos mobilizados pacificamente”.
Spray de pimenta
“Estávamos bloqueando as duas avenidas quando a a polícia da cidade avançou por Entre Ríos. Nos pegou de surpresa, alguns de nós estávamos sentados no asfalto. Quando quis me levantar já os tinha comigo. Tentamos recuar, mas eles continuaram atacando”, disse Celeste Fierro, deputada do MST de Buenos Aires, ao Página/12.
Fierro recebeu o mesmo choque que Vilca: spray de pimenta direto nos olhos. O deputado, que foi reprimido num segundo avanço, em Rivadavia, disse assim a este meio: “Quando vimos as imagens da operação pareceu-nos excessivo e decidimos descer da Câmara para apoiar a mobilização, que também estava bastante calma. Assim que pisei na rua eles começaram a avançar. Gritei com eles “sou deputado, parem”, mas não adiantou. Sob os escudos eles me bateram com o casetete e em determinado momento recebi spray de pimenta de frente. Vergonhoso, assim como o que estava acontecendo dentro das instalações.”
A cena o lembrou, acrescentou Vilca, dos golpes que a Federal deu a vários deputados durante a repressão de dezembro de 2017 à mobilização que naquela época foi repudiar a reforma previdenciária de Mauricio Macri. “O ajuste nunca termina sem repressão”, refletiu. Bullrich, assim como agora, era então a ministra da área.
Nesse turno, caiu também o primeiro detido do dia, um manifestante de origem chilena que não pertencia a nenhuma das organizações. Nesse ínterim, além disso, a PFA avançou sobre um grupo de mulheres aposentadas que se manifesta todas as quartas-feiras no anexo dos Deputados. Alguns sofreram descompensação. “Tínhamos medo, nunca nos tinham reprimido desta forma”, disse Nancy, da Mesa Coordenadora de Aposentados e Pensionados.
Pau e circo
Participaram da mobilização o Polo Obrero, o MST, Barrios de Pie e diversos piquetes da FIT, além de grupos autoconvocados dos setores de cultura, Conicet e direitos humanos. A ideia de alguns era criar uma espécie de rádio aberta na rua, mas não durou muito. A manifestação começou depois do meio-dia e terminou tarde à noite. Os organizadores estimaram que durante o período de várias horas de mobilização circularam cerca de sete mil pessoas.
Às vezes, a operação implantada por Bullrich superou em muito os manifestantes. Após a repressão, uma cena dantesca descreveu o que estava acontecendo: um cordão de policiais federais e policiais da cidade, encurralou um grupo de militantes na praça. Mais de cem homens uniformizados, um ao lado do outro, formavam uma espécie de fila indiana, que, como um curralzinho, tentava encurralá-los na calçada. Muitos dos militantes conseguiram entrar furtivamente e zombaram do ridículo da situação. Naquela época, a imagem de um inspetor Genadermería com inscrição libertária já circulava nos celulares dos militantes.
“A única coisa que Patrícia procurava era bater para criar um circo, não havia razão para fazer o que foi feito”, disse um alto funcionário de Buenos Aires a esta mídia. A Polícia Municipal foi – mais uma vez – relegada para segundo plano na sua própria jurisdição.
“As pessoas não fizeram nada. Montou-se uma operação para espalhar o medo. Para que ninguém se mobilize. Não queremos medo e estaremos onde devemos estar”, disse Grabois, do Congresso.
A ccaceria
A partir das oito da noite, um grupo de pessoas autoconvocadas tomou conta das esquinas adjacentes ao Congresso. Panelas e cartazes caseiros na mão, centenas vieram repudiar a sessão. “Estou muito zangada com a forma como nos estão a vender o país”, protestou Alicia, que veio ao Congresso com os seus colegas da Assembleia de Almagro, formada em 2001. “É um ataque à soberania”, acrescentou Victoria, uma jovem cirurgião de Tucumán que trabalha no setor privado e foi “orgulhosamente formado na universidade pública”. A maior parte das ideias dos autoconvocados iam na mesma linha: estavam ali para defender o que consideram direitos conquistados e que estão em risco no novo Governo.
Quando a Gendarmaria começou a se retirar, muitos começaram a comemorar. Os caminhões de força começaram a sair por Rivadavia, escoltados pela PFA. Parecia um desfile militar e eles receberam uma saudação correspondente. “Eu sabia/ eu sabia/ que a casta/ é cuidada pela polícia”, gritaram com eles.
Naquele momento, a rua já estava agitada e a PFA entrou em ação, levando quatro mulheres sob custódia. “Sentei-me no chão para cantar o hino e eles me levaram embora”, disse um deles ao C5N, enquanto a levavam. Por volta da meia-noite, outro homem foi preso. “Meu nome é Sebastián Alejandro Moreno”, disse ele antes de ser colocado na viatura.