Assessoria de Comunicação do Cimi.
Há um mês, a Prefeitura de Blumenau derrubava, covardemente, a casa de uma família do povo Kaingang. Na ação, os pertences dos indígenas também desapareceram do local: artesanatos, ferramentas de trabalho, fogão, cama e roupas. Como resposta, foi encaminhado às Secretarias Municipais e ao prefeito de Blumenau, na tarde dessa quarta-feira (26), um documento com o pedido de devolução dos bens da família.
À época, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostrou em matéria denúncias de que a ação havia sido realizada “sem qualquer ordem judicial” – e enquanto a família viajava. Um dia após o episódio, funcionários da prefeitura ainda voltaram ao terreno e colocaram pedras onde ficava a casa, a fim de impedir o retorno dos indígenas. A família morava no local há cerca de 20 anos.
“Diante dos fatos narrados, requeremos a devolução dos pertences (bens materiais) acima descritos, removidos, no dia 27 de abril, do endereço acima mencionado pela Prefeitura Municipal de Blumenau. Pelos direitos de posse desses bens recolhidos e por uma questão de justiça, pedimos deferimento e imediata devolução dos mesmos. Adicionalmente, solicitamos que sejam retiradas as pedras colocadas sobre o terreno em questão que está sob a posse dos requerentes”, diz um trecho do documento encaminhado às Secretarias do município de Blumenau.
“Pelos direitos de posse desses bens recolhidos e por uma questão de justiça, pedimos deferimento e imediata devolução dos mesmos”
Na ocasião, foram levados pela Prefeitura de Blumenau sapatos, roupas, brinquedos de crianças, ferramentas de trabalho, balaios confeccionados, “filtros dos sonhos”, utensílios de cozinha, eletrodomésticos, alimentos e matérias-primas para produzir os artesanatos.
No mesmo documento, foi solicitado também que a Prefeitura de Blumenau “respeite o direito de posse sobre o terreno em questão e se abstenha de realizar operações da mesma natureza ou semelhantes contra a residência e demais bens materiais dos requerentes”.
Em vídeo, um dos moradores do local – que terá sua identidade preservada – exigiu respeito por parte das autoridades do município.
“Hoje estamos acampados aqui, comercializando os nossos artesanatos. Mas eu quero, novamente, que as autoridades respeitem todo o nosso povo. Respeitem as pessoas desse acampamento. Queremos viver a nossa cultura dentro da cidade de Blumenau. A nossa cultura ainda não morreu e queremos viver em paz”, disse.
“Queremos viver a nossa cultura dentro da cidade de Blumenau. A nossa cultura ainda não morreu e queremos viver em paz”
“Blumenau se formou em cima do coração da terra-mãe. E hoje estamos aqui, nesse acampamento, com todas essas pedras fincadas em cima de nossas moradias. Isso machuca a nossa alma, o nosso coração, porque somos os primeiros habitantes desse país. A nossa vivência, o nosso direito ainda não morreu. O nosso direito ainda está aceso. Peço, novamente, respeito”, completou.
Justificativa da prefeitura: combate à dengue
Após a denúncia, no final do mês de abril, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou à Prefeitura de Blumenau que fornecesse informações, no prazo de dez dias – a partir do dia 28 de abril de 2022 –, a respeito de quem partiu a ordem para demolição, quais as razões que justificavam a medida e quais as medidas que a Prefeitura de Blumenau pretendia adotar para possibilitar abrigo aos indígenas que acampam na cidade para vender artesanatos.
Recentemente, a prefeitura emitiu uma nota (confira abaixo) sobre o caso e afirmou que “as duas áreas da cidade destinadas ao acampamento indígena seguem disponíveis para moradia”. Além disso, usou como justificativa da ação o aumento de focos do mosquito Aedes Aegypti – transmissor da dengue – na região.
“A ação faz parte da série de mutirões de limpeza que a Prefeitura de Blumenau tem feito desde o começo de abril e já passou pelos bairros Escola Agrícola, Do Salto, Vorstadt, Água Verde e Garcia”, diz um trecho da nota.
Proibido despejo
A iniciativa da Prefeitura de Blumenau contraria uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF): em maio de 2020, a Corte determinou a suspensão de todos os processos que tratem do tema e que possam resultar na anulação de demarcações ou no despejo de comunidades indígenas.
A decisão do ministro Edson Fachin é válida até o fim da pandemia de Covid-19 ou até o término do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 – caso ele ainda não tenha sido concluído quando a crise sanitária for considerada encerrada.
Confira a nota da prefeitura na íntegra:
A Prefeitura de Blumenau informa que as duas áreas da cidade destinadas a acampamento indígena, na Rua Itajaí e na região próxima ao Terminal Rodoviário de Blumenau, seguem disponíveis para moradia, sendo monitoradas, porém sem interferência do município. O poder público reforça que recentemente, um mutirão da Sala de Situação que atua no combate do mosquito Aedes aegypti na cidade, fez a retirada de materiais que estavam abandonados em um local próximo ao viaduto da Via Expressa.
A ação foi motivada por diversas denúncias de moradores. Atualmente, a Itoupava Norte é o bairro com maior número de focos na cidade, são mais de 234 locais, o bairro também registra 140 pacientes com diagnóstico de dengue. A ação faz parte da série de mutirões de limpeza que a Prefeitura de Blumenau tem feito desde o começo de abril e já passou pelos bairros Escola Agrícola, Do Salto, Vorstadt, Água Verde e Garcia.
Os trabalhos são acompanhados pela Secretaria de Promoção da Saúde (Semus), Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Semudes), Secretaria de Defesa Civil (Sedeci) e Secretaria de Conservação e Manutenção Urbana (Seurb). Mais de 200 toneladas de entulhos já foram recolhidos desde o começo de abril.
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