Esta Federação Árabe Palestina do Brasil vem a público para pronunciar-se frente à assustadora e preocupante manifestação da “Cátedra Antonieta de Barros”, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), contrária à atividade de lançamento da obra “Contra o Sionismo: Breve História de uma Doutrina Colonial e Racista”, dia 3 de abril, no Centro de Eventos (Auditório Garapavú) desta instituição universitária, fazendo-o em termos de dar inveja aos israelenses (sionistas) promotores do genocídio palestino em Gaza, um dos maiores da história e que já supera, em alguns dados, a própria matança nazista durante a 2ª Guerra Mundial. Da mesma atividade tomam parte, como debatedores com o autor, o ex-embaixador palestino no México Fawzi El-Mashni e o cartunista Carlos Latuff.
Para além do que já exposto em manifestos pelo Movimento de Brasileiros em Defesa do Povo Palestino de Santa Catariana e pela APUFSC-Sindical, tecemos as seguintes considerações, posto, especialmente, que a aludida cátedra informa que sua missão é a “Educação para a Igualdade Racial e Combate ao Racismo”:
- Iniciemos com breve panorama e moldura do que em tela. Em sua carta, remetida em 21 de março e endereçada à APUFS-Sindical e à EdUFSC – Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, a aludida cátedra – integrantes, “pesquisadoras e pesquisadores” – se diz “surpresa” ao saber do “debate” (o colocam entre aspas!), porque acreditam que as “universidades devem ser locais de manifestações plurais e democráticas”, razão pela qual as discussões em seus espaços “devem ser plurais e abertas”, bem como “sem propagar ódio e racismo”. Além disso, identifica que frente ao atual “conflito Israel-Palestino” seria possível identificar “ações e discursos ‘antissemitas’” em alta. Depois de repetir as surradas mentiras sionistas, que se escudam no alegado “antissemitismo” para defender os crimes de lesa-humanidade do regime segregacionista de “israel”, a carta termina afirmando, novamente, estranheza pelas entidades promotoras da atividade terem escolhidos “para um debate tão sério como este pelo menos dois atores que têm sido apontados pelas organizações antirracistas como precursores de ódio e ‘antissemitismo’”, anexando, a pretexto de demonstrá-lo, links que criminalizam os que se opõem ao apartheid, à limpeza étnica, ao genocídio na Palestina e ao sionismo como ideologia racista e colonial, num total de apenas quatro, todos publicados há mais de 10 anos, um deles a quase 20 anos, e que nada têm que ver, portanto, com o “atual momento do conflito Israel-Palestino” (ocupação colonial, não conflito, assim como não havia conflito entre britânicos em indianos na índia, ou entre argelinos e franceses na Argélia, para citarem-se apenas dois casos icônicos de colonialismo).
- Já contestando, primeiro não há se falar em “antissemitismo”, mas, quando se trata de discriminação aos professantes do judaísmo, trata-se de antijudaísmo. Esta é uma distinção importante por duas razões especiais. A primeira, que este é um fenômeno europeu e cristão, pelo menos na forma romanizada e europeizada deste cristianismo, que se realiza em solo europeu, promovido por europeus não-judeus contra outros europeus de fé judaica. Não é ação de não-semitas contra “semitas”, mas entre não-semitas. Aliás, importante destacar que a própria invenção do “semitismo” é europeia e séculos posteriormente à inauguração do antijudaísmo na Europa. Logo, nada o liga aos palestinos, aos árabes em geral e, menos ainda, aos professantes da fé muçulmana. Segundo, que os palestinos são integralmente semitas, pelo menos pelos dois critérios adotados para esta distinção, a língua (o árabe, antes dele o aramaico e, muito antes, as várias línguas faladas pelos cananeus, de quem ainda majoritariamente descendem os palestinos) e a origem geográfica (a Grande Canaã, que compreende a Palestina e toda sua região circundante), ao passo que os euro-judeus são da Europa, feitos judeus, majoritariamente, por conversão a esta fé religiosa, e não falavam nenhuma língua semítica – seria cômico dizer que alguém se torna “semita” pela conversão religiosa ou por aprender um idioma semítico!
- Os “atores” em questão nada têm de “antissemitas”, ou mesmo de “antijudeus”, porque se opor ao regime segregacionista israelense e ao sionismo, a ideologia colonial, racista e supremacista, da mesma cepa que o nazismo, não é o mesmo que se opor ao judaísmo. Tanto que há incontáveis judeus que se opõe ao sionismo e à sua criatura estatal, dentre eles Breno Altman, cuja família, em parte, pereceu em campos de concentração nazistas. Aliás, muitos judeus religiosos ortodoxos, como os Neturei Karta, numerosos e influentes no meio judaico, negam a judeidade aos sionistas e a “israel”.
- Alegar um tosco, vulgar e historicamente infundado “antissemitismo” é típico de sionistas que precisam desviar a atenção do experimento social genocida que é sua criatura estatal, “israel”, na Palestina, um colonialismo por assentamento de único tipo porque não há, senão ele, outro na história que tenha sido, a priori, baseado na integral limpeza étnica do povo originário para se instalar e existir. Também é o único que inventa um projeto “nacional” que reúne estrangeiros de qualquer parte do mundo, tendo por elo a fé religiosa, para criar, do nada, em território alheio, um estado nacional.
- Alegar, farsescamente, um “antissemitismo” significa, na prática, aderir integralmente à medula do sionismo, já que os líderes sionistas aceitaram a ideia europeia antijudaica de que os euro-judeus eram estrangeiros, que na Europa estavam porque num dado momento (66-70 d.C) teriam sofrido “diáspora” da região da Palestina e, logo, teriam que “retornar” à terra de onde teriam saído. Assim, aderir à farsa da estrangeirização/semitização dos euro-judeus é, a um só tempo, aderir ao antijudaísmo subjacente, que pretendeu retirar da Europa os professantes do judaísmo por meio de seu “retorno”, e, também, ao sionismo, que tornou a ideia de “retorno” a pedra angular de fazer emigrar à Palestina os judeus de todo o mundo para tomarem parte de seu projeto colonial e do experimento social genocida que engendra até os dias de hoje.
- A carta da alegada cátedra ainda fala em “debate”, bem assim, entre aspas. Nada mais tosco! Busca promover a surrada ideia de que falta o “outro lado”. Ora, para falar de genocídio na Palestina não é necessário que o genocida esteja ao lado para “debater”, isto é, defender, na prática, a ação genocida. Ou debatemos nazismo chamando os nazistas? Qual cabimento haveria em debater escravidão e chamar, em defesa desta ignomínia, um escravocrata para ouvir o seu “lado”? Talvez para manifestar indignação com a abolição da escravatura? O mesmo vale para o Apartheid na África do Sul, que não poderíamos debater – porque seria “debater” – sem a presença de algum neto ou bisneto de Frederik de Klerk, ou, quem sabe, de Pieter Botha, porque, afinal de contas, é preciso ouvir o “outro lado”! Esta aberração ocorre, inclusive em meios acadêmicos, porque o sionismo é caso único de colonialismo e projeto supremacista que tem o direito de se “defender”, de apresentar o “seu lado”. Então, por esta lógica, o genocídio na Palestina torna-se defensável, inclusive suas ações de extermínio se tornam apenas “autodefesa”, para vermos o tamanho das absurdez e imoralidade deste falso argumento.
- Por fim, nenhuma palavra sobre o genocídio palestino em curso, que já exterminou 40.783 palestinos, considerando entre 8 mil e 10 mil desaparecidos sob os escombros, ou quase 2% da população palestina no dia 7 de outubro do ano passado. Isso equivaleria a 4 milhões de mortos no Brasil, em apenas 171 dias, ou 15 milhões na Europa (espaço geográfico em que se deu a 2ª Guerra Mundial). Em eventuais 6 anos de duração, o tempo da 2ª GM, este nível de genocídio levaria à perda de quase 30% da atual população de Gaza, isto é, o equivalente a 225 milhões de europeus mortos, mais de três vezes os estimados 70 milhões de mortos quando desta conflagração mundial. As crianças palestinas são mais de 18 mil, considerando as desaparecidas, mais de 45% do total de assassinados por “israel” nestes 171 dias de genocídio. São mais de 9 mil crianças assassinadas por “israel” por 1 milhão de habitantes em Gaza, quando nas demais guerras (Save The Children) havidas de 2019 a 2022, morreram pouco mais de 1 criança por milhão de habitantes. Proporcionalmente, “israel” mata 230 vezes mais crianças palestinas do que morreram na 2ª GM. Trata-se da maior matança de crianças em guerras convencionais da história. Herodes teria inveja! As mulheres palestinas assassinadas já passam de 9 mil, quase 25% do total de assassinados. É, também a maior matança de mulheres da história. Talvez mil tenham sido assassinadas grávidas. Duplo homicídio! Os abortos involuntários aumentaram, desde 7 de outubro, em Gaza, 300%. Mais homicídios nos ventres. Eliminar ventres que dão à luz e as crianças que deles faz pouco vieram à luz, bem como as que nos ventres foram assassinadas, indica claro intento de esterilização desta sociedade, deste grupo, portanto, genocídio programado para ter efeito no tempo, para além do tempo de matança. Busca, “israel”, o macabro intento de colapsar a capacidade reprodutiva do povo palestino. Visa uma solução final na Palestina, para que esta terra seja apenas de judeus, conforme projetado pelo sionismo, que sequestrou o judaísmo para este macabro extermínio.
Dito isso, lamentamos que quem se propõe a lutar contra o racismo, como esta importante cátedra, faça justamente o contrário, absolvendo, por meio de subterfúgios, um dos maiores experimentos genocidas da história, este promovido por “israel” na Palestina.
Por fim, esperamos que a coordenadora da cátedra, a vice-reitora da UFSC Joana Célia dos Passos, repense a manifestação a que anuiu e se retrate dela, porque esta talvez seja a maior destruição pública de uma reputação acadêmica na história desta renomada instituição de ensino superior. Poderia ser a do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier, mas esta não foi auto-inflingida. Seja como for, para ele pareceu melhor perder a vida que a reputação, tamanha sua importância, especialmente para o mundo acadêmico, no qual honestidade não é apenas uma palavra. Mas, talvez, o mais grave seja manchar com o sangue de crianças e mulheres palestinas sob genocídio a reputação de Antonieta de Barros, que, ademais, não está mais entre nós, seja para se defender, seja para dar cabo da própria vida em caso de não poder defender a própria reputação.
Palestina Livre a partir do Brasil, 26 de março de 2024, 76º ano da Nakba.
Confira a Nota na íntegra: https://drive.google.com/file/d/1_MdUEsbv0cK1ACOT2XvOARRlH2Dx1PFH/view?usp=sharing