Por Désceo Machado, para Desacato.info.
“- Meus amigos, um brinde ao nosso contrato, que ganhemos muito dinheiro! Viva!” Jonas estava à vontade no puteiro mais famoso da região. Acompanhado do novo advogado da empresa, que discretamente olhava para a esquerda, e com o tio, investidor e sócio, foram comemorar com lindas e carinhosas mulheres. Letícia, do tipo mignon, e Laís, negra de pernas longas, se aproximaram da mesa e cumprimentaram os três clientes.
Piscando o olho e comprimindo os lábios, Letícia ganhou a simpatia do advogado. Um pouco nervoso, há uns vinte anos não ia a um puteiro e era novo na empresa, não sabia quais eram os hábitos de seus patrões naqueles ambientes, com os gestos desorganizados pigarreou e ofereceu uma cadeira para a garota.
“- Relaxa Doutor!”, falou no seu grave o tio de Jonas e eles todos soltaram gargalhadas. “- Nosso corpo não possui dona, Doutor. Precisamos aproveitar, pois a vida é curta! O sexo no casamento com o passar dos anos vai se tornando um dever burocrático, o tesão se perde. Isso aqui é uma fonte da juventude e essas gostosas são a ambrosia dos deuses!”
Jonas já conhecia as frases prontas do tio desde adolescente. Esticou o pescoço algumas vezes procurando uma das meninas. Passou a mão pela cintura de Laís, que se abaixou para que Jonas lhe falasse algo no ouvido. Ela riu, ele piscou e lhe deu um tapinha na bunda enquanto girava em direção ao bar. Já o advogado, por mais que tentasse relaxar acariciando a mão de Letícia sobre sua perna quente, lutava contra aquelas frases graves.
Fingindo escutar Jonas, que falava qualquer coisa sobre investimentos e lucros, o advogado lembrava de sua esposa dez anos atrás, do seu corpo e do sexo que faziam. O esfriamento da relação, a acomodação do casal, as dificuldades cotidianas, os filhos gestados, paridos e amentados, a divisão da atenção e do carinho ou a ausência de carinho do casal, tudo lhe pesava sobre face. Mais um sorriso de Letícia, uma outra piscada com o desfecho dos lábios comprimidos e a impressão de que aquilo era um cacoete. A moça insistia em penetrar o seu olhar. O advogado falou para si que aquilo ali era um mercado e a garota estava vendendo, entregando sua vagina, ou melhor, o uso de seu corpo, ou, ainda, uma prestação de serviços, isso, certamente, pensou, nós dois vendemos nossos serviços. Os atravessadores deveriam estar ganhando muito, as garotas estavam ali por falta de opção de trabalho, poderiam ser bem pagas em relação à média de salários, mas eram vulneráveis, sujeitas à violência, vícios e estupro. Elas vinham de outros estados e cidades, sempre circulando, seria o caso de tráfico de pessoas? E o advogado embrenhava o estômago no cérebro.
“ – Uma água pra mim Senhor!”
“- Água Doutor? Quero mais uma dose, mestre! E você Jonas, larga esse celular, sua donzela deve estar num quarto trepando com outro! Rá rá rá! Nunca vi ter pedido pronto em puteiro!”
“- Senhor, um drink para a Letícia, por favor!” Com uma mesura fora de época o garçom foi atender aos pedidos.
A moça aproximou sua cadeira e cheirou-lhe a nuca, beijou sua bochecha e, enquanto mordia o lábio inferior e o olhava fixamente, colocou a mão esquerda do advogado entre suas pernas. O homem derreteu-se e suas razões se perderam em um surdo gemido. Inclinou-se para beijar a garota e a seguir pôde sentir o perfume dela quando levou seus dedos próximos ao nariz. Sorriu e lhe perguntou quanto era o programa.
Nesse momento, eles estavam cercados por mulheres de todos os tipos. O tio fingia não sentir a mão de uma delas passar por sobre a calça, Jonas estava com uma no colo e outra no seu lado direito. O advogado estava amortecido, quente e angustiado. Tomou água e olhando paternalmente para Letícia, percorreu com os nós dos dedos aquele rosto, seus lábios e seus seios. Ele estava prestes a se entregar, algo que não acontecia há muitos anos; por minutos eternos, não estava interessado no final da história.
“As três etapas da prostituição estavam por ser cumpridas: a sedução, o pagamento e a prestação de serviço ou entrega da coisa. Sem se ater aos valores que estavam em jogo, livre de qualquer sensação de vigilância, o advogado subiu para o quarto com Letícia.”
“Dar, receber e retribuir. No seu casamento, também fiel aos ditames da dádiva, nada deveria ter uma direção única. O interesse, o toque, a troca, o desejo que ia e deveria voltar, o dinheiro a mais que pagava algo, um carinho mal recebido que podia gerar uma guerra. Mas a escassez e o desperdício de amor estavam ali. Com um perfume impregnado chegou em casa, tomou banho e foi deitar ao lado dela.”
“Ele logo se transformaria no cliente convencional de puteiro, o cliente do pulinho, da saidinha do futebol, da aliviada na pressão da semana, do desencher o saco que a esposa encheu. Não conta à sua esposa, porque ela não gostaria de saber. O puteiro lhe preenche um vazio, enquanto acredita que ele preenche o vazio de sua esposa, que também tem desejos de se entregar.”
+ O falso abraço ou a conquista frustrada
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Désceo Machado é repórter em Florianópolis.