Alta da inflação e taxa de exploração no Brasil. Por José Álvaro Cardoso.

Foto: Valmir Neves

Por José Álvaro Cardoso.

O problema fundamental da inflação no Brasil (como de resto, acontece nos países subdesenvolvidos em geral) é que a taxa de exploração é muito elevada, os salários são muito baixos. Qualquer elevação mais forte da inflação coloca uma boa parte da classe trabalhadora no primeiro degrau da fome. E a elevação inflacionária atual não é qualquer uma, ela é significativa e concentrada em alimentos, o que pega diretamente a renda da maioria da população.

O raciocínio é simples. O rendimento médio real habitual dos trabalhadores (considerando a soma de todos os trabalhos) foi estimado em R$ 2.482,00 no quarto trimestre de 2020, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE. Este valor deveria ser suficiente para custear comida, aluguel, transporte, luz, água, etc. O fato é que, mesmo que este valor fosse o dobro, a conta não fecharia. Prova disso é que o salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE é R$ 5.330,69, o equivalente a 4,85 vezes o mínimo vigente, de R$ 1.100.

Os preços dos produtos básicos (comida, água, energia elétrica, tarifas de transporte) estão aumentando num momento em que a classe trabalhadora brasileira atravessa o seu pior ciclo de empobrecimento da história. Esse ciclo foi causado pelo golpe de 2016, que veio para isso mesmo. O golpe foi operado por “necessidade”, ou seja, a profundidade da crise requer maior transferência de riqueza da periferia para o centro, o que significa a necessidade de destruição de direitos, além de outras ações, como a entrega da Eletrobrás. Neste momento de grande crise mundial, não é mais possível governos nacionalistas e sociais-democratas na periferia capitalista, sem entrar em confronto direto com os interesses do imperialismo.

Por isso derrubaram governos em toda a América Latina. Por isso os governos que resultaram de golpes desfizeram rapidamente as escassas políticas sociais que existiam. Michel Temer aqui no Brasil, por exemplo, mal assumiu com o golpe e tratou de liquidar a Lei de Partilha, que retinha, em maior grau, a renda petroleira no Brasil. O caso do petróleo no Brasil ilustra com riqueza o que é ser um trabalhador de um país dominado pelo imperialismo. O país dispõe de uma das maiores reservas de petróleo no mundo, e é um grande produtor de petróleo. Ao mesmo tempo estão vendendo as refinarias, para tornar o país apenas um exportador de óleo cru e depender cada vez mais de importações de derivados de petróleo, principalmente dos EUA. E quantidades crescentes da população não têm o que comer. Quando a cotação do barril de petróleo aumenta internacionalmente, quem lucra não é povo pobre e negro brasileiro, e sim os almofadinhas da Bovespa e da Bolsa de Nova York.

O fato é que com os níveis salariais do Brasil, mesmo com inflação zero, o trabalhador tem a sensação de que ela é muito alta. É que o custo de vida é muito alto para os salários vigentes, mesmo que ele não esteja aumentando (ou seja, mesmo que a inflação fosse zero). Muitas vezes os trabalhadores reclamam da inflação mesmo com ela estando em nível muito baixo. Na verdade, a reclamação decorre do baixo salário. Se o trabalhador recebe o salário mínimo para o sustento de duas ou três pessoas e uma cesta básica para um adulto custa R$ 650,00 a conta nunca irá fechar. Na realidade, essa é uma confusão entre inflação e salário baixo, que são temas relacionados, porém diferentes.

Se a família sobrevive com um salário mínimo (e no Brasil são muito milhões de famílias), a inflação pode ser zero que, mesmo assim, irá faltar dinheiro para suprir as necessidades básicas. A inflação atual, causada em boa parte pelo aumento de preços dos alimentos, pega frontalmente o pobre. Quem sobrevive com um salário mínimo no Brasil (no total, 27,3 milhões de brasileiros recebem até um salário mínimo, cerca de um terço do total da força de trabalho do país, segundo dados da Pnad-IBGE), gasta praticamente toda a sua renda para comprar comida. Dependendo do número de dependentes da família, não consegue pagar nem mesmo luz e água.

Nesse contexto, quando há uma pressão dos alimentos a renda do pobre é impactada diretamente. Em menor escala a classe média baixa sente também. Já as famílias ricas nem ao menos sente a inflação, especialmente se esta for causada por alimentos. O rico, pelo contrário, aproveita a alta de preços para ganhar dinheiro. Se o preço da carne no varejo sobe 36% em um ano, como constatou o DIEESE na sua pesquisa de cesta básica, é evidente que esse aumento beneficia o empresariado. É a hora de proprietários de gado, grandes atacadistas, donos de supermercados, etc., faturarem um lucro extra.

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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