“A verdade é filha do tempo, não da autoridade” (Francis Bacon)
Por Celso Martins.
Dragagem do canal de acesso vai acabar com a pesca e a maricultura. Em troca de quatro mil empregos vão desestabilizar dezenas de comunidades com milhares de famílias no entorno da Baía Norte de Florianópolis. Nossas lideranças políticas, no Parlamento e Executivo, agem criminosamente, por ação ou omissão, e escondem os riscos do empreendimento.
Começamos com uma afirmação contida no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Estaleiro OSX.
“Durante a dragagem, em um primeiro momento, toda a macrofauna bentônica será removida mecanicamente, devido à perda do habitat. A recolonização após a dragagem será gradual e possivelmente os padrões de dominância e composição de espécies será alterado. A dragagem de manutenção do canal também é outro fator alterador para a macrofauna bentônica, onde apenas organismos adaptados a este tipo de impacto crônico colonizarão e permanecerão na área, principalmente os de curto período reprodutivo e com hábitos alimentares não seletivos. Nas áreas de entorno os efeitos sobre a macrofauna serão menos intensos, pois não haverá a perda de habitat. O possível distúrbio será o aumento da pluma de sedimentos, que poderá afetar principalmente os organismos filtradores, como moluscos bivalves. A dragagem de manutenção do canal não deverá atingir uma área muito abrangente, já que a escala de operação é bem menor”.
É esse o principal problema do Estaleiro – seu canal de navegação, desde a abertura até a posterior e necessária manutenção.
* Canal com 13,2 quilômetros de extensão e 232 metros de largura (leito do canal com 160 metros, mais os taludes laterais de 36 metros cada).
* A região da futura bacia de evolução do estaleiro (Biguaçu) tem profundidades de 0 a 2 metros, e a região do canal de acesso (Baía Norte de Florianópolis) de 2 a 10 metros. O canal terá 9 metros de profundidade.
* Serão dragados 8.750.000 m³ de sedimentos do fundo do mar.
* A dragagem será executada em 260 dias e as dragas vão operar 24 horas por dia. Uma delas terá tanque com capacidade de armazenar 90 m³ de óleo diesel (90 mil litros) e outra de 150 m³ (150 mil litros) do mesmo combustível.
Adeus peixes, camarões…
É isso mesmo, gigantesco! E as conseqüências podem ser catastróficas: “De modo geral, a macrofauna bentônica de áreas diretamente afetadas com as dragagens e áreas de entorno, sofrerá modificações durante e depois da dragagem, em maior ou menor escala”. A macrofauna bentônica é aquela associada aos sedimentos do fundo marinho, composta por animais visíveis a olho nu, como a maior parte dos caranguejos, os equinodermes (ouriços, lírio-do-mar, estrela-do-mar), larvas de insetos, vermes oligochaetas e algumas espécies de peixes, como o linguado.
Continua: “A composição e dominância dos organismos são alteradas por um período indeterminado. De acordo com estudos realizados fora do Brasil, este tempo pode chegar a 4 anos (Bolam & Whomersley, 2005), enquanto um estudo realizado por Vivan et al. (2009) com despejo de sedimento dragado, evidenciou que este tempo chega a 16 meses. Ambos os estudos mostram que descritores de diversidade e riqueza se recuperam, mas a composição das espécies é permanentemente alterada em alguns aspectos, como o desaparecimento de algum organismo adaptado ao ambiente suprimido ou aparecimento de outro organismo adaptado a nova condição ambiental”.
Em linguagem clara, as águas da Baía Norte vão permanecer por muito tempo na tonalidade acinzentada, toldada como se diz. Semelhante ao que se observa na orla da avenida Beira-Mar em dias de nordeste e em Sambaqui quando bate o vento sul. É o que chamam de turbidez. “O acréscimo da concentração de material em suspensão provocará um aumento de turbidez, sendo que a duração do impacto depende diretamente da duração da dragagem. No entanto, deve-se ressaltar que a Baía Norte já apresenta uma concentração representativa de sólidos em suspensão, cerca de 150 mg/L. Com a entrada freqüente de ventos Sul e Sudoeste a Baía Norte já sofre um processo natural de aumento dos sólidos em suspensão, ocasionado pela ressuspensão do fundo causada pelo vento”.
Em águas turvas
O documento alerta para o “afugentamento, perturbação e mortalidade da fauna aquática”. Ou seja, “tanto na fase de implantação como na fase de operação do OSX Estaleiro – SC a dragagem é a principal atividade que gera danos à fauna aquática. As dragagens causam ruídos, revolvem o fundo, aumentam a concentração de sedimentos suspensos, gerando afugentamento e perturbação da fauna. O material em suspensão, quando em excesso, pode provocar danos aos organismos aquáticos interferindo nos mecanismos de respiração, filtração ou acumulando-se na superfície do corpo de pequenos animais”.
Denominam de ictiofauna ao conjunto de espécies de peixes de determinada área. “A dragagem pretendida poderá trazer modificações temporárias à ictiofauna do canal”, assinala o EIA. “Durante o período de dragagem pode haver um impacto na fauna aquática devido à ação mecânica da draga. Os organismos podem ser sugados, pelo entupimento das brânquias gerado pelo excesso de material em suspensão ou por uma redução da disponibilidade de alimento, uma vez que suas presas constituem-se de organismos sésseis ou com pequeno poder de locomoção, estando assim, mais vulneráveis à atividade de dragagem”.
A dragagem vai tornar a água do mar “barrenta”, diminuindo a penetração da luz e inviabilizando a presença dos plânctons – elo fundamental na cadeia alimentar a ictiofauna. “As atividades de dragagens causam o aumento da turbidez da água provocando alterações na zona eufótica, diminuindo a penetração de luz na água. Este processo afeta diretamente a produtividade primária, pois gera condições desfavoráveis ao crescimento de organismos fotossintetizantes. Esta diminuição afeta indiretamente a população de zooplâncton”.
O fim da maricultura
O EIA também prevê uma “interferência na atividade pesqueira e restrição do espaço de pesca”. Será delimitada “uma área para a operação de dragagem”, o que “implicará em exclusões temporárias para a atividade de pesca”. As restrições serão maiores nas áreas da bacia de evolução (junto à base terrestre do estaleiro), e na parte interna do canal de acesso, “que demandarão maior tempo de operação e, em conseqüência, maior período de exclusão à pesca”.
Sobre o camarão: “Na pescaria do caceio de camarão, a sobreposição da dragagem com áreas de pesca ocorre ao longo do canal de acesso, principalmente no percurso entre a bacia de evolução e o través do Pontal da Daniela. A operação de dragagem neste setor do canal determinará a descontinuidade da área de caceio, porém não inviabilizará a pescaria”.
Os maricultores também serão afetados. “A principal alteração ambiental temporária na maricultura pode ocorrer pela atividade de dragagem, que ocasiona um aumento da concentração de material em suspensão na coluna d´água. Isto ocorre porque os moluscos marinhos cultivados são filtradores, alimentando-se essencialmente do material particulado em suspensão (DAME, 1996)”.
Espanta-turista
Os pescadores não serão os únicos atingidos. “Durante os meses de dragagem do canal de acesso poderá haver alguma interferência com os passeios de embarcações de esporte e recreio. Na fase de implantação, a dragagem de aprofundamento será diária durante um período de aproximadamente 260 dias”.
A paisagem vai mudar. “A implantação das infraestruturas do OSX Estaleiro – SC poderão provocar interferências visuais capazes de modificar a configuração cênica da paisagem local de forma definitiva”.
Daniela já era, Jurerê também
As praias de Jurerê Internacional, Jurerê, Praia do Forte e Daniela podem sofrer erosão. “A praia da Daniela, por constituir-se de um esporão ou pontal arenoso, é uma das preocupações ambientais geradas pela possibilidade de abertura do canal de acesso ao OSX Estaleiro-SC. Esta praia tem direção ENE-WSW e se encontra “amarrada” ao morro do Forte. O pontal compreende predominantemente sedimentos dos depósitos marinho praial e lagunal de idade holocência. Na sua porção voltada para sudeste aflora o depósito paludial, sendo que na porção noroeste observa-se sedimentos de origem eólica recobrindo os cordões litorâneos”.
Toxinas exóticas
Outro perigo vem da possibilidade de “introdução de espécies exóticas no ambiente”, vindas no lastro dos navios. “A água de lastro é o principal meio de introdução de espécies exóticas, porém outros meios necessitam serem citados, como organismos incrustados ao barco”. Este “impacto ecológico ocorre quando a biodiversidade nativa e os processos ecológicos são alterados pela espécie invasora”, com riscos à saúde humana: “Os organismos invasores podem afetar a saúde humana, causando doenças e mortes, através de epidemias de cólera, transferência de vírus e bactérias, além de microalgas tóxicas”.
Tudo isso, sem tirar nem por, está no EIA do Estaleiro OSX. Claro que para todos esses problemas a empresa anuncia programas de monitoramento e outros acompanhamentos, ou seja, vão cometer o ato e ficar olhando para ver como repercute.
Nossos líderes estão contra a parede, sob chantagem explícita na véspera de uma eleição, atentos aos financiamentos de suas campanhas e aos votos nas urnas. Não lhes importam os cidadãos e seus dramas.
Novo modelo econômico?
Proclamação do EIA do Estaleiro OSX: “Com a construção do OSX Estaleiro – SC no município de Biguaçu, será criado um pólo da indústria naval no estado de Santa Catarina. O principal cliente da empresa OSX será a OGX, uma empresa do Grupo EBX, que é a maior companhia privada brasileira do setor de petróleo e gás natural em área marítima de exploração, com 22 blocos e 4,8 bilhões boe (barris de óleo equivalente) de recursos potenciais riscados líquidos”.
Como cidadã de Florianópolis não quero ver a OSX com seus megaequipamentos, suas gruas e navios nos mares de Florianópolis. Nosso futuro está nas nossas mãos. Nas mãos do povo daqui e não de outro estado ou de outra cidade. Além disso, Florianópolis tem 408 161 mil habitantes (IBGE 2009). Biguaçu , perto de 55.700 habitantes Afinal, quem é a favor e quem é contra? A gente não pode deixar que as paisagens das praias do Norte da ilha sejam destruídas. Na verdade, nós de Floripa que devemos nos movimentar o máximo possível!! Somos a maioria.
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