Por Mariana Franco Ramos.
O algodão é responsável por aproximadamente 10% do total de pesticidas utilizado em território nacional. Com aplicação média de 28 litros por hectare, a cultura é a quarta que mais consome agrotóxicos no Brasil. Os dados são do relatório “Fios da Moda: Perspectiva Sistêmica para Circularidade“, lançado pelo Instituto Modefica, em parceria com o Centro de Estudos de Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A pesquisa analisou, de forma qualitativa e quantitativa, os impactos socioambientais da produção das três fibras mais utilizadas na indústria da moda: algodão, poliéster e viscose. O objetivo das organizações é estimular que designers, estilistas, compradores, desenvolvedores de produtos, produtores, professores, estudantes e consumidores repensem a maneira como os produtos do setor são criados e consumidos. Segundo as pesquisadoras, o glifosato corresponde a mais da metade do volume de herbicidas comercializados no país. Os números chamam a atenção porque, em 2015, outro relatório, da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), classificou a substância como “provável carcinógeno humano”. Desde então, ela passou a sofrer restrições no mundo inteiro.
Além do alto potencial de afetar a saúde humana, o uso desse tipo de produto pode causar sérios danos ao ambiente. Conforme a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), ele é responsável, por exemplo, pela contaminação das águas superficiais e subterrâneas, mortalidade de abelhas, intoxicação e aborto espontâneo.
GRÁVIDAS SOFRERAM ABORTO NO PIAUÍ POR CAUSA DOS VENENOS
Também segundo o relatório, apenas o estado do Mato Grosso consumiu cerca de 38 mil toneladas de glifosato em 2014. Um estudo feito em 2018 com mulheres expostas ao glifosato em Uruçuí, no sul do Piauí, região de cultivo de soja, milho e algodão, mostrou que uma em cada quatro grávidas da cidade sofreu aborto espontâneo e que 83% das mães tiveram o leite materno contaminado.
Estima-se que se aplica, em média, 28 litros de pesticidas por hectare de algodão, o que equivale a cerca de 42% do custo de produção da fibra. Para se ter uma ideia, culturas como soja, arroz e milho consomem 12 litros/hectare, 10 litros/hectare e 6 litros/hectare.
Apesar de destacar o glifosato, o levantamento ressalta que as culturas de eucalipto, usado na produção de viscose, e algodão utilizam de sete a dez tipos dos agrotóxicos mais vendidos no Brasil, respectivamente.
O acefato, na quarta posição, apresenta alto potencial carcinogênico, atestado em vários estudos em roedores e em um estudo em cães. A informação consta em documento da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, de 2019. A exposição crônica a doses baixas é uma preocupação ainda não endereçada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O imidacloprido, na sétima posição, é considerado um dos mais fatais para abelhas, polinizadoras importantes, o que gera preocupação tanto do ponto de vista econômico quanto do socioambiental. As autoras alertam que alguns compostos amplamente utilizados podem permanecer presentes em organismos, água e solo por muitos anos.
USADO NA INDÚSTRIA DA MODA, EUCALIPTO EXPULSA AGRICULTORES
A Modefica e a FGVCes lembram que algodão e madeiras são responsáveis por conflitos de terra e deslocamento de populações do campo para a cidade — muitas vezes provocados pela diminuição de oferta de trabalho. A expansão do eucalipto, importante matéria para celulose solúvel, muito usada na produção de viscose, criou um impacto social profundo na Bahia.
A eucaliptocultura chegou no nordeste baiano no início de 1990, prometendo gerar emprego, renda e atrair novas indústrias para a região. Mas o que aconteceu foi o oposto. “Enquanto uma fazenda de 500 hectares de agricultura familiar oferece cerca de 200 vagas de emprego, a de eucaliptocultura oferta apenas três”, destaca o relatório. A concentração fundiária se alinha nesse contexto, fortalecendo o deslocamento das famílias para os centros urbanos.
Hoje, conforme a pesquisa, a Bahia Specialty Cellulose detém mais de 60% dos territórios produtores de eucalipto, concentrados em 15 municípios do nordeste baiano. Somente nas três principais cidades produtoras — Alagoinhas, Entre Rios e Inhambupe — a empresa possuía, em 2011, 25 mil hectares para o cultivo do eucalipto.
SOLUÇÃO ESTÁ NA INCLUSÃO E DIVERSIDADE
As organizações que assinam o relatório defendem a implementação de práticas de diversidade e inclusão ao longo do ciclo de vida da produção agrária da indústria do vestuário, bem como a criação de programas para o emprego informal (coletores e cooperativas). “Na produção de algodão, deve ser dado foco maior de treinamento e capacitação às mulheres e meninas, especialmente em fazendas agroecológicas familiares, como acesso à educação, aos direitos do trabalho e à tecnologia”, apontam.
Para promover a diversidade de gênero, por sua vez, o relatório sugere que mais mulheres devem ser incluídas no escopo da ciência e tecnologia e em cargos de liderança. Em relação à produção de fibras de algodão e viscose em áreas de conflito, o caminho seria se alinhar a políticas e normas que protejam os direitos de posse da terra e evitem o fornecimento de florestas antigas e ameaçadas de extinção para exploração extrativista.
Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas.