Os agrotóxicos estão nos vegetais, na água e até nos alimentos industrializados. Só que tamanha oferta é capaz de deteriorar o organismo. E agora, como se defender?
|
Estima-se que, em média, cada brasileiro ingere 5,2 litros de pesticidas por ano. Em algumas cidades dominadas pelo agronegócio, como Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, um habitante chega a botar pra dentro do organismo incríveis 120 litros de agrotóxicos. É bem preocupante. Ainda mais se levarmos em conta que, nos últimos anos, uma série de problemas de saúde é atribuída à exposição a esses produtos.
Para citar um exemplo, recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o composto glifosato como “provavelmente cancerígeno”. “Ele faz parte da composição de 40% dos agrotóxicos usados no Brasil”, conta o médico Wanderlei Pignati, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso. De olho em alertas como esse, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) divulgou um documento em que sugere a redução do uso desses produtos químicos com o objetivo de reduzir a incidência e a mortalidade por câncer no Brasil. O assunto, como dá para imaginar, rende pano para manga. É que muitos estudos, por mais corretos que sejam, são feitos em culturas de células ou em animais. E, para ter 100% de certeza de que os pesticidas causam câncer, seria preciso recrutar muitas pessoas, analisar os níveis de agrotóxicos ingeridos e, aí, acompanhar a saúde de todo mundo por vários anos. “Esse tipo de pesquisa é difícil e cara”, pondera a bióloga Gláucia Hajj, do Laboratório de Biologia Celular e Molecular do Centro Internacional de Pesquisa do A.C.Camargo Cancer Center, na capital paulista. “Mas existem indícios que nos levam a suspeitar da influência de alguns desses compostos no surgimento do câncer”, afirma.
Não é difícil entender por que é tão arriscado ter agrotóxicos dentro do corpo. “Esses produtos têm o objetivo de matar seres que ameaçam a plantação, como fungos e insetos. Ou seja, são criados para destruir elementos vivos”, argumenta o cirurgião oncológico Samuel Aguiar Júnior, diretor do Departamento de Tumores Colorretais do A.C.Camargo. Depois de engolidos, cada um age de um jeito. Mas, em geral, as substâncias associadas a um maior risco de câncer causam danos à estrutura do nosso DNA. Esse é o primeiro passo para as células se multiplicarem de forma desordenada, propiciando a formação de um tumor.
Ainda que não seja possível cravar uma relação direta entre agrotóxicos e câncer, há motivo suficiente para ficar com a pulga atrás da orelha. Na região agrícola de Limoeiro do Norte, no Ceará, pesquisadores identificaram que a taxa de mortalidade por câncer é 38% maior do que nos municípios em que não há abuso nos agrotóxicos. Não é só: o índice de internações por aborto também se mostrou 40% mais elevado em Limoeiro e adjacências.
Hoje, temos registrados mais de 400 ingredientes ativos de agrotóxicos. Acontece que só pouco mais da metade é avaliada no Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. O famoso glifosato, pasme, não passa por esse pente-fino. Mesmo assim, esses estudos mostram uma ampla contaminação da comida. “E olha que nem todos os alimentos são apurados”, observa o engenheiro agrônomo Altino Bomfim, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Adianta lavar?
Infelizmente, não há provas de que deixar o alimento de molho e lavar bem em seguida acabe com os agrotóxicos. “Veneno não se tira dentro de casa, embaixo da pia”, afirma a nutricionista Elaine de Azevedo. É que os pesticidas são manipulados desde a fase em que a planta é uma semente. Ou seja, eles não impregnam apenas na casca: concentram-se também na polpa. Portanto, nem adianta dar um superbanho ou descascá-los sempre — até porque essa parte do alimento concentra fibras, vitaminas e minerais. Mas cabe um aviso: consumir os vegetais convencionais ainda é melhor do que riscá-los da dieta. “A recomendação ainda é aumentar o consumo de frutas e verduras”, frisa o cirurgião oncológico Samuel Aguiar Júnior. Se der para aumentar a proporção de orgânicos na cozinha, melhor! Só não se esqueça de que eles precisam passar por higienização. “A terra é rica em micro-organismos que não devem ir para o prato”, avisa Elaine.