Agrotóxicos jogados por avião intoxicam moradores, nascentes e matam abelhas em Goiás

Comissão Pastoral da Terra encaminhou denúncia ao Ministério Público e comunidades reclamam da falta de fiscalização

Agricultor familiar observa pulverização de veneno por avião em propriedade de monocultura. Agrotóxico atingiu comunidades vizinhas – Arquivo da comunidade local

Comissão Pastoral da Terra regional Goiás (CPT/GO) encaminhou denúncia ao Ministério Público de Goiás expondo a situação de dezenas de famílias em três municípios do estado, que foram atingidas por chuvas de agrotóxicos pulverizados por avião. De acordo com a CPT/GO, o veneno utilizado não pode ser despejado nas lavouras com uso dessa técnica, por orientação do próprio fabricante.

Moradores, produtores, nascentes, plantações e colmeias de abelhas foram atingidos em comunidades rurais das regiões de Bela Vista da Goiás, Caiapônia e Santa Helena, segundo relatos de moradores. Em vídeos e fotos é possível ver a aplicação do agrotóxico nas proximidades das criações usadas para subsistência e o estrago causado pelo veneno às colmeias.

Melgueira destruída. Mais de um milhão de abelhas foram exterminadas pela aplicação do veneno. / Arquivo comunidade local

Saulo Reis, da coordenação executiva da Comissão Pastoral da Terra  de Goiás, afirma que os três casos ocorreram somente nos primeiros quinze dias do ano. Ele relata que não é incomum encontrar irregularidades no uso de agrotóxicos na região. Saulo explica que muitas denúncias deixam de ser feitas por medo de represálias e violência (ouça a entrevista na íntegra abaixo do título desta matéria).

“A gente já ouviu muitos relatos de famílias narrando situações semelhantes. Mas as pessoas têm muito medo de fazer as denúncias, por se tratar de grandes fazendeiros, que têm influência política e influência econômica muito forte. Por medo de sofrer represália, as famílias preferem não fazer a denúncia”, afirma ele.

“Essas denúncias não atingem sequer 1% das situações de conflitos envolvendo agrotóxicos no estado de Goiás. Nós temos denúncia de utilização de venenos proibidos, que chegam por meio de contrabando. Tem situações em assentamentos da reforma agrária com famílias que não querem arrendar terra, em que o fazendeiro joga o veneno queimando pasto, plantação e roça”, ressalta Reis.

Há informações de moradores do acampamento Leonir Orback, município de Santa Helena, que precisaram buscar atendimento médico após a exposição à nuvem de agrotóxico. Os acampados vivem em uma fazenda que pertence à massa falida de um grupo sucroalcoleiro. O despejo do veneno teria sido realizado por fazendeiros que arrendaram parte da terra.

Em Bela Vista de Goiás, mais de 1,8 milhão de abelhas cultivadas nas comunidades de Furado, Barro Amarelo e São Bento foram exterminadas e o estrago ainda não foi totalmente mensurado. O veneno que teria sido utilizado, chamado Perito, é proibido para uso aéreo. As comunidades também se dedicam à produção de hortaliças, frutas, carnes e laticínios orgânicos, que podem perder a certificação por causa da contaminação.

Moradores relatam que nuvem de veneno atingiu criação de animais, roçados e casas. / Arquivo comunidade local

No município de Caiapônia, a substância contaminou uma represa que armazena a água consumida por dezenas de famílias de assentados. “São situações que negligenciaram a própria legislação. Não se observou a questão do vento, não se observou a questão do distanciamento mínimo, não se observou sequer a modalidade de aplicação do veneno. É um desrespeito de toda ordem só nesses casos”, aponta Saulo Reis.

Ele explica que, agora, a Comissão Pastoral da Terra de Goiás aguarda a apuração das denúncias e pede mais fiscalização por parte dos órgãos competentes. “É o mínimo que o estado brasileiro pode fazer, fiscalizar o que está em lei. Nas três situações, isso não aconteceu. Se estivesse acontecendo minimamente, famílias não teriam sido intoxicadas, a água não teria sido contaminada e milhões de abelhas não teriam morrido”.

Em nota, a Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa) informou que, em média, são realizadas 2,5 mil fiscalizações por ano em propriedades rurais no estado. Segundo o texto, quando necessário, o trabalho envolve também coleta para confirmar se há resíduo de agrotóxico aplicado próximo a casas, rios, por exemplo. Em casos de confirmação da conduta irregular, o órgão ressalta que são aplicadas autuações e penalidades previstas em lei.

A Agrodefesa afirmou que ainda não teve acesso às informações específicas dos casos denunciados pela CPT/GO, mas ressaltou a importância das denúncias sobre situações dessa natureza e dos processos de investigação. A apuração dos fatos que dizem respeito à aviação agrícola envolve também órgãos federais ambientais e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

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