África do Sul sedia Conferência Global pela Palestina: “Situação é pior do que no apartheid africano”, afirma organizador

Entre os dias 10 e 12 de maio, Joanesburgo, na África do Sul, sedia a primeira Conferência Global Anti-Apartheid pela Palestina. Organizado pelo Comitê Diretivo Antiapartheid Sul-Africano (SAAASC), o evento espera mais de 250 ativistas de dezenas de países, incluindo o Brasil e outras nações da América Latina e do Caribe.

A proposta da Conferência é reunir movimentos sociais, líderes inter-religiosos e comunicadores de todo o planeta para definir estratégias de mobilização e enfrentamento ao apartheid promovido por Israel contra o povo palestino.

“Articular a mobilização global antiapartheid e responsabilizar Israel por seus crimes contra o povo palestino” são alguns dos objetivos expressos na convocatória do evento, assim como “intensificar a organização e a coordenação visando um plano de ação global unificado” para responder à escalada da catástrofe palestina levada a cabo pelo sionismo.

Diversas autoridades, lideranças políticas e intelectuais de várias partes do mundo, inclusive da Palestina, estão confirmadas na Conferência, cuja programação está disponível em https://antiapartheid.net/.

Com a tarefa de trazer para o Brasil e o continente as discussões e resultados desse encontro internacional, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e o coletivo ComunicaSul participam dos debates em Joanesburgo. Ambos fazem parte do Fórum de Comunicação para a Integração de Nossa América, o FCINA, uma rede de mídias alternativas latino-americanas e caribenhas que trabalham conjuntamente pautas como a democratização da comunicação e a integração regional.

Como aquecimento para a Conferência, o jornalista do Barão de Itararé e do ComunicaSul, Felipe Bianchi, entrevistou o reverendo Moss Ntlha, co-organizador do evento no continente africano. Além de ter atuado na luta contra o apartheid em sua terra natal, Ntlha dirige a Aliança Evangélica da África do Sul e é presidente da Defend Our Democracy, movimento social oriundo da guerra civil no país.

Leia na íntegra o bate-papo traduzido para o português.

Felipe Bianchi – Você pode comentar o propósito da Conferência e como esta ideia se tornou realidade? Qual é a sua avaliação sobre o crescente protagonismo da África do Sul nas ações de solidariedade à Palestina e de denúncia do genocídio e do apartheid promovidos pelo Estado de Israel contra o povo palestino?

Moss Ntlha – Em 2022, visitei a Palestina na companhia do reverendo Dr. Frank Chikane e do reverendo Mzwandile Molo. Algo que nós temos em comum, para além de sermos clérigos, é o fato de carregarmos em nossa bagagem a luta contra o apartheid na África do Sul.

Na visita que fizemos, ativistas palestinos expressaram a necessidade urgente de solidariedade internacional e de um movimento antiapartheid impulsionado por cidadãos de todo o mundo contra a ocupação ilegal de Israel em território palestino. Eles nos perguntaram se poderíamos ajudar na proposta de que uma conferência com esse propósito fosse realizada em nosso país.

Nós prontamente aceitamos, pois em nossa visão, o que testemunhamos na Palestina e em Israel foi pior do que o que vivemos no apartheid sul-africano. Muitos de nós que sofremos o apartheid em nossa terra sentimos uma conexão imediata com o sofrimento palestino. O próprio presidente Nelson Mandela uma vez expressou que nós não seremos livres até que os palestinos também o sejam.

Na volta para casa, nós conversamos com outras iniciativas sul-africanas de solidariedade à Palestina, que também haviam recebido solicitações no mesmo sentido. Sentimos que era o tempo exato para promover essa conferência, com o objetivo de mobilizar cidadãos que lutam por justiça em todo o mundo para trabalhar em conjunto na tarefa de derrotar a ocupação israelense e possibilitar que palestinos e judeus possam viver em paz e igualdade.

Felipe Bianchi – Qual é a conexão entre a histórica luta contra o apartheid na África e a luta por uma Palestina livre? Há uma intenção de recriar o clima global de mobilização e sensibilização como vimos no caso africano?

Moss Ntlha – Durante os vários anos de luta contra o apartheid na África do Sul, ocorreram várias ligações e demonstrações de solidariedade entre lutadores pela liberdade sul-africanos e líderes de organizações pela libertação dos palestinos – todos exilados de sua própria casa. Compartilhamos a mesma busca por justiça, paz e igualdade entre povos e suas terras natais.

De fato, nossa expectativa é de que um movimento global de solidariedade possa se articular e avançar a partir da Conferência que ocorrerá entre 10 e 12 de maio em nosso país. Um movimento conformado por pessoas conscientes, velhos e jovens, de todas as raças e credos, que estejam dispostos a agir unidos por justiça e paz entre Israel e Palestina, mesmo que isso contrarie as linhas tomadas pelos governos – muitas vezes reacionários – de onde essas pessoas e movimentos vêm.

Felipe Bianchi – Qual é a importância do caráter inter-religioso da Conferência?

Moss Ntlha – Em nossa experiência de luta antiapartheid na África do Sul, aprendemos que é preciso articular pessoas de toda fé e pessoas sem fé alguma. O poder do povo unido foi desencadeado por um propósito em comum. Derrotamos o apartheid e tiramos lições que são fundamentais para enfrentarmos os desafios colocados no presente.

É preciso semear a paz e a justiça. É incrível e necessário que judeus, cristãos, muçulmanos e adeptos de outras religiões ou de religião nenhuma estejam irmanados nas trincheiras de batalha por justiça para a Palestina.

Felipe Bianchi – Como você enxerga o ‘mantra’ que acusa de antissemitismo toda pessoa que expressa posições antissionistas? Isso parece ser uma espécie de narrativa global estratégica bastante datada, mas é o que segue baseando a perseguição e o assédio contra jornalistas no Brasil e no resto do mundo que ousam enfrentar o discurso dominante alinhado ao Estado de Israel.

Moss Ntlha – O que tem de mais horripilante neste mantra é que ele nega o judaísmo do próprio povo judeu que se opõe à ideologia sionista do Estado de Israel. Dessa forma, se torna, ele mesmo, antissemita.

É por essa razão que uma comunidade global multirreligiosa que se opõe à ocupação é a esperança de uma paz duradoura entre Palestina e Israel.

Felipe Bianchi – Qual a sua visão sobre líderes latino-americanos como os presidentes de Brasil e Colômbia, Lula e Gustavo Petro, respectivamente, ao levantarem a bandeira antiapartheid, contra o genocídio e em solidariedade à Palestina?

Moss Ntlha – A coragem de pessoas como o presidente Lula e o presidente Petro são sinais morais importantes num mundo que perdeu a sua bússola moral. Olhamos em vão para o Norte Global em busca de liderança moral. São os países do chamado terceiro mundo que ousam levantar-se contra as superpotências ricas do mundo, mesmo sob ameaças assustadoras de punição e estrangulamento econômico para si próprios. A luta pela justiça na Palestina é a luta, paradoxalmente, de David e Golias. Dos valores civilizados de justiça contra a barbárie das inclinações genocidas do sionismo contra Gaza. Posições como a de Lula e Petro nos inspiram para seguir acreditando na humanidade.

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Acompanhe a cobertura do evento pelas páginas e plataformas do Barão de Itararé, do ComunicaSul, Portal Desacato e do FCINA:

Barão de Itararéwww.baraodeitarare.org.br | www.instagram.com/baraomidia

ComunicaSulwww.comunicasul.org | www.instagram.com/comunicasulcolaborativa

FCINAhttps://www.integracion-lac.info/ | https://twitter.com/integracionlac

 

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